O Dicionário Biográfico de Cinema#172: Charlton Heston



Charlton Heston (Charles Carter) (1924-2008), n. St. Helen, Missouri

Heston algumas vezes tem sido citado como o exemplo mais claro do ator "monolítico": o homem que contribuiu a um filme através de sua presença e o esplendor inato dos músculos honestos e a virtude da mandíbula forte. Ele foi o herói das telas dos anos 50 e idos de 60, uma estadia comprovada nos épicos, e uma combinação prazeirsosa de olhos de azul penetrante e um bolo de carne bronzeada. Uma análise mais próxima de seu registro sugere o quão distinta sua caracterização poderia ter ofendido o próprio homem. Heston inicia com os clássicos, saiu do seu caminho para manter contato com eles, e misturou projetos grandiosos com aventuras maçantes. Porém, da mesma forma que parecia ligeiramente musculoso o quanto mais falava, então como herói atlético sua maior distinção foi a sugestão que ele tinha desejo de ser articulado. Parece provável que ele tenha sido sobreavaliado por todos os seus seguidores: pelos intelectuais que se emocionavam com sua existência, e pelas massas que amavam tão resoluta beleza. Em ambas as contabilidades, ele caiu um pouco - não tão reflexivo quanto Mitchum, mas tampouco com a gaiatice ágil de Burt Lancaster. 

Heston frequentou a Northwestern University e interpretou Peer Gynt e Marco Antônio em dois empreendimentos amadores em 16 mm, ambos dirigidos por David Bradley (42 e 49). Foi para os palcos profissionais, e no final dos anos 40 interpretava Antony, Rochester, Heathcliff e Petrúcio para a CBS. Isto levou-o a chamar a atenção de Hollywood, e em 1950 realizou sua estreia profissional em Dark City [Cidade Negra] (William Dieterle). Porém foi Cecil B.DeMille que propriamente lançou Heston como o duro proprietário de circo em The Greatest Show on Earth [O Maior Espetáculo da Terra] (52). Este papel marcou Heston para baixo pela robustez, e interpretou um indiano em The Savage [Trágica Emboscada] (52, George Marshall) e Buffalo Bill em Pony Express [As Aventuras de Buffalo Bill] (52, Jerry Hopper). O que levou King Vidor a sacar sua arrogância sexual em Ruby Gentry [Fúria do Desejo] (52). Geralmente, desde então, Heston, manteve-se mais perto do heroísmo cavalherisco, precisando ser incitado à ação. Principalmente foi um herói fantasiado da Paramount: como Andrew Jackson em The President's Lady [O Destino me Persegue] (53, Henry Levin); Bad for Each Other [Ambição que Mata] (53, Irving Rapper); The Naked Jungle [A Selva Nua] (54, Byron Haskin); Secret of the Incas [O Segredo dos Incas] (54, Hopper); Lucy Gallant [Lucy Galante] (55, Robert Parrish); The Far Horizons [Aventura Sangrenta] (55, Rudolph Maté); e The Private War of Major Benson [A Guerra Íntima do Major Benson] (55, Hopper).

DeMille o tirou desta rotina para ser um Moisés ariano em The Ten Commandments [Os Dez Mandamentos] (56). Após ter interpretado com Anne Baxter e Tom Tryon em Three Violent People [Trindade Violenta] (57, Maté), e possibilitando Welles a dirigir Touch of Evil [A Marca da Maldade] (58), no qual Heston foi mexicano, foi utilizado por William Wyler como o capataz rancheiro em The Big Country [Da Terra Nascem os Homens] (58). Ele interpretou Jackson novamente em The Buccaneer [Lafite, o Corsário] (58, Anthony Quinn), e então estrelou como Ben-Hur (59, Wyler), o épico do homem pensante. Este foi o pico de seu sucesso popular, mesmo Ben-Hur sendo um filme maçante. Heston foi de longe melhor utilizado nos dois épicos de Samuel Bronston: El Cid (61, Anthony Mann) e 55 Days at Peking [55 Dias em Pequim] (63, Nicholas Ray). O primeiro é a melhor expressão de sua dignidade arthuriana, embora o segundo expressou a interpretação mais profunda que havia apresentado até então e, particularmente na cena com as crianças chinesas, desenhou um sentido da inadequação humana para além de todos os seus músculos.

Ele fez Diamond Head [Os Tiranos Também Amam] (62, Guy Green), assim como igualmente interpretou João Batista em The Greatest Story Ever Told [A Maior História de Todos os Tempos] (65, George Stevens), fez o frustrado Major Dundee [Juramento de Vingança] (65, Sam Peckinpah); foi Michelangelo em The Agony and the Ecstasy [Agonia e Êxtase] (65, Carol Reed); ensaiou o medieval em The War Lord [O Senhor da Guerra] (65, Franklin Schaffner); desequilibrando Olivier em Khartoum (66, Basil Dearden) - ele interpretava Gordon; descendo a níveis menores: Counterpoint [Os Heróis não se Entregam] (67, Ralph Nelson); Will Penny [...E O Bravo Ficou Só] (67, Tom Gries); Planet of the Apes [Planeta dos Macacos] (67, Schaffner) - um grande sucesso comercial; Pro (68, Gries); Antônio em Julius Caesar [Júlio César] (70, Stuart Burge); Master of the Islands [O Senhor das Ilhas] (70, Gries); e The Omega Man [A Última Esperança da Terra] (71, Boris Sagal). O declínio se manteve com ainda outro retorno a Marco Antônio: interpretando e dirigindo Anthony and Cleopatra [À Sombra das Pirâmides] (72), um filme que sugere que aprendeu mais de Wyler que de Mann, Ray, Vidor ou Maté. E então atuou em The Call of the Wild [Catástrofe nas Selvas] (72, Ken Annakin); o detetive em Soylent Green [No Mundo de 2020] (73, Richard Fleischer); Richelieu por um dia em The Tree Musketeers [Os Três Mosqueteiros] (73, Richard Lester); Earthquake [Terremoto] (74, Mark Robson); e Airport [Aeroporto 75] (75, Jack Smight).

