O Dicionário Biográfico de Cinema#269: Mickey Rooney

 


Mickey Rooney (Joe Yule Jr.), n. Brooklyn, N. York, 1920*

Rimos ou choramos por Rooney? É possível dentro de uma pequena entrada, transmitir a demência de sua vida e carreira e, ao mesmo tempo, sugerir sua habilidade espasmódica de transcender a vulgaridade e transformá-la em um retrato surpreendente do herói-jovem americano típico, no qual o motor está acelerando por alguma progressão geométrica? Mickey Rooney é importante, e no entanto ele é ridículo; e está na elevação de sua absurdez que se torne significativo. Sente-se como um legista apresentando um cadáver baleado, envenenado, lançado de um penhasco e com um coração fraco. Rooney poderia ter morrido há muito tempo de puro descrédito; ele vive. Tudo bem para Yeats dizer o "centro não pode se sustentar" e acreditar que tal veredito é o suficiente. Rooney foi uma galáxia em explosão durante toda a sua vida, fragmentando-se infinitamente, mas contra todas as leis, ele ainda se mantém unido. Vamos identificar alguns dos princípios de sobrevivência.

1. Em ao menos três filmes, Rooney é não apenas um ator de gênio, mas um artista capaz de manter um estilizado comentário sobre o impulso demoníaco de um homem pequeno e beligerante. Seu Puck em A Midsummer Night's Dream [Sonho de uma Noite de Verão] (35, Max Reinhardt e William Dieterle) é uma obra-prima em meio à evocação estranhamente isolada do espírito das fadas. Rooney parece inumano. Move-se como névoa ou água, seu corpo é polido por uma luz extrema. E sua risada gorgolejante é fantasmagórica e encantadora.

Poderia tal performance ter sido dirigida? Poderia a criança impetuosa que sempre insistiu em ser, ter efetuado tal salto imaginativo? Ou há algum instinto primal em Rooney que desenha sua vitalidade de identificação psíquica com a fantasia? Um homem assim poderia viver na fantasia, e o Puck de Rooney é verdadeiramente não humano, uma das peças de magia mais impressionantes do cinema.

A segunda sensação é seu durão em Boys Town [Com os Braços Abertos] (38, Norman Taurog), aparentar dez mais que seus 16 anos, pavonear-se e se intimidar como alguém saído de um pesadelo e depois se revelar de maneira grotesca, mas completamente sincera, em um acesso de sentimentalismo no qual aspira à comunidade dos meninos. É fácil zombar da histeria de Com os Braços Abertos, porém pode-se olhar somente um pouco para além do mau gosto e ele se torna um vibrante estudo do simplorismo americano, com Rooney expressando toda a simplicidade impossível e brutal dos ideais americanos. 

O terceiro é o que pode acontecer com este mesmo durão se Boys Town (**) o expulsasse: Baby Face Nelson [Assassino Público Número Um] (57, Don Siegel), a resposta maníaca e destrutiva do nanico contra a sociedade empodrecida. O homemzinho com uma metralhadora do seu tamanho, sua inocência desviada ao abatedouro. Assassino é um filme de gangster clássico, realizado por um mestre da forma, mas alcançando uma poesia temerosa, devido a apreensão de Rooney em relação a uma parte de seu próprio destino terrível. 

2. Em 1935, quando a MGM o pôs sob apropriado contrato, Rooney havia realizado vinte filmes, dúzias de curtas e seriados. Da idade de sete anos em diante, nunca parou de trabalhar, originalmente sob o nome de Mickey McGuire. 

3. Na MGM, conquistou a simpatia de Louis B. Mayer, que via em Rooney a personificação do amável garoto americano que representa a familia, a farsa e o sentimentalismo.Tais virtudes saudáveis e domésticas foram celebradas nas telas através de um sistema de trabalho de exploração fabril que deixou feridas permanentes em Rooney e sua co-estrela, Judy Garland.

No entanto, já houve nas telas retrato tão estimulante de uma energia adolescente tão chamativa e inocente? O colapso de Garland foi público, melancólico e trágico. O de Rooney foi igualmente intenso, mas nunca patético. Existe um modo americano, entre o trágico e o insanamente certificável, um constante aumento de marcha sem efeito, que Rooney testou na prática.

4. A base de todo o sonho americano e pesadelo privado foi Andy Hardy, iniciando, em 1937, com A Family Affair [Uma Questão de Família]. Andy se tornou Rooney: atrevido, malicioso, imensamente talentoso como mímico, dançarino, comediante, cantor e exibicionista. Mas era destituído de todas as raízes que Mayer tentava cultivar. Não foi um produto verdadeiramente nativo, mas um cuco da Madison Avenue posto no ninho, capaz de se referir apenas a um conjunto de regras do consumidor, segundo os quais sentimentos familiares e ideais juvenis eram todos parte da descrição do pacote.

