Body Rice
(Portugal, 2006). Direção e Rot. Original: Hugo Vieira da Silva. Fotografia:
Paulo Ares. Montagem: Paulo Milhomens. Figurinos: Maria Gambina. Com