E foi por conta do crédito comercial de Heston que ele ainda comandou papéis principais em filmes-catástrofes, assim como  liderou os épicos quinze anos antes. No entanto, após Terremoto,  passou a parecer abandonado por seus filmes. Não combinava com sua dignidade, ou seu dever como presidente do American Film Institute, prolongar este tipo de trabalho. Ele poderia um dia se revelar como um velho recluso, e então sua força seria afetada: The Last Hard Man [Os Últimos Machões] (76, Andrew V. McLaglen); Midway [A Batalha de Midway] (76, Smight); Two-Minute Warning [Pânico na Multidão] (76, Larry Peerce); Henrique VIII em The Prince and the Pauper [O Príncipe e o Mendigo] (77, Richard Fleischer); e Gray Lady Down [S.O.S - Submarino Nuclear] (78, David Greene).

Em seus 60, Heston se tornou porta-voz para causas conservadoras. Ele não havia realmente envelhecido (como se a rocha murchasse), mas estava cada vez mais difícil encontrar papéis que buscassem seu compromisso; Esteve em The Awakening [Reencarnação] (80, Mike Newell), uma adaptação de Bram Stoker; um caçador de peles em The Mountain Man [Os Homens da Montanha] (80, Richard Lang); atuou e dirigiu em Mother Lode [A Montanha do Ouro], interpretando gêmeos - o filme foi escrito e produzido por seu filho, Fraser; The Nairobi Affair (84, Marvin J. Chomsky); Proud Men (87, William A. Graham); interpretando More e dirigindo A Man for All Seasons (88); Original Sin [Ninguém Nasce Inocente] (89, Ron Satlof); como Long John Silver em Treasure Island  [A Ilha do Tesouro] (90, Fraser Heston); The Little Kidnappers [Pequenos Raptores] (90, Donald Shebib); como Deus em Almost an Angel [Quase um Anjo] (90, John Cornell).

Em 1990 uma grande característica ficou evidente: ele amava tanto atuar, que poderia fazer pequenos papéis sem grande dificuldade. Também pegou alguns papéis principais em filmes menores, e emprestou sua grande voz como narrador para muitas causas, uma vez defendidas por seus melhores filmes, tais como proprietário de armas. Próximo dos 80, foi um clássico sobrevivente: Sherlock Holmes em The Crucifer of Blood (91, Heston); Crash Landing: The Rescue of Flight 232 [Cidade de Heróis] (92, Lamont Johnson); Wayne's World 2 [Quanto Mais Idiota Melhor 2] (93, Stephen Surjik); Thombstone [Thombstone: A Justiça Está Chegando] (93, George Pan Cosmatos); True Lies (94, James Cameron); como Brigham Young em The Avening Angel [O Anjo Vingador] (95, Craig R. Baxley); In the Mouth of Madness [À Beira da Loucura] (95, John Carpenter); Alaska [Alaska: Uma Aventura Inacreditável] (96, Heston); o narrador de The Jungle Book [O Livro da Selva] (96, Stephen Sommers); como o Rei Jogador em Hamlet (96, Kenneth Branagh); Gideon [Gideon - Um Anjo em Nossas Vidas] (99, Claudia Hoover); um comissário da NFL(*) em Any Given Sunday [Um Domingo Qualquer] (99, Oliver Stone); Toscano (99, Dan Gordon); Town & Country [Ricos, Bonitos e Infiéis] (01, Peter Chelsom); sobrevivendo ao novo fiasco em Planet of the Apes [O Planeta dos Macacos] (01, Tim Burton); The Order [Devorador de Pecados] (01, Sheldon Lettich); The Last Man Club (01, Heston).

Em 2002, Heston anunciou que poderia ser vítima de Alzheimer. Mas ele apareceu - como entrevistado - em Bowling for Columbine [Tiros em Columbine] (02, Michael Moore). Podemos não compartilhar da visão de Heston sobre as armas, mas a última imagem dele nesse documentário - afastando-se, curvado pela artrite - foi talvez a cena mais comovente de sua obra. Quando morreu, ficou fácil ver porque significava tanto - não é à toa que acreditava em seu próprio personagem.

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 1222-25. 



(*) N. do T.:  liga profissional nacional de futebol americano


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Filme do Dia: Der Traum des Bildhauers (1907), Johann Schwarzer

Filme do Dia: Quem é a Bruxa? (1949), Friz Freleng

A Thousand Days for Mokhtar