Filme do Dia: Um Lugar ao Sol (1951), George Stevens

 


Um Lugar ao Sol (A Place in the Sun, EUA, 1951). Direção George Stevens. Rot. Adaptado Michael Wilson & Harry Brown, a partir do romance de Theodore Dreiser e da peça de Patrick Kearney. Fotografia William C. Mellor. Música Franz Waxman. Montagem William Hornbeck. Dir. de arte Hans Dreier & Walter H. Tyler. Cenografia Emile Kuri. Figurinos Edith Head. Com Montgomery Clift, Elizabeth Taylor, Shelley Winters, Anne Revere, Keefe Brasselle, Fred Clark, Raymond Burr, Herbert Heyes, Shepperd Strudwick, Paul Frees.          

George Eastman (Clift) é um jovem pobre que vai tentar a sorte na indústria de um tio rico, Charles (Heyes), e sendo advertido por seu primo Earl (Brasselle) sobre o não envolvimento com nenhuma trabalhadora, sendo elas a imensa maioria da força de trabalho da empresa. George, no entanto, enamora-se de Alice Tripp (Winters), embora uma incursão no mundo dos ricos o torne imediatamente interessado pela bela Angela Vickers (Taylor). A relação clandestina com Alice se torna ainda mais tensa após a descoberta dela se encontrar grávida. E, por outro lado, da atração correspondida de Angela por ele, quando se encontram socialmente pela primeira vez, por coincidência no dia de seu aniversário. Os Vickers, até então reticentes à influência de George sobre a filha deles, já que pouco conhecedores de sua trajetória pregressa, se encontram dispostos a aceitar o relacionamento de ambos em uma reunião social em que Charles anuncia uma nova progressão de George, elogiado por sua dedicação ao trabalho. Durante o encontro, no entanto, ele recebe uma ligação desesperada de Alice, exigindo a sua presença e o casamento de ambos, após uma tentativa frustrada de aborto, com o médico que George a leva. Caso ele não vá, Alice se encontra disposta a contar tudo sobre o relacionamento. George inventa uma situação de saúde com sua mãe e vai ao encontro de Alice. Influenciado por um caso que lhe fora contado por Angela, ele viaja pela região dos lagos e no mesmo lago deserto que lhe fora apresentado por esta, decide assassinar Alice. Quando chega o momento, ele não consegue fazê-lo, mas Alice, assustada, desequilibra o barco e quando George tenta ajuda-la o barco vira e ela se afoga. George retorna a residência dos Vickers, demonstrando enorme tensão e cansaço. Logo a polícia o identificará e o promotor Marlowe (Burr) o observará como culpado do crime. Transferido para uma prisão, onde aguarda sua execução, ele é consolado por sua mãe, Hannah (Revere), de grande devoção religiosa e o reverendo Morrison (Frees). Próximo de sua execução, quem o visitará é Angela.

Vinte anos após a primeira adaptação do clássico literário de Dreiser para às telas, pelas mãos de Sternberg, chega esta produção que, por mais criticada que seja em relação ao livro, consegue ser um filme interessante por mais de um motivo. Trata-se de Hollywood, a mesma Hollywood a também fazer parte da engrenagem social que o autor articularia como, em última instância, a grande moenda a triturar figuras como Clyde Griffiths, ou melhor George Eastman – e é curioso o quanto Stevens se afasta da referência original, calcada no nome de um dos pioneiros do cinema, trocando-a por uma ainda mais precoce à imagem em movimento, Eastman, inventor da película perfurada que se tornará marca registrada do cinema – a recusa original teria partido de um temor de ser processado pela família do cineasta, morto ainda recentemente quando da realização deste projeto? Teria sido uma homenagem, meio silenciosa, a fábrica que lhe permitiu um filme de 16 mm em cores para filmar raras imagens da Segunda Guerra neste formato? Quando se desloca a dimensão social complexa a envolver seu protagonista, fica-se com o velho triângulo amoroso, mas mesmo quando se corre pelos passos – mais confortáveis – de um cinema de gênero, conta-se com uma gravidez fora do casamento, não citada diretamente em um primeiro momento, mas depois reconhecida, e inclusive anunciada como de um pai que a havia abandonado, tema um tanto incomum para os anos do Código de Produção e igualmente do Macarthismo, tido como uma referência provável para que Stevens optasse por uma perspectiva mais conservadora. Mesmo Clift sendo o ator ideal para uma figura algo furtiva, quando ainda não se tinha a opção de um Anthony Perkins, e ao mesmo tempo atraente como é descrita a personagem literária – e que no filme ganha uns assovios do setor ao qual comandará, constituído somente de mulheres, poda-se praticamente todas as implicações sociais mais profundas do drama literário, e da peça inspirado neste, quando se tem uma aceitação familiar crescente dos Vickers, enquanto se trata de outra relação furtiva, no caso do romance; pode-se pensar, a favor do filme, por sua vez, que esta opção tornaria ainda mais engajado e vibrante o projeto arrivista de George. Sobre o drama envolvendo religião e a própria família Eastman/Griffiths, há uma breve alusão ao final, impossível de deixar evidente uma tentativa de perdão junto ao governador, inviabilizado em grande medida pelo próprio pastor ao qual o jovem resolveu “abrir seu coração”. Nos termos ideológicos, evade-se – e sabemos o quanto Hollywood foge de uma precisão maior desta como o diabo da cruz – do comentário sobre o pano de fundo político e o peso possuidor em relação ao processo de um promotor que pretende a reeleição de um equivalente do Partido Republicano para o posto. E elimina-se por completo a força da mídia junto a opinião coletiva, sendo que o próprio cinema, observado como mais um elemento falseador ou a encapsular ou colonizar uma compreensão crítica da realidade é aqui local para o primeiro encontro entre George e Alice; senda que sobre a última não há tempo ou interesse em apresentar a sua faceta doce, ficando esta restrita a Angela. De certa forma, como o ambiente da sala de cinema aqui representado, o filme duplica esta oclusão e este desejo de evasão do personagem, sem deixar de, por outro lado, torna-lo ainda mais simpático aos olhos de seu público, como se sua reação a Angela estivesse restrita ao “amor” e não a concretização deste escape da realidade via comodificação material – neste sentido, não apenas Angela visita-o na prisão, como visto, quando a exceção de um pequeno bilhete não se tem mais notícia dela no livro, como Alice é apresentada de forma mais dura e menos carinhosa e sensível, sendo estas características observadas apenas como “posse”. Talvez seu maior trunfo seja não apresentar George sob o prisma da condenação moral, mas como uma figura tímida, frágil e angariadora de carisma e, ainda assim, encaminhado para a cadeira elétrica, mais nuançada ainda aqui que décadas após, no recorte melodramático de Von Trier com seu Dançando no Escuro. Eisenstein tentou adaptar o romance, infelizmente sem sucesso. Destaque para a cena a sobrepor imagens da mãe sobre o momento de iniciação de George nos “prazeres do luxo” por Angela que poderia render comentários psicanalíticos, mas igualmente uma verve moral, associando à figura feminina a conspurcação do masculino, quando não sob os preceitos roboticamente ministrados por sua genitora, responsável duplamente pela morte de George. E não ao desejo mútuo. A cena da entrada em uma estrada vicinal para se desviar da motocicleta de um policial não parece ter passado incólume aos olhos de Godard, ao início de seu Acossado. National Film Registry em 1991.|Paramount Pictures. 102 minutos.      

     

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