Filme do Dia: Êxito Fugaz (1950), Michael Curtiz

 


Êxito Fugaz (Young Man with a Horn, EUA, 1950). Direção: Michael Curtiz. Rot. Adaptado: Carl Foreman & Edmund H. North, a partir do romance de Dorothy Baker. Fotografia: Ted D. McCord. Montagem: Alan Crosland Jr. Dir. de arte: Edward Carrere. Cenografia: William Wallace. Figurinos: Milo Anderson. Com: Kirk Douglas, Lauren Bacall, Doris Day, Hoagy Carmichael, Juano Hernandez, Jerome Cowan, Mary Beth Hughes, Nestor Paiva, Orley Lindgren.

Rick Martin é um garoto (Lindgren) cuja única obsessão é ser músico. Quando mais velho (Douglas), sua carreira é impulsionada pelo primeiro homem a lhe aconselhar desde pequeno, Art Hazzard (Hernandez). Ele conhece a promissora cantora Jo (Day), que rapidamente se apaixona por ele, mas quando Jo apresenta uma amiga sua, a sofisticada e problemática Amy (Bacall), os olhos de Rick apenas se interessam pela grã-fina. Tempos depois se casam e a vida e carreira de Rick entra em crescente declínio. O amigo de longa data Smoke (Carmichael) o encontrará moribundo em uma hospedaria para alcóolatras.

Embora Bacall só entre com quase 50 minutos de filme, deve-se talvez ter lhe dado os louros do crédito principal não apenas por já ter um nome conquistado nos últimos anos e Day, que surgira um pouco antes ainda, não, mas provavelmente por desde sua entrada trazer consigo um elemento de tensão que faltava até então. E ela funciona como exato contraste da Jo de Doris. Enquanto essa é puro sentimento, espontaneidade e possui até mesmo instintos maternais em relação ao algo imaturo Rick Martin de Douglas, Amy é razão, sofisticação, esnobismo e enfrentamento. De imediato lança sobre Rick a necessidade do trompete (não por acaso, um simbólo fálico nos anos de descoberta e encantamento de Hollywood pela psicanálise) para mascarar sua insegurança. Estratégias diversas de sedução. Day esbanja carisma, sobretudo quanto canta, mesmo sem a necessidade do luxuoso Technicolor com o qual é corretamente associada, e apresenta uma faceta de sua versatilidade de ir além das comédias e musicais que lhe impingiam um atrás do outro. O aparente distanciamento do universo dos músicos negros por parte de Rick não é mais que isso, já que ele volta a tocar com eles -e não só ele, mas também Jo - e com sua figura paternal que lhe lançou no mundo da música. De toda forma, é sabido que Art apenas existe enquanto má consciência e sua morte expiatória é necessária para redimir o herói. E, com a habitual didática da época, é evidente que a imaturidade de Rick se encontra associada a ter perdido sua mãe cedo, enquanto a problemática Jo por nunca a ter tido de fato e ter resolvido encerrar sua vida com um suicídio. Doutras vezes se transfere, com maior sutileza, para analogias visuais tais considerações, como é o caso da identificação de Rick com a cacatua que é a melhor amiga de Amy, segundo a própria, realçada pela iluminação lançada em destaque a ave e o topete de ambos, certificando desde o início sua condição de não ser mais que um dos bichos de estimação dela. Dentre os grandes standards da música americana que surgem nas apresentações (em que Harry James dubla Douglas) se encontram What is This Thing Called Love? e Someone Watch Over Me. Provavelmente ao expressar a alma de artista atormentado com todos os excessos típicos da época, Douglas selou seu passaporte para um dos papéis pelos quais é mais lembrado no século seguinte, Sedede Viver, outra produção biográfica. Seu final, completamente dissonante com tudo que se acompanhava da decadência de Rick até então, certamente é um tributo a vontede dos estúdios, sua última cena funcionando como verdadeiro anti-clímax. Fica menos patético concebê-lo, a posteriori, enquanto uma licença epifânica que acatar sua protocolar literalidade de happy end. O veterano músico Hoagy Carmichael, além de desempenhar um dos coadjuvantes fundamentais do filme, também assessorou em diversas áres esta produção. O lesbianismo da personagem de Bacall é tão discreto que poderia passar despercebido até hoje, embora tenha sido lembrado por O Celulóide Secreto. Desnecessário dizer que a elite é associada aqui com futilidade, vazio e ausência de sentimentos reais, além de “perversão”, enquanto os ambientes negros são o recanto da autenticidade. À mulher, sobra uma divisão quase de melodrama mexicano, já que se Jo parece não ter nenhuma mínima nódoa em seu caráter e se põe na conta de Amy todo o desequilíbrio emocional de seu protagonista. Warner Bros. 112 minutos.

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