O Dicionário Biográfico de Cinema#261: John Huston

 



John Huston (1906-1987), Nevada, Missouri

1941: The Maltese Falcon [Relíquia Macabra]. 1942: In This Our Life [Nascida para o Mal]; Across the Pacific [Garras Amarelas]. 1943: Report from the Aleutians [Segunda Guerra Mundial: Relatório das Ilhas Aleutas] (d). 1944: The Battle of San Pietro [A Batalha de San Pietro] (d). 1945: Let There Be Light (d). 1947: The Treasure of Sierra Madre [O Tesouro de Sierra Madre]. 1948: Key Largo [Paixões em Fúria]. 1949: We Were Strangers [Resgate de Sangue]. 1950: The Asphalt Jungle [O Segredo das Joias]. 1951: The Red Badge of Courage [A Glória de um Covarde]. 1952: The African Queen [Uma Aventura na África]. 1953: Moulin Rouge. 1954: Beat the Devil [O Diabo Riu por Último]. 1956: Moby Dick. 1957: Heaven Knows, Mr. Allison [O Ceu é Testemunha]. 1958: The Barbarian and the Geisha [O Bárbaro e a Gueixa]; The Roots of Heaven [Raízes do Céu]. 1960: The Unforgiven [O Passado Não Perdoa]; The Misfits [Os Desajustados]. 1962: Freud: The Secret Passion [Freud, Além da Alma]. 1963: The List of Adrian Messenger [A Lista de Adrian Messenger]. 1964: Night of Iguana [A Noite do Iguana]. 1966: The Bible [A Bíblia]. 1967: Cassino Royale (um episódio);  Reflections in a Golden Eye [O Pecado de Todos Nós]. 1969: Sinful Davey [O Irresistível Bandoleiro]; A Walk with Love and Death [Caminhando com o Amor e a Morte]. 1970: The Kremlin Letter [Carta ao Kremlin]. 1971: Fat City [Cidade das Ilusões]. 1972: The Life and Times of Judge Roy Bean [Roy Bean - O Homem da Lei!]. 1973: The Mackintosh Man [O Emissário de Mackintosh]. 1975: The Man Who Would Be King [O Homem que Queria ser Rei]. 1979: Wise Blood [Sangue Selvagem]. 1981: Victory [Fuga Para a Vitória]. 1982: Annie. 1984: Under the Volcano [À Sombra do Vulcão]. 1985: Prizzi's Honor [A Honra do Poderoso Prizzi]. 1987: The Dead [Os Vivos e os Mortos].

Huston foi sempre preparado para ser apresentado como o diretor de cinema que contou histórias viris e enérgicas, e gostava de findá-las com irônicas risadas. Ele próprio foi roteirista, pintor, boxeador, cavaleiro, andarilho, jogador, aventureiro e mulherengo. Mais do que a maioria, apreciava o jogo de preparar um filme e o risco de desafiar e intimidar os estúdios. Seus melhores filmes refletem estes gostos e possuem uma expansiva e arejada prontidão para finais irônicos, má sorte fatalista e a gargalhada que conheceram homens destinados ao fracasso. 

Foi auxiliado nesse ato amplo e cativante por seu próprio rosto rude, sua insolência de apostador e sua eloquência cortês. Foi um personagem, ao menos tão grandioso quanto aqueles de seus filmes. Também há histórias de um temperamento duro e mau que não hesitava em chegar à crueldade. Vagando pelo mundo, poderia parecer Hemingwaynesco, ainda que possuísse uma confiança serena,  negada ao escritor. E ele foi tal personagem que as pessoas eventualmente pensavam em utilizá-lo diante da câmera. Sempre possuía seu ato: isto é o que torna o romance de Peter Viertel White Hunter, Black Heart, tão fascinante e amendrontador. Viertel  (que trabalhou em diversos projetos de Huston, incluindo Uma Aventura na África), amava e admirava o homem; mas ele conhecia o demônio maligno, que era perigoso de se estar com. 

