Filme do Dia: George Stevens: A Filmmaker´s Journey (EUA, 1984), George Stevens Jr.

 


George Stevens: A Filmmaker’s Journey (EUA, 1984). Direção e Rot. Original George Stevens Jr. Música Carl Davis. Montagem Catherine Shields.

Seu filho teve a sorte de produzir este tributo ao pai quando boa parte das estrelas que brilharam em seus filmes estavam vivos – há um outro sabor se observar uma cena de dança fenomenalmente fluida, ao mesmo tempo repleta de uma pantomima de forte significado narrativo em  Ritmo Louco, e depois ter os comentários dos dois participantes da cena, ninguém menos que Ginger RogersFred Astaire. Ou pouco antes se observar cenas de A Mulher que Soube Amar, seu primeiro sucesso, e os comentários da estrela do filme, Katharine Hepburn. E as impressionantemente excêntricas imagens de Gunga Din, primeira produção na qual fez imagens amadoras em 16 mm dos bastidores das filmagens. E que parece trazer ainda marcas de sua experiência com a comédia muda (foi quem capacitou o cinema conseguir filmar os olhos expressivos de Stan Laurel com uma película pancromática) seja na aceleração do movimento de algumas cenas ou na cena em que Cary Grant e Sam Jaffe    se desesperam com a possibilidade da elefanta pôr suas patas em uma ponte extremamente frágil – e a fragilidade desta pode ser constatada em imagens em cores captadas pelo próprio Stevens, com sua câmera 16 mm. E aí se notam algumas contradições. Um dos mais frequentes depoentes a comentaram entre as cenas intercaladas é o produtor destes filmes iniciais, Pandro S. Berman, em um momento pós Hal Roach, que ao mesmo tempo que louva a economia do cineasta, afirma que Gunga Din custou quase o dobro de seu orçamento original – mais adiante Alan Pakula fala sobre os gastos exorbitantes de Os Brutos Também Amam. Se George Stevens Jr. teve a sorte de realizar este documentário com muitos envolvidos ainda vivos, mesmo em idade avançada, nós temos sorte de ter sido ele a dirigir, ao menos no que diz respeito a ter provavelmente conseguido reunir tantos nomes importantes e eventualmente pouco afeitos a participar de algo do tipo, como Hepburn. Por outro lado, tal como em um modesto documentário biográfico brasileiro, Ademã - A Vida e as Notas de Ibrahim Sued, fica-se com a impressão por demais forte de se tratar de uma grande eulogia, pois ninguém iria comentar aspectos negativos da personalidade de Stevens para a câmera comandada por seu próprio filho! E é com o benefício da dúvida que observamos John Huston fazer algum comentário superficial sobre a grandeza de Stevens, a nos fazer sentirmos adolescentes em Gunga Din. Pode ser que de fato seja o que pense, mas sua postura em cena parece demasiado apressada em sua contribuição, para soar plenamente legítima. E uma cena de A Mulher do Dia, de uma aloprada Katharine Hepburn na cozinha a chocar seu amado Spencer Tracy, com a sucessão de absurdos, sela o filme que forjaria uma longeva dupla diante e por trás das telas. E o que se dizer de uma rara imagem de um envelhecido Joel McCrea?  A cena de sedução do último com Jean Arthur em Original Pecado é marcantemente erótica – segundo Capra, a mais erótica que jamais viu no cinema. Exageros são sempre esperados em um filme deste teor. O mais notável destes a afirmar que as filmagens em cores realizadas com a câmera de 16 mm de Stevens foram as únicas da guerra na Europa, em  cores. São imagens dos bastidores da invasão do Dia D. E foram realizadas pouco  após o realizador ter assistido o filme que mais o influenciou em toda sua vida, nada menos que O Triunfo da Vontade. Mas são menos as imagens da ação militar em si, por sinal apenas brevemente visadas, que do avanço rumo a Libertação de Paris, e das boas vindas na cidade, embora ainda sob clima de tensão e de guerrilheiros isolados que são observados. E estas imagens, de alegria e de mulheres francesas confraternizando com soldados americanos se mesclam com pobreza, destruição e morte. E as do campo de concentração de Dachau – Hitchcock também filmou um campo, mas em p&b – são igualmente breves, mas devastadoras. Os quatro anos afastados dos Estados Unidos e o que vivenciou na guerra lhe provocaram mudanças – nunca mais retornou à comédia, por exemplo. E volta ao país relembrando a San Francisco de sua infância, em A Vida é um Sonho (1948), seguido pelo mais lembrado Um Lugar ao Sol, lançado três anos após. Ele adapta a história, transcorrida na década de 20, para o pós-guerra. Cecil B.DeMille armou um golpe para destituir Joseph Mankiewicz como representante dos diretores, já visando os tempos de perseguição político-trabalhista que se seguiriam e o anticomunismo. Quando observou a movimentação e os comentários xenofóbicos de DeMille, pronunciando propositalmente os nomes dos realizadores com sotaque a apontarem suas origens estrangeiras, Stevens renunciou ao comitê. No que foi seguido eloquentemente por ninguém menos que John Ford. Mankiewicz venceu. O uso do som dos tiros em Bonnie & Clyde se inspirou, segundo Warren Beatty, na impressionante sequencia sonora que o mocinho demonstra sua habilidade com o tiro em Os Brutos Também Amam. Além do fato anedótico que, quando da exibição do filme produzido por Beatty e marco inaugural da New Hollywood  em Londres, o projecionista acusou a pior mixagem sonora – dada a disparidade entre o som dos tiros e o restante da banda sonora – desde o filme de Stevens.  Assim Caminha a Humanidade, que alguns consideram como o final da Trilogia Americana após Um Lugar ao Sol e Os Brutos Também Amam. E, aproximando-se o final da década, Stevens finalmente efetua seu comentário sobre a guerra que vivenciara de perto, O Diário de Anne Frank. Uma ainda intensamente jovial Millie Perkins fala sobre a atmosfera pesada vivenciada durante o semestre de realização do filme. E é interessante o comentário dela sobre ele nunca fazer contato visual ou ter maior proximidade com os envolvidos na produção, buscando apenas a realização do mais próximo que desejava. Max Von Sydow comenta sobre o filme que  trará problemas de seu diretor com a indústria, pelo gasto, A Maior História de Todos os Tempos. E é interessante que mesmo sendo antípoda do método de produção e metragem (são mais de 4 horas de filme) ,  além de noção de espetáculo, do contemporâneo O Evangelho Segundo Mateus, da Pasolini, também possui cenas e uma atmosfera distinta – sendo interessante a definição encontrada para ele por Von Sydow, “um maravilhoso fracasso, belo e comovente fracasso em muitos modos.” Um amigo falou para o realizador-filho, que Stevens era um homem composto de muitas partes, e que elas só faziam completo sentido nos filmes que realizou. Que o filme finalize com um garotinho chorando pela imagem paterna (mais forte para ele que a de seu pai natural em Os Brutos Também Amam) a se afastar parece ter profundas implicações psicanalíticas, sobretudo quando findam um filme em tributo a um pai – dentre outros que fizeram-no, além da já citada produção brasileira, De Dois Homens e uma Guerra e My Father and Me. O número impressionante de estrelas que surgem é acrescido de  outras a colaborarem em entrevistas (ou não filmadas, ou limadas da edição) como Elizabeth Taylor e Charlton Heston |Creative Film Center. 111 minutos.

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