Filme do Dia: L'Inde Fantôme: The Indians and the Sacred (1969), Louis Malle
L’Inde Fantôme: The Indians and the Sacred (França,
1969). Direção: Louis Malle. Rot. Original: Guy Bechtel & Louis Malle. Fotografia: Etienne Becker. Montagem:
Suzanne Baron.
Nesse episódio de
sua admirável série para a TV, Malle observa a forte veia mística que trespassa
a cultura indiana. Se por um lado foge em tudo e por tudo da mistificação um
tanto simplória que a cultura indiana representava para o mundo ocidental, e exemplificada
em outro episódio (The Impossible Camera),
na fala de alguns europeus, na cola da recente viagem dos Beatles ao país, mas
evidentemente não só, por outro tampouco consegue escapar de seu próprio viés
da religião enquanto “ópio do povo”, na vulgata marxista, e também explorado
anteriormente – e literalmente no discurso do cineasta em Things Seen in Madras. Ou seja, é a exploração de fiéis crédulos
que é observada em sua inclemência, com padres amealhando dinheiro e dando em
troca sementes que foram tocadas por dois abutres, tradição milenar, um grupo
de religiosos fazendo algo semelhante em meio a uma multidão nervosa e até o
próprio realizador não deixa de ser vitima de tal ganância, quando outro que
lhe arranca 5 rúpias ao apresentar um templo. Malle ao menos nos lança uma
saudável sombra de suspeição sobre tudo, quando meio que mistifica alguém que
ora isolado e concentrado para logo a seguir desmitifica-lo ao trazer
informações objetivas sobre o mesmo (trabalha para o governo alemão). Isso, ele
próprio afirma, soube depois. Mas poderia se aplicar a praticamente tudo o que
vimos quando filtrado por seus comentários. Os de alguém que, aparentemente ao
menos, não era versado na cultura do país, não entende suas línguas, raramente
tem acesso a transcrição ou fala de quem filma e elabora seu discurso com um
hiato temporal que por vezes insere inteligentemente em sua discussão, senão
nesse episódio, em outros. E não deixa de cair na tentação de anunciar que
filma algo que (ao menos assim lhe foi literalmente vendido) nunca antes fora
filmado: um templo. Reclama com certa insistência da exploração que é
submetido, sem graduá-la em termos histórico-contextuais – possui dinheiro,
participa de uma vistosa equipe de produção com estrangeiros, ele próprio um
deles, por menor que seja, em um país de grandes contradições sociais e muita
pobreza. E por vezes torna central o seu discurso, sobre imagens um tanto
anódinas. Como igualmente por vezes se cala diante de imagens mais chamativas.
Tudo isso em um piscar de olhos. Uma das imagens emblemáticas deste episódio é
um dos párias sociais, um do eremitas que vagam livres do sistema de castas,
mas aparentemente também sem grande apoio social, que simplesmente ignora a
câmera que o rodeia e insiste em segui-lo, sem perder o passo ou a compostura.
Embora a última imagem dele montada no filme pareça trazê-lo com certo sorriso
contido. Com um cenário ao fundo não muito diverso do encontrado no Nordeste brasileiro.
Já a dois minutos do encerramento, Malle, a seu favor, relativiza a leitura
exclusivamente racional que havia realizado da religião na Índia. E a cara que
ganha sua mudança é a de uma mulher de 87 anos que viaja pelo país de templo e
templo e fala (ou acredita falar, como adjunta ele) com os deuses. Que
visivelmente ela aparente bem menos que os alegados 87 é apenas um detalhe
nessa abordagem tão complexa de uma visita a outra cultura. NEF/ORTF. 51 minutos.
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