O Dicionário Biográfico de Cinema#271: Gregory Peck
Gregory Peck (1916-2003), n. La Jolla, Califórnia
A única falha de Peck como ator - o desejo de ser respeitável - é desculpada porque confirma a aura de responsabilidade e compromisso com causas adequadas que o envolvem. Foi um sinal de sentimentos bloqueados entre políticos que, na Casa Branca de Nixon, teria classificado Peck como um de seus mais sérios inimigos. Pois o radicalismo modesto de Peck claramente preferia a estabilidade.
Desde sua estreia, Peck foi sempre uma estrela e raramente menos que um grande sucesso de bilheteria. A imagem de um protagonista sólido, de um acompanhante que não explorará uma dama, de um advogado que buscará diligentemente casos justos, ainda se destaca, apesar de algumsa tentativas interessantes de escapar dela.
Mas, primeiro lidaremos com Peck, o Nobre, Gregory, o campeão de emoções descomplicadas: sua estreia no aventureiro Days of Glory [Quando a Neve Tornar a Cair] (44, Jacques Tourneur), onde interpreta um guerrilheiro russo e parece debilmente eslavo; como o padre católico romano, dando às costas para todo o ódio, e com farinha no cabelo, relembrando cada uma de suas boas ações na juventude em The Keys of the Kingdom [As Chaves do Reino] (44, John M. Stahl); como o pai em The Yearling [Virtude Selvagem] (46, Clarence Brown), tão imaculado quanto os heróis dos filmes da Inspiration dos anos 20; como o repórter revelando o anti-semitismo em Gentleman's Agreement [A Luz é Para Todos] (47, Elia Kazan); resistindo todas as ameças de Richard Widmark em Yellow Sky [Céu Amarelo] (48, William Wellman); implacavelmente engenhoso com um chapéu tricórnio em Captain Horatio Hornblower [O Falcão dos Mares] (51, Raoul Walsh). Fazendo do selvagem pirata do Estreito de Bering um instrumento do mercantilismo americano em The World in His Arms [O Mundo em seus Braços] (52, Walsh); cortejando a jovem Audrey Hepburn em Roman Holiday [A Princesa e o Plebeu] (53, William Wyler); suportando estoicamente aquele momento em Designing Woman [Teu Nome é Mulher] (57, Vincente Minnelli), quando Lauren Baccall derrama um prato de espaguete em seu colo; nunca lutando de maneira áspera com Charlton Heston em The Big Country [Da Terra Nascem os Homens] (58, Wyler); como o líder consciente do pelotão na Coréia em Pork Chop Hill [Os Bravos Morrem de Pé] (59, Lewis Milestone); o comandante do submarino singrando rumo à confusão nuclear em On the Beach [A Hora Final] (59, Stanley Kramer); o centro que se mantém firme em The Guns of Navarone [Os Canhões de Navarone] (61, J. Lee Thompson), a ideia de um oficial moral que deseja proteger uma nação contra os excessos de seus próprios brutais soldados; o pai prejudicado em Cape Fear [Círculo do Medo] (61, Lee Thompson), lutando contra a depravação de Robert Mitchum; ganhando um Oscar por seu advogado provinciano liberal e gentil, pai viúvo em To Kill a Mockingbird [O Sol é para Todos] (63, Robert Mulligan); como o psiquiatra que trabalha duro em Captain Newman, M.D. [Pavilhão 7] (63, David Miller); líder de expedição novamente em MacKenna's Gold [O Ouro de MacKenna] (69, Lee Thompson); e como controlador de missão em Marooned [Sem Rumo no Espaço] (69, John Sturges).
É um protagonista para a aspiração do americano médio, trilhador do caminho reto e estreito, capaz de sugerir uma falsa tranquilidade e brilho que acompanham a probidade. Este Peck nunca sucumbe às dúvidas terríveis que arrastam Gary Cooper para baixo. Ele é como Kennedy, preferindo agir na crise, e sempre justificado cosmeticamente. É um personagem de cartolina, mas interpretando com um forte senso de cuidado e normalmente é a figura principal das grandes produções. Este é um ator tornado produtor com orgulho tanto de The Trials of the Catonsville Nine (72, Gordon Davidson) quanto de The Dove [Entre Dois Destinos] (74, Charles Jarrott).
