O Dicionário Biográfico de Cinema#228: Ginger Rogers

 


Ginger Rogers (Virginia Katherine McMath) (1911-95), n. Independence, Missouri

Ginger não foi a dama mais sofisticada nos filmes e, no entanto, teve uma parceria enormemente popular com Fred Astaire, este manequim sublime e rara destilação de desenvoltura masculina. Astaire nunca foi o homem mais fácil de se ser parceiro: não apenas porque como dançarino era meticulosamente exato, mas por conta de sua personagem cinematográfica ser quase abstrata - particularmente nos musicais da RKO dos anos 30, nos quais seu cabelo engomado e figurinos perfeitos e algum espírito de sapateado e salão de bar. Muito difícil para uma mulher ser tão peculiar sem ser insípida; tudo muito fácil de assustar o fauno com alegria ou expor-se como impetuosa.

Por ela própria, Ginger podia ser ousada - como muitos filmes pós-Astaire provaram; e ela tinha uma vantagem bastante desagradável. Mas ela deu um jeito de complementar Astaire, ao invés de alarmá-lo. Em retrospecto, suas relações foram algumas vezes tensionadas pelo perfeccionismo de Astaire (ainda que Ginger fosse uma dançarina segura e rápida). Nas telas, sua robustez o esfregava em seu distanciamento, para que parecesse aquecido por ela, assim como ela ganhava placidez no rascunho. Como resultado, tornaram-se uma das mais claras expressões do estilo dos anos 30 no modo como mesclaram dois arquétipos contrários: o homem citadino e a garota vizinha. 

Mas antes de seu primeiro filme com Astaire, Ginger havia feito dezenove filmes. Sua mãe foi sempre imensamente ambiciosa para ela, e a jovem Virginia foi para Hollywood aos seis anos. Quando adolescente participou de turnês de vaudeville, e pelo final dos anos 20 estava por Nova York como cantora. Em 1930 era a ingênua original em Girl Crazy, de Gershwin, o primeiro espetáculo de Ethel Merman. A Paramount a contratou, e nos idos dos anos 30 era a loura com rosto incrédulo e uma fala rápida em um diálogo esperto: roubou muitas cenas de 42nd Street [Rua 42] (33, Lloyd Bacon), nessa base, e seu aprendizado também incluiu The Young Man of Manhattan [Inconstância] (30, Monta Bell); The Sap from Syracuse [O Amor Atravessa o Mar] (30, Edward Sutherland); Follow the Leader [Ao Compasso da Batuta] (30, Norman Taurog); Honor Among Lovers [Honra de Amantes] (31, Dorothy Arzner); The Tenderfoot [Valente Como Trinta] (32, Ray Enright); Hat Check Girl [Loucuras da Noite] (32, Sidney Lanfield); You Said a Mouthful [Até Debaixo d'Água] (32, Bacon); Professional Sweetheart [Namoradeira Profissional] (33, William A. Seiter); e Sitting Pretty [Sonhos de Glória] (33, Harry Joe Brown).

O último foi feito na RKO, o que a pôs sob contrato e posteriormente, em 1933, introduziu-a e Astaire,  como coadjuvantes, em Flying Down to Rio [Voando para o Rio] (Thornton Freeland). Seu sucesso foi tal que após Chance at Heaven [Amor que Engana] e Rafter Romance [Adorada Inimiga] (ambos 33, Seiter) e dois nos Warners - Twenty Million Sweethearts [Vinte Milhões de Namoradas] (34, Ray Enright) e Upperworld [Alta Roda] (34, Roy del Ruth], a parceria foi retomada à sério: The Gay Divorcee [A Alegre Divorciada] (34, Mark Sandrich); Roberta (35, Seiter); Top Hat [O Picolino] (35, Sandrich); Follow the Fleet [Nas Águas da Esquadra] (36, Sandrich); Swing Time [Ritmo Louco] (37, George Stevens); Shall We Dance? [Vamos Dançar?] (37, Sandrich); Carefree [Dance Comigo] (38, Sandrich); e The Story of Vernon and Irene Castle [A História de Irene e Vernon Castle] (39, H.C. Potter).

Foi o auge do musical em preto&branco dos anos 30. A acentuação do glamour plástico, histórias alegres e vida cosmpolita da elite foi sem pudores e insignificante. É banal dizer que os filmes foram radiantes, anti-depressivos e destituídos de substância. Como os filmes dos Irmãos Marx, eles se confundem, tão casuais eram os enredos e tão subserviente à direção. Mas  possuem um forte caráter: brilham como vidros, pisos polidos, vestidos de cetim, flores de fantasia de celulóide e o estilo de penteado de Astaire. Também apreciaram algumas das melhores canções de Jerome Kern, Irving Berlin, Cole Porter e os Gershwins. O visual dos filmes e o modo como conspiraram em relação a uma coreografia supersônica, uma personalidade autosuficiente; em resumo, um cinema no qual a dança chega primeiro, tal como o esforço de Gene Kelly nos anos 50.

