Guia Crítico de Diretores Japoneses#3: Seijun Suzuki

 


SUZUKI, Seijun

(n. 24 de maio de 1923)*

鈴木清順

Suzuki conquistou fama internacional tardiamente, um quarto de século após a extravagância visual de seus filmes de gangsters e sua demissão por um estúdio indignado pelas liberdades que tomava com material de gênero, que lhe proporcionou uma reputação cult entre os estudantes no Japão. Nos anos 90, a exploração auto-consciente e auto-paródica de motivos de filmes de gêneros  em películas como Tóquio Violenta (Tōkyō nagaremono, 1966) e A Marca do Assassino (Koroshi no rakuin, 1967) pareciam antecipar o ethos do pós-modernismo; como Mark Schilling observou "a visão de mundo estetizada e absurda de Suzuki, no qual o código do rapaz durão é transmitido através de grotesca coreografia, antecipa o curso de muito da cultura popular das próximas três décadas no Japão, e no Ocidente."

Sob contrato na Nikkatsu, Suzuki inicialmente dirigiu tarefas em uma variedade de gêneros, incluindo musicais, filmes jovens, e adaptações literárias. Estes foram frequentemente realizados profissionalmente: Abaixo os Vândalos (Kutabare gurentai, 1960), por exemplo, animava uma história previsível, com alguns surpreendentes efeitos de cores e notáveis composições. Underworld Beauty (Ankokugai no bijo, 1958), para o qual o diretor pela primeira vez adotou o nome profissional Seijun, e que mais antecipava de modo aproximado o tom de sua obra posterior, na sua história de conflitos entre ladrões, particularmente no clima nilístico onde os diamantes que motivaram o drama são incinerados com um monte de carvão. O estilo característico de Suzuki, no entanto, somente se estabeleceu de 1963 em diante, sobretudo em suas colaborações com o talentoso diretor de arte Takeo Kimura. Filmes como A Juventude da Besta (Yajū no seishun, 1963) e Tóquio Violenta utilizaram da paródia e de artíficios visuais para satirizar às convenções estabelecidas do thriller de ação. Sua brilhante estilização fez estes filmes tolamente fascinantes, mas em seu recurso ao pastiche foram, algumas vezes, rasos emocionalmente. Com Tóquio Violenta, particularmente, a imagética de história em quadrinhos e a interpretação deliberadamente exagerada sobrepujou uma potencialmente comovente história de traição de um jovem gangster pelo seu chefe. 

Ainda assim, os melhores filmes de Suzuki nessa vertente apresentam tanto profundidade emocional quanto complexidade de implicações. Kanto Wanderer (Kantō mushuku, 1963), foi um comentário sutilmente subversivo sobre a obsolecência dos códigos da Yakuza; aqui, os esforços do protagonista para agir honrosamente falham ao não evitar o banho de sangue e, de fato, desencadear a morte de seu próprio patrão. A Marca do Assassino elevou a incoerência a uma forma de arte: a competição entre profissionais por ferirem homens se tornando o "Número Um" é uma metáfora para uma corrida pelo poder, enquanto a narrativa desconectada e montagem agitada parecem expressar a confusão e alienação da vida urbana.

Suzuki também, por vezes, ambientou filmes no passado, traçando obliquamente a história social de seu país ao longo do século vinte. Seu foco foi nos personagens proletários e socialmente marginalizados: A Vida de um Tatuado (Irezumi Ichidai, 1965), e The Flower and the Angry Waves (Hana to dotō, 1964), foram filmes de Yakuza ambientados no período Taisho, nos quais, às histórias genéricas de honra e violência foram proporcionadas pela profundidade e por uma detalhada recriação de um ambiente específico. O último, em particular, contém alguns inteligentes comentários sociais sobre os laços entre trabalho organizado e crime organizado. Em toda parte, Suzuki lidou com prostituição em duas refilmagens de filmes do momento da Ocupação, ambos originalmente baseados em romances de Taijirō Tamura. História de uma Prostituta (Shunpuden, 1965), retrabalhando Escape to Tomorrow (Akatsuki no dassō, 1950), de Senkichi Taniguchi, mapeou as experiências de "mulheres de conforto", na China dos tempos da guerra. Portal da Carne (Nikutai no mon, 1964), anteriormente filmado por Masahiro Makino, foi uma narrativa brutal sobre a luta pela sobrevivência durante a Ocupação, centrando-se em um grupo de prostitutas de Tóquio. No geral, o formato explorativo destes filmes de alguma forma compromete sua preocupação social: portanto, o humanismo do filme de Taniguchi dá lugar a um niilismo sombrio em sua refilmagem, enquanto Portal da Carne trata seu tema com lascívia nada atrativa. Elegia da Luta (Kenka erejii, 1966), no entanto, foi um casamento perfeitamente ajuizado de ação e implicações, e o filme politicamente mais sofisticado de Suzuki: ambientando, como pano de fundo, o levante militarista de 26 de fevereiro de 1936, traça as raízes do fascismo para os impulsos violentos e as frustrações sexuais da juventude.

