Filme do Dia: Um Rosto na Multidão (1957), Elia Kazan

 


Um Rosto na Multidão (A Face in the Crowd, 1957, EUA). Direção: Elia Kazan. Rot. Adaptado: Budd Schulberg, baseado no próprio conto The Arkansas Traveler. Fotografia: Harry Stradling Sr. Música: Tom Glazer. Montagem: Gene Milford. Dir. de arte: Paul & Richard Sylbert. Figurinos: Anna Hill Johnstone. Com: Andy Griffith, Patricia Neal, Anthony Franciosa, Walter Matthau, Lee Remick, Percy Waram, Paul McGrath, Marshall Neilan,  Rip Torn.

        Marcia Jeffries (Neal) visita uma cadeia de uma cidadela do Arkansas, em busca de talentos para apresentar em seu programa de rádio. Conhece Rhodes, a quem ela batiza de Lenosome Rhodes (Griffith), tornando-se rapidamente famoso não só em sua cidade, como em Memphis. De Memphis, após se dar mal ao ironizar com o próprio patrocinador de seu programa,  sua fama estende-se para o país como um todo, passando a ser contratado por uma rede nacional de televisão em Nova York, agenciado por Joey Kiely (Franciosa), sendo garoto-propaganda de um placebo energético. Porém tanto Marcia, quanto seu amigo e aspirante a namorado Mel Miller (Matthau) acreditam que cada vez mais Rhodes afunda em termos de caráter, seja vendendo à imagem do Senador Füller (Neilan) para presidente, seja surpreendendo a todos, anunciando que casara-se com a jovem de 17 anos do Arkansas Betty Lou Fleckum (Remick), quando encontrava-se noivo de Jeffries. Cada vez mais irritado com a postura de Rhodes, Mel anuncia para Marcia que escreveu um livro contando os bastidores e podres dele. Rhodes continua sua trajetória, afundando-se na bebida, separando-se da esposa, após flagrá-la com Joey, a quem não pode despedir, já que controla mais da metade das ações de sua empresa e buscando sempre Marcia nos momentos de transtorno. Porém antes mesmo que Mel publique seu livro, a própria Marcia, enojada com os rumos que Rhodes toma, abre o canal de áudio no momento em que esse graceja de seu público. As reações são instantâneas: público e patrocinadores o rejeitam. Tudo isso ocorre no mesmo dia em que ele havia marcado um encontro com vinte personalidades de prestígio no cenário americano. Ao chegar para a reunião ele encontra o salão vazio. Marcia vai até lá e conta tudo o que fez. Mesmo sensibilizada, não sucumbe aos apelos de Rhodes e parte com Mel, com quem finalmente resolveu iniciar um relacionamento.
No início do filme imaginamos que Kazan apenas reproduz o mesmo ímpeto liberal e populista dos heróis caprianos  das décadas de 30 e 40, porém sua análise da união entre a infinitamente poderosa influência que representa essa nova mídia – a televisão – e o apelo aos valores tradicionais que representa o caipira Rhodes é mais complexa. A ingênua alegria e satisfação de dizer o que pensa, o que toca ao coração do povo, e sua execração do tipo intelectual, representante de um pensamento que não representa autenticamente o povo, logo dilui-se frente à pressão dos interesses comerciais e políticos. Embora a visão do filme seja mais sofisticada, amarga e crítica que a de Capra – e os porta-vozes do cineasta, moralmente corretos, são Marcia e, principalmente Mel – nem por isso ela se distancia do credo liberal em seu cerne: Marcia lamenta-se profundamente, ao longo de quase todo o filme, de como Rhodes havia se distanciado dos valores de sua origem e havia se deixado corromper. Porém, como acreditar que a fragilidade de tais valores não seja vítima de qualquer manipulação ideológica em uma sociedade mais complexa é uma pergunta que o filme não responde. E, o que é pior: tal populismo seria mais válido moralmente que o jogo do poder do novo cenário político, que apenas amplia-o, em larga escala e o manipula de forma mais explícita? Ironicamente é o próprio filho autêntico desses valores quem irá ensinar a um ilustre senador uma nova forma de ascensão política: o marketing e a construção da imagem via televisão. Mesmo que ideologicamente contraditório em seu âmago, e talvez em boa parte por isso mesmo, o filme apresenta uma rica descrição dos bastidores da televisão e sua íntima relação com a política, antecipando o que se confirmaria na eleição presidencial americana de 1960. Também à nível do drama pessoal o filme é instigante, apresentando uma estrela de carreira meteórica que não consegue superar sua própria imaturidade emocional (sendo sua relação com Marcia francamente edipiana) e problemas relativos ao passado, evocando um dos mitos americanos de sua época, Marilyn Monroe (por sinal, parodiada em um comercial de TV). Seu declínio, igualmente vertiginoso, é apresentado pela montagem paralela que contrapõe o elevador que desce com Rhodes e a repercussão de seus comentários. Bons desempenhos de Neal e Matthau. Hal Ashby com Muito Além do Jardim, realizou um filme com temática semelhante, embora tanto inconvincente como ingênuo em seu liberalismo tardio. National Film Registry em 2008. Newton Productions/Warner Bros. 125 minutos.

Postada originalmente em 06/03/2016

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