5. De 1938 a 1944, Rooney foi um dos astros mais populares do mundo. Ele atuou, cantou, dançou, e ainda assim parecia impaciente. Destacou-se não apenas em treze filmes de Andy Hardy, mas também em musicais, comédias sentimentais e nesses sutis pedidos de desculpas pela rudeza americana nas quais zombava do pretensioso Freddie Bartholomew. Este foi um período no qual - dos quinze aos vinte e cinco anos, Rooney realizou quarenta e três filmes, a melhor parte dos 10 milhões de U$, ganhou um Oscar especial, foi casado e divorciou-se de Ava Gardner. Os filmes, ou uma seleção deles: Reckless [Tentação dos Outros] (35, Victor Fleming); Ah, Wilderness! [Fúrias do Coração] (35, Clarence Brown); Little Lord Fauntleroy [Um Garoto de Qualidade] (36, John Cromwell); The Devil Is a Sissy [O Diabo é um Poltrão] (36, W.S. Van Dyke); Captain Courageous [Marujo Intrépido] (37, Fleming); Slave Ship [Navio Negreiro] (37, Tay Garnett); Thoroughbreads Don't Cry [Menino de Ouro] (37, Alfred E. Green); The Adventures of Huckleberry Finn [As Aventuras de Huck] (39, Richard Thorpe); Babes in Arms [Sangue de Artista] (39, Busby Berkeley); Young Tom Edison [O Jovem Thomas Edison] (40, Taurog); Strike Up the Band [O Rei da Alegria] (40, Berkeley); Babes on Broadway [Calouros na Broadway] (41, Berkeley); A Yank at Eton [De Cartola e Calças Listradas] (42, Taurog); The Human Comedy [A Comédia Humana] (43, Brown); Girl Crazy [Louco por Saias] (43, Taurog); Thousands Cheer [A Filha do Comandante] (43, George Sidney); e National Velvet [A Mocidade é Assim Mesmo] (44, Brown).

6. Em 1944, Rooney foi à guerra. Quando retornou, as derrapadas lhe foram impostas. Naturalmente, elas haviam sido sempre construídas na carreira que a MGM fez para ele. Parte do grande apelo de Rooney foi o modo como a fama adveio para alguém que não estava preparado para lidar com ela. Ele foi feito o centro de uma grande fantasia. Mas agora o tempo dele acabou. Em quatro anos após a guerra, realizou cinco filmes para a MGM - incluindo mais um Andy Hardy, Killer McCoy [Punhos de Ouro] (47. Roy Rowland), Summer Holiday [Idílio para Todos] (47, Rouben Mamoulian), e Words and Music [Minha Vida é uma Canção] (48, Taurog), no qual interpretava Lorenz Hart.

7. Em 1949 se tornou freelance. Tinha vinte e nove anos, parecendo dezoito anos rejuvenescido de alguém com cinquenta e cinco. Estava acostumado a salários vultosos, muitos elogios e constante complacência de seus caprichos loucos. Tudo isso foi retirado. A consequencia fácil de se prever é superficial. Mas Rooney a desprezou. Havia feito muitos filmes bons, animados e cheios de energia. Agora, faria quase tantos filmes medíocres e ruins. Houve exceções, como Assassino Público Número Um, embora tenha sido um desastre em seu planejamento, sendo salvo contra todas as probabilidades pela colaboração de Siegel e Rooney, além de algumas performances inspiradas de apoio. Então Rooney transformou-se em uma piada horrível, a acumulação crônica de divórcios e créditos mais horríveis que qualquer outro ator. 

No início dos anos 50, parecia um adolescente tentando interpretar alguém de meia-idade. Sua energia permaneceu; seu sentimentalismo foi violento; sua vulgaridade tão emocional quanto sempre. Clamava por um elenco inventivo, como sua atuação na Broadway como W.C. Fields. Uma magnificência repentina adicionaria uma incongruência característica à sua lista de filmes B e primeiras produções desajeitadas: The Fireball [O Faísca] (50, Garnett); My Outlaw Brother (51, Elliot Nugentt); Sound Off  [Recruta Enamorado] (52, Richard Quine); All Shore [Mosqueteiros do Mar] (53, Quine); excelente em Drive a Crooked Road [Os Valentões] (54, Quine); A Slight Case of Larceny [É Melhor Ser Pobre] (53, Don Weis); The Atomic Kid (54, Leslie H. Martinson); The Bridges at Toko-Ri [As Pontes de Toko-Ri] (55, Mark Robson); The Bold and the Brave [O Preço da Audácia] (56, Lewis R. Foster); a força motriz para a fervilhante comédia Operation Madball [O Baile Maluco] (57, Quine); brilhante no Playhouse 90 da TV  em The Comedian (***) de Rod Serling (57, John Frankenheimer); Andy Hardy Comes Home [A Volta de Andy Hardy] (58, Howard W. Koch); The Last Mile [A Última Caminhada] (59, Koch); Platinum High School [A Ilha das Víboras] (59, Albert Zugsmith); The Private Lives of Adam and Eve [A Vida Íntima de Adão e Eva] (60, Zugsmith****); King of the Roaring Twenties [As Cartas Marcaram a Sua Morte] (61, Joseph M. Newman); grotesco como o japonês em Breakfast at Tiffany's [Bonequinha de Luxo] (61, Blake Edwards); Requiem for a Heavyweight [Réquiem Para um Lutador] (62, Ralph Nelson); It's a Mad Mad Mad Mad World (Deu a Louca no Mundo) (63, Stanley Kramer); The Secret Invasion [A Invasão Secreta] (64, Roger Corman); The Extraordinary Seaman [O Marinheiro Extraordinário] (68, Frankenheimer); Skidoo [Skiddo se Faz a Dois] (68, Otto Preminger); 80 Steps to Jonah [80 Passos para a Felicidade] (69, Gerd Oswald); e Pulp [Diário de um Gângster] (72, Mike Hodges).