Isto é o que faz o Noah Cross de Huston em Chinatown (74, Roman Polanski), uma das maiores dádivas às telas: um homem do Oeste, um pioneiro e fazedor de cidades, um realista, um assassino, e um homem de confiança e egoísmo impecáveis - um paradoxo terrível e carismático, um bastardo e um aristocrata. O ato e a lenda continuam interferindo nos filmes que fez. Seus problemas com a MGM a respeito de A Glória de um Covarde foram publicizados por Lillian Ross em seu livro A Picture e aceitando-o como uma fábula do empreeendedorismo individual frustrado pelo estúpido sistema. Mas Glória permanece uma série de graciosas cenas de batalhas, uma aspiração nobre, mas uma tola bagunça. Muito depois, Huston foi reportado como devotado ao ponto de sua própria extinção, sobrevivendo no oxigênio, enquanto filmava Os Vivos e Os Mortos (na Califórnia). Não se duvida de sua coragem ou de perserverança como jogador. Mas esse filme é confuso e uma distorção da história de Joyce, com todos os cuidados e delicada direção de arte e as vestimentas dos intérpretes dublinenses. 

Sim, Huston foi sempre ambicioso ao exceder os limites impostos pelos gêneros americanos, e certamente amava locações distantes e difíceis (não apenas para os filmes, mas pela possibilidade de aventura que proporcionavam). Sim, foi um narrador nato, e alguém que facilmente se enfadava com seus próprios filmes se as histórias se mostrassem frouxas ou mal concebidas. Quão frequentemente?  Bem, se Huston foi um grande ou bom diretor, temos de nos reconciliarmos com a banalidade e puro tédio de, ao menos, Garras Amarelas; Resgate de Sangue; O Bárbaro e a Gueixa; Freud, Além da Alma; A Lista de Adrian Messenger; A Bíblia; O Irresistível Bandoleiro; Caminhando com o Amor e a Morte (a primeira chance cinematográfica para sua filha, Anjelica, e também um teste para ela - uma advertência talvez?); Carta ao Kremlin; Roy Bean - O Homem da Lei!; O Emissário de Mackintosh; Fuga Para a Vitória; Phobia e Annie. Então, há os famosos ou alegados sucessos que desmoronam sob investigação devido à pretensão artística (Moulin Rouge ou À Sombra do Vulcão, por exemplo) ou por conta da impressionante gentileza dos críticos. Relíquia Macabra foi uma admirável estreia, e pôs Lorre e Greenstreet juntos, assim como permitiu Mary Astor ser Brigid O'Shaughnessy. Mas é sobrevalorizado, verborrágico, lento, e frequentemente desajeitado em sua filmagem. Bogart passa por altos e baixos humores de forma incerta, e a Brigid de Mary Astor não pôde salvar, mas ilustrar, a misoginia de Huston. Uma Aventura na África é amado por muitos, mas é sobre pessoas reais ou a audácia de uma escalação e interpretação corajosas? A Honra do Poderoso Prizzi possui diversas passagens medíocres, e ao elencar sua filha como Mae Rose, Hustou realizou um golpe e ajudou a cicatrizar feridas antigas. Mas o filme é tão lugubremente lento, e Nicholson parece tão inseguro sobre a chave como interpretá-lo - assim como Bogart anos atrás (Huston não era conhecido por dirigir atores - ele os elencava e os observava como as cartas que jogava). Nem tampouco Hustou percebeu que o romance de Richard Condon poderia ter sido melhor traduzido às telas se Mae Rose estivesse em seu centro.

Mas Huston nunca confiava nas mulheres o suficiente como personagens - casou com várias, Evelyn Keyes e a modelo/dançarina Ricki Soma foram duas de suas esposas - e teve diversos casos. Mas nos filmes, às vezes, as mulheres não estão em nenhum lugar (A Glória de um Covarde, O Tesouro de Sierra Madre, Moby Dick, e a maior parte de O Homem que Queria ser Rei - e Huston não teria preferido Os Desajustados sem Monroe?). Em todos os cantos, elas são adornos exóticos, troféus para os homens, ou emblemas da traição como testemunham Brigid O'Shaughnessy, Monroe em O Segredo das Joias, e Lily Langtry em Roy Bean. Há tão poucos filmes nos quais as mulheres importam. Assim como para histórias de amor, Uma Aventura na África é o melhor que Huston fez - e, porque, verdadeiramente é apenas outra versão de O Céu é Testemunha, o intrigante, mas verdadeiramente seguro (por ser impossível) desoncontro, de modo que o amor e o sexo não precisavam ser explorados. Não há desafios femininos reais para a atmosfera masculina na sala de fumantes. Mas há uma lista de mulheres, espectadoras tão abatidas e destituídas de poder quanto Jacqueline Bisset em À Sombra do Vulcão, Lauren Bacall em Paixões em Fúria, Elizabeth Taylor em O Pecado de Todos Nós ou Dominique Sanda em O Emissário de Mackintosh.