É muito mais difícil lembrar das descontrações de Peck. Algumas delas foram apresentadas na época como loucuras, mas algumas remetem a um homem real, que poderia achar desafiador parecer tão semelhante a Lincoln: originalmente, como o falso chefe de uma clínica, assombrado por trilhas de esqui sob a superfície suave em Spellbound [Quando Fala o Coração] (45, Alfred Hitchcock); trazendo um prazer sardônico a Lewt em Duel in the Sun [Duelo ao Sol] (46, King Vidor), cavalgando em uma crespúsculo sangrento, cantando "Estou trabalhando na estrada de ferro", e engajado em uma constante luta de facas de sensualidade com Jennifer Jones; em The Macomber Affair [Covardia] (47, Zoltan Korda); como o advogado fatalmente apaixonado por sua cliente em The Paradine Case [Agonia de Amor] (47, Hitchcock), firmemente dissoluto como Dostoievski em The Great Sinner [O Grande Pecador] (49, Robert Siodmak); bastante cativante como o coronel em colapso em Twelve O'Clock High [Almas em Chamas] (49, Henry King) e, novamente para King, com um bigode caído, cansado de matar como The Gunfighter [O Matador] (50); se este par sugere um relacionamento especial com o rei, eles fizeram então o sufocante David and Bathsheba [David e Betsabá] (51) para dissipar tais esperanças; como o marido ferido de The Snows of Kilimanjaro [As Neves do Kilimanjaro] (52, King), embora tão embelezado, quanto alterado é o final, e poupado deste cheiro gangrenoso. Em Night People [A Sombra da Noite] (54, Nunnally Johnson); excelente, isolado na floresta em The Purple Plain [Terra Ensaguentada] (55, Robert Parrish); socializando o adultério em tempos de guerra em The Man in the Grey Flannel Suit [O Homem do Terno Cinzento] (56, Johnson); não tão ruim como Ahab em Moby Dick (56, John Huston), como alguns alegaram e, na verdade, sugerindo a enraízada e heróica misantropia; severo e vingativo em The Bravados [Estigma da Crueldade] (58, King); desamparadamente à deriva como Scott Fitzgerald em Beloved Infidel [O Ídolo de Cristal] (59, King); desviado por Tuesday Weld em I Walk the Line [O Pecado de um Xerife] (70, John Frankenheimer); mastigando um sotaque escocês amanteigado em Billy Two Hats [Matando Sem Compaixão] (73, Ted Kotcheff).
O homem mais velho, fora do controle de sua vida, de O Pecado de um Xerife, veio como uma surpreendente admissão, depois que a década de 1960 foi preenchida por comédias de suspense. Peck ainda aparentava bem menos que sua idade real, ainda demasiado complacente ao sofrimento intenso, demasiado brando para governar na época de Watergate.
Sua dignidade e firmeza foram bem utilizadas como o embaixador impossivelmente assediado em The Omen [A Profecia] (76, Richard Donner), e foi inteligente e orgulhoso como MacArthur [MacArthur, O General Rebelde] (77, Joseph Sargent), mesmo que não conseguisses se expor completamente à arrogância excessiva ou à teimosia sublime. Reserva sempre havia sido o charme de Peck e sua responsabilidade. Era muito gentil e contido para o nazista em Boy from Brazil [Meninos do Brasil] (78, Franklin Schaffner), então ele desperdiçou a maldade da personagem em uma interpretação exagerada.
Depois disso, esteve em The Sea Wolves [Espionagem em Goa] (80, Andrew V. McLaglen); The Scarlet and the Black [O Escarlate e o Negro] (83, Jerry London) na TV; Amazing Grace and Chuck [A Voz do Silêncio] (87, Mike Newell); como Ambrose Pierce em Old Gringo [Gringo Velho] (89, Luis Puenzo) - tocante, mas nunca pegando fogo; Other People's Money [Com o Dinheiro dos Outros] (91, Norman Jewinson); como um advogado sombrio, ajudando uma velha arqui-inimiga em Cape Fear [Cabo do Medo] (91, Martin Scorsese) - mais uma dica para ele deixar de lado a questão da honra. Na TV em The Portrait [O Retrato] (93, Arthur Penn); e como Padre Mapple em outro Moby Dick (98, Franc Roddam).
Peck foi por anos o mais distinto veterano de Hollywood. Os jovens concluíram mesmo que ele foi a era dourada - ainda que só tenha chegado ao cinema nos anos 40. Fazia muito bem as ocasiões formais - fez um tributo a Audrey Hepburn nos Oscars de 1993, com evidente sentimento.
Mas o velho homem estava bastante sóbrio, e adveio como um choque se observar o quão letalmente belo ele havia sido em, digamos, Quando Fala o Coração ou Duelo ao Sol.
Texto: Thomson, David. The New Biographical History of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 2037-40.
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