8. Uma sugestão: o tolo para Orson Welles, em uma versão adaptada que se revelasse que os dois eram irmãos gêmeos separados. Não, ninguém iria ver este filme - mas existem outros projetos de Welles tão rebuscados quanto e tão difíceis de descobrir. Acredito neste filme; posso vê-lo.

9. Rooney foi um sucesso na Broadway no final dos anos 70 em Sugar Babies. Foi não apenas bom como o treinador de The Black Stallion [O Corcel Negro] (79, Caroll Ballard), mas foi o que mobilizou a segunda metade do filme - indicado para ator coadjuvante, mas Melvyn Douglas venceu por Being There [Muito Além do Jardim]. Desde então Rooney fez Arabian Adventure [Uma Aventura na Arábia] (79, Kevin Connor); My Kidnapper, My Love (80, Sam Wanamaker); Leave 'em Laughing [A Alegria Não Pode Parar] (81, Jackie Cooper); vencendo um Emmy como um retardado em Bill (81, Anthony Page); Bill: On His Own (83, Page); It Came Upon a Midnight Clear (84, Peter H. Hunt); Lightning, the White Stallion [O Corcel Branco] (84, William A. Levey); como um agente em The Return of Mickey Spillane's Mike Hammer (86, Ray Danton); Bluegrass (88, Simon Wincer); Erik the Viking [As Aventuras de Erik, o Viking] (89, Terry Jones); My Heroes Always Have Been Cowboys [Meus Heróis Sempre Foram Cowboys] (91, Stuart Rosenberg).

10. Existem, alegadamente, casas para atores aposentados, assim como esquemas de pensão pelo Sindicato. Ao mesmo tempo, Rooney agora está passando dos noventa; e pode muito bem não ganhar um níquel por seus filmes famosos; além do que, foram realizados antes que os atores tivessem lucros por participação. Então, as chances de que esteja próximo da falência e no limite, onde sempre esteve, pode talvez explicar o seguinte: La Vida Láctea [Um Bebê Velho Demais] (92, Juan Estelrich Jr.); Sweet Justice [Contagem Regressiva] (92, Allen Plone); Silent Night, Deadly Night 5 [Natal Sangrento 5: O Horror na Loja de Brinquedos] (92, Martin Kitrosser); Maximum Force [Força Máxima] (92, Joseph Merhi); The Legend of Wolf Mountain [O Lobo da Montanha] (92, Craig Clyde); Revenge of the Red Baron [A Revanche do Barão Vermelho] (94, Robert Gordon); Making Waves (94, George Saunders); Killing Midnight (97, Alexander J. Dorsey); Boys Will Be Boys (97, Dom De Luise); Animals (*****) (97, Michael Di Jiacomo); Michael Kael Contra le World News Company (98, Christophe Smith)... a lista prossegue. Devemos acreditar nisso? Ou essa lista é um guia criptografado para o fim do mundo?...Phantom of the Megaplex [O Fantasma do Megaplex] (00, Blair Treu); Night at the Museum [Uma Noite no Museu] (06, Shawn Levy). O registro oficial fala em 338 filmes, então por que não Gerald (10, Marc Clebanoff); Now Here (10, Joe Shaughnessy); Bamboo Shark (11, Dennis Ward); Night Club (11, Sam Borowski); Driving Me Crazy (12, Steve Marshall); The Voices from Beyond (12, Tony DeGuide).

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 2285-2290.


(*) N. do E: Falecido em 2014.

(**) N. do T: Trocadilho com o título do filme que evidentemente não funcionaria se fosse utilizado o título brasileiro.

(***) N. do E: como se trata de um programa de TV com várias centenas de episódios, não se identificou este particularmente no IMDB. 

(****) N. do E: no IMDB, consta com co-direção de Rooney.

(*****) N. do E: no IMDB consta como Animals with the Tollkeeper.

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