Após sua demissão da Nikkatsu, Suzuki trabalhou por dez anos numa televisão, antes de se restabelecer como diretor independente. Seu filme de retorno, História de Melancolia e Tristeza (Hishū monogatari, 1977), foi uma curiosa crítica do culto às celebridades, as implicações do mesmo não sendo plenamente desenvolvidas. Mais bem recebidos foram Zigeunerweisen (Tsigoineruwaizen, 1980), Heat-Haze Theater (Kagerô-za, 1981) e Yumeji (1991), uma trilogia de filmes experimentais atmosféricos que retornam a Era Taisho, para explorar temas da sexualidade e do sobrenatural. Apesar de digressivos ao ponto da incoerência, estes foram filmes visualmente suntuosos, e Suzuki minuciosamente evitou derrapar em pretensões, ao incluir momentos de peculiar humor, particularmente em Yumeji. No século vinte e um, Suzuki novamente ensaiou variações paródicas sobre tramas de gênero: Pistol Opera (Pisutoru opera, 2001), retrabalha A Marca do Assassino, enquanto Princess Raccoon (Operetta: Tanuki goten, 2005) foi um criativo, embora exangue, musical pós-moderno, que reconta uma tradicional lenda em cenários estilizados, mesclando bizarramente música tradicional e moderna. Como muitos dos filmes de Suzuki foi mais interessante de olhar que de pensar a respeito e confirmou, talvez, que sua imaginação foi mais efetivamente canalizada pelas restrições da disciplina do estúdio.

1956 Minato no kanpai: Shōri o wagate ni / Harbor Toast: Victory Is in Our Grasp

Hozuna wa utau: Umi no junjō / Pure Emotions of the Sea

Akuma no machi / Satan’s Town

1957 Ukigusa no yado / Inn of the Floating Weeds

Hachijikan no kyōfu / Eight Hours of Terror

Rajo to kenjū / The Naked Woman and the Gun

1958 Ankokugai no bijo / Underworld Beauty

Fumihazushita haru / The Spring That Didn’t Come / The Boy Who Came Back

Aoi chibusa / Young Breasts

Kage naki koe / The Voice without a Shadow

1959 Rabu retā / Love Letter

Ankoku no ryoken / Passport to Darkness

Suppadaka no nenrei / Age of Nudity

1960 “Jūsangō taihisen” yori: Sono gosōsha o nerae / Aim at the Police Van/Mire na Viatura

Kemono no nemuri / Sleep of the Beast/Fera Adormecida

Mikkō zero rain / Clandestine Zero Line

Subete ga kurutteru / Everything Goes Wrong/Tudo Vai Mal

Kutabare gurentai / Fighting Delinquents/Abaixo os Vândalos

1961 Tōkyō kishitai / Tokyo Knights

Muteppō taishō / Reckless Boss / The Big Boss Who Needs No Gun

Sandanjū no otoko / The Man with the Hollow-Tip Bullets / The Man with a Shotgun

Tōge o wataru wakai kaze / The Wind-of-Youth Group Crosses the Mountain Pass / New

Wind over the Mountain

Kaikyō chi ni somete / Blood Red Water in the Channel / Bloody Channel

Hyakuman-doru o tatakidase / Million Dollar Match / Million DDollar Smash and Grab

1962 Haitīn yakuza / High-Teen Yakuza

Ore ni kaketa yatsura / Those Who Bet on Me

1963 Tantei jimusho 23: Kutabare akutōdomo / Detective Bureau 23: Go to Hell, Bastards/Detetive Bureau 2-3

Yajū no seishun / Youth of the Beast / A Juventude da Besta

Akutarō / The Bastard

Kantō mushuku / Kanto Wanderer

1964 Hana to dotō / The Flower and the Angry Waves

Nikutai no mon / Gate of Flesh/Portal da Carne

Oretachi no chi ga yurusanai / Our Blood Won’t Allow It / Our Blood Will Not Forgive/Nosso Sangue Não Perdoa

1965 Shunpuden / Story of a Prostitute / História de uma Prostituta

Akutarōden: Warui hoshi no shita demo / Stories of Bastards: Despite Being Born under a

Bad Star

Irezumi ichidai / One Generation of Tattoos / A Vida de um Tatuado

1966 Kawachi Karumen / Carmen from Kawachi

Tōkyō nagaremono / Tokyo Drifter/Tóquio Violenta

Kenka erejii / Fighting Elegy / Elegia da Luta

1967 Koroshi no rakuin / Branded to Kill/A Marca do Assassino

1977 Hishū monogatari / Story of Sorrow and Sadness/História de Melancolia e Tristeza

1980 Tsigoineruwaizen / Zigeunerweisen

1981 Kagerōza / Heat-Haze Theater / Kagero-za / Mirage Theater

1985 Kapone ōi ni naku / Capone Cries Hard

Rupajidain sansei: Babiron no ōgon densetsu / Lupin III: Legend of the Gold of Babylon/Lupin III: O Ouro da Babilônia (animção, co-diretor)

1991 Yumeji

1993 Kekkon / Marriage (co-director)

2001 Pisutoru opera / Pistol Opera

2005 Operetta: Tanuki goten / Princess Raccoon 

Texto:  Jacoby, Alexander. A Critical Handbook of Japanese Film Directors. Berkeley: Stone Bridge Press, 2008, pp. 389-93.


* Suzuki faleceu em 2017

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