Filme do Dia: Vida em Sombras (1949), Lorenzo Llobet Grácia

 


Vida em Sombras (Vida en Sombras, Espanha, 1949). Direção: Lorenzo Llobet Grácia. Rot. original: Lorenzo Llobet Gracia & Victorio Aguado, a partir do argumento de Llobet Gracia. Fotografia: Salvador Torres Garriga. Música: Jesús García Leoz. Montagem: Ramón Biadiú. Cenografia: Ramón Matheu. Figurinos: Jaime Ferrater. Com: Fernando Fernán Gómez, María Dolores Pradera, Isabel de Pomés, Fernando Sancho, Alfonso Estela, Graciela Crespo, Félix de Pomés, Mary Santpere, Valero, Antonia Llobet, Juan López.

I Guerra Mundial. Desde criança, ardoroso fã de cinema, Carlos (Valero) tem como amigo mais próximo Luís (López), com quem havia brigado durante a exibição do filme de um dos favoritos e criticado pelo outro, motivo que provoca briga generalizada no cinema. A menina Ana (Llobet) desperta a atenção do garoto. Tempos depois, já cinegrafista (Gómez), casa-se com Ana (Pradera), porém quando vai filmar a Guerra Civil Espanhola, chega em casa e encontra Ana morta. Seu trauma é tão forte que desiste do seu posto de cinegrafista, tornando-se membro comum da infantaria. Ao retornar à cidade, afasta-se de qualquer referência ao cinema, tornando-se um homem amargurado, vivendo numa pensão, até que o reencontro com Luís (Estela), incita-o de início, algo esquivamente, a voltar a assistir a um filme e, depois, a dirigir um.

Tão engenhoso quanto o seu título, que se antecipa enquanto possibilidade de leitura dupla (sombras equivalendo ao cinema mas também a Guerra Civil que se abate sobre a Espanha) é como o filme traz a guerra ao primeiro plano quando menos esperado e já se aproxima da terça parte final, substituindo o possível motivo do triângulo amoroso, com o casamento entre os principais personagens e instaurando o conflito onde antes havia apenas insipidez e condescendência em seu olhar nostálgico (e algo piegas) sobre o passado, marcado igualmente por intensa cinefilia. Essa última é menos referida por diálogos que pelas próprias imagens dos filmes assistidos no cinema. E o que mais choca é que não se trata de mera referência a Guerra Civil, mas de uma perspectiva republicana, com direito a transmissão de rádio. Embora o tratamento do trauma de guerra da perda do amor associado a paixão do cinema possua algo de uma obviedade típica do período, não deixa de ser relativamente trabalhada como perda de energia libidinal. Cartazes móveis, carregados por trabalhadores, divulgam o filme El Escándalo (1943), enquanto dentre os vários filmes com trechos apresentados, os únicos dois que possuem alguma relevância dramática são Rua da Paz (1917), de Chaplin e, sobretudo, Romeu e Julieta (1936), de Cukor, que marca o início do envolvimento amoroso do par central e, mais que todos, Rebecca (1940), de Hitchcock; porém o filme lida com a dimensão da imagem cinematográfica também a partir dos filmes amadores realizados por Carlos. E a imagem dele se confunde com a sua imagem e de sua amada no passado quase numa antecipação das experimentações bergmanianas (Persona) porém sem perder a matriz realista. E não falta o aparato de produção fazer uma referência as primeiras imagens da própria produção, demarcando o laço biográfico entre o realizador do filme dentro do filme e o que filma, como talvez em relação ao realizador dessa produção, do qual aliás esta foi única e curiosa cria. Infelizmente o filme do catalão de nome Llorenç Llobet-Grácia sofrerá ação censória da ditadura franquista e, relegado a cinemas de segundo circuito, provocará a ruína financeira de Garcia. Com momentos irregulares, tais como o da briga no cinema, que pretende evocar as comédias pastelão, no momento em que o cinema exibe algo semelhante na tela, mas não possui um ritmo dos mais alvissareiros. Fernán Goméz, que trabalhou com os mais diversos dentre os mais representativos realizadores espanhóis (incluindo Almodóvar em Tudo Sobre Minha Mãe) é uma espécie de equivalente de calças das atormentadas damas dos melodramas góticos hollywoodianos aos quais o filme não deixa de evocar. Este somente será redescoberto quando de cópias em 16 mm remanescentes e em estado precário se efetuam restaurações como a observada, tendo sido a primeira em 1983. Infelizmente Garcia não sobreviveria ao interesse que o filme despertaria tardiamente. Castilla Films para Orphea Film. 90 minutos.

 

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