Não que ninguém pensasse isso na RKO dos anos 30, nem tampouco Astaire. Mas ele foi como um decorador anônimo gótico, tão intencionado em fazer certo cada passo da dança, ao ponto de não perceber a surpreendente totalidade. Somente a posterior dificuldade de Astaire em encontrar parceiras demonstrou quão importante foi a contribuição feita por Ginger - foi sempre a princesa para o momento nos braços deste gênio extasiado e que tornou-o um príncipe encantado mais que uma marionete a dançar. Existe até mesmo momentos quando Ginger possui umas piadas para Fred, como em Roberta, onde afirma dele: "Um intérprete piccolo! Quão charmoso!"

Sua estrada em comum finda com a biografia dos Castles: houve tensões e Ginger estava ansiosa a provar a si mesma enquanto atriz. Em 1937 teve seu melhor papel até então em Stage Door [No Teatro da Vida] (Gregory La Cava), e em 1938 George Stevens fez o melhor de sua juventude, Vivacious Lady [Que Papai não Saiba]. Pelos próximos cinco anos, conseguiu ser principal, geralmente em comédias. Trabalhou duro, e o esforço demonstrou ser demasiado fácil de ser visualizado, particularmente quando estava fazendo uma de suas imitações infantis. Esteve em Bachelor Mother [Mãe por Acaso] (39, Garson Kanin); Fifth Avenue Girl [A Garota da Quinta Avenida] (39, La Cava); Primrose Path [Quero Ser Feliz] (40, La Cava); Lucky Partners [Boa Sorte] (40, Lewis Milestone); Kitty Foyle (40, Sam Wood), um filme de mulheres pelo qual ganhou o Oscar de melhor atriz; Tom, Dick and Harry [Seus Três Amores] (41, Kanin); Roxie Hart [Pernas Provocantes] (42, William Wellman); The Major and the Minor [A Incrível Suzana] (42, Billy Wilder); Once Upon a Honeymoon [Era uma Vez uma Lua-de-Mel] (42, Leo McCarey); Tender Comrade [Mulheres de Ninguém] (43, Edward Dmytryk); Lady in the Dark [A Mulher que não Sabia Amar] (44, Mitchell Leisen); e I'll Be Seeing You [Ver-te-ei Outra Vez] (44, William Dieterle).

Após a guerra sua estrela reduziu. Fez Weekend at the Waldorf  [Aqui Começa a Vida] (45, Robert Z. Leonard), Magnificent Doll [No Limiar da Glória] (46, Frank Borzage), e It Had to Be You [Tem que Ser Você] (47, Rudolph Maté e Don Hartman). Então houve um hiato de dois anos antes do reencontro com Astaire em The Barkleys of Broadway [Ciúme, Sinal de Amor] (49, Charles Walters). Por então, no entanto, estava mesclando comédias e dramas turbinados, para os quais não estava verdadeiramente equipada. Somente Monkey Bussiness [O Inventor da Mocidade] (52, Howard Hawks)  é memóravel  entre seus últimos filmes. Em outros casos, raramente estava à vontade: Perfect Strangers [Duas Almas, Dois Destinos] (50, Bretaigne Windust); Storm Warning [Dilema de uma Consciência] (50, Stuart Heisler); Dreamboat [O Gênio na Televisão] (52, Claude Binyon); Forever Female [No Entardacer da Vida] (53, Irving Rapper); The Beautiful Stranger [Coisas da Sorte] (54, David Miller; Black Widow [A Viúva Negra] (54, Nunnally Johnson); Tight Spot [Ratos Humanos] (55, Phil Karlson); Teenage Rebel [Alma Rebelde] (56, Edmund Goulding); Oh, Men! Oh, Women! [Os Noivos de Minha Noiva] (57, Johnson); e The First Travelling Saleslady [Mulheres, Sempre Mulheres] (56, Arthur Lubin). Após então, fez somente duas esquisitices: Quick, Let's Get Married (65, William Dieterle) e Harlow [Harlow: A Vênus Platinada] (65, Alex Segal*).

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictonary of  Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 2272-74. 

N. do E: (*) no IMDB é creditado como tendo sido dirigido por Gordon Douglas e não há referência a participação de Rogers no elenco. 

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