Huston começou no cinema como roteirista: A House Divided (31, William Wyler); Law and Order [Lei e Ordem] (32, Edward L. Cahn); Murders in the Rue Morgue (32, Robert Florey); Death Drives Through (35, Cahn); Rhodes of Africa [Rhodes, o Conquistador] (36, Berthold Viertel); Jezebel (38, Wyler); The Amazing Dr. Clitterhouse [O Gênio do Crime] (38, Anatole Litvak); Juarez (39, William Dieterle); Dr. Ehrlich's Magic Bullet [A Vida do Dr. Ehrlich] (40, Dieterle); High Sierra [Seu Último Refúgio] (41, Raoul Walsh); e Sargeant York [Sargento York] (41, Howard Hawks). Depois, deu uma mão em roteiros para The Killers [Assassinos] (46, Robert Siodmak); The Stranger [O Estranho] (46, Orson Welles); e Three Strangers [Três Desconhecidos] (46, Jean Negulesco). E, enquanto diretor, esteve habitualmente envolvido em retrabalhar os roteiros que filmou. Mas Hustou demonstrou sua lealdade à era dourada, ao preferir trabalhar com livros e peças reconhecidas. De fato, algumas vezes demonstrou uma inclinação semelhante a de Selznick para abordar a respeitável frente literária: Melville, Tennessee Williams, Flannery O'Connor, Arthur Miller, Kipling, C.S. Forester, B. Traven, e por aí vai (é uma surpresa que Huston tenha se esquivado de A Farewell to Arms [Adeus às Armas], de Selznick). Raramente há um original na carreira de Huston. De fato, diversos materiais são moldados à sua visão e suas fragilidades.

Portanto, não sou um grande fã. No entanto, existem filmes de Huston que são difíceis de criticar. O Tesouro de Sierra Madre está tão satisfeito com sua própria história, que possui um fatalismo animador, Walter Huston e Bogart estão bem, e se sente estar no México; O Segredo das Joias é um tenso thriller, uma história modelar de um plano brilhante e seu certeiro desastre, repleto dos pontos positivos de Huston - história atmosférica e vivaz elenco coadjuvante: Calhern, Hayden e Sam Jaffe; O Diabo Riu por Último é surpreendentemente solto e livre, e bastante divertido - tornou-se melhor com o passar do tempo - e quem mais teria ousado fazê-lo? E Cidade das Ilusões é próximo de um grande filme, sombrio, sórdido, desesperado, e profundamente provinciano, liberto do insidioso cinismo de Huston, e com belas interpretações de Stacy Keach e Jeff Bridges; e O Homem Que Queria Ser Rei teria agradado o próprio Kipling. Então se tem Moby Dick, um grande fracasso em seus dias, forçado a algumas tomadas de projeção de fundo desconfortáveis, mas belo em sua coloração desbotada pelo vento, fiel a Melville e com um Gregory Peck de longe melhor do que se poderia esperar. 

Há uma rica coleção a acompanhar Chinatown, as conexões com o pai Walter e a filha Anjelica (atores bastante honestos), o deslumbramento absoluto com sua própria lenda e o espanto de como conseguiu por tanto tempo ser considerado um grande diretor.

Também atuou mais: bom em The Cardinal [O Cardeal] (63, Otto Preminger) e The Wind and the Lion [O Vento e o Leão] (75, John Milius), mas desperdiçado de divcrsas maneiras, tolo e descarado em A Bíblia (como Noé); De Sade [O Insaciável Marquês de Sade] (69, Cy Endfield e Roger Corman); Man in the Wilderness [Fúria Selvagem] (71, Richard C. Serafian); Sherlock Holmes in New York [Sherlock Holmes em Nova Iorque] (76, Boris Sagal); Angela (77, Sagal); The Great Battle [A Grande Batalha] (78, Umberto Lenzi); Stridulum [Herdeiros da Morte] (79, Giuli Parasisi); Jaguar Lives! (79, Ernest Pintoff); Winter Kills [Morte no Inverno] (79, William Richert); Head On (80, Michael Grant); narra Cannery Row [Esquecendo o Passado] (82, David S. Wark); e Lovesick [O Amor tem seu Preço] (83, Marshall Brickman).

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 1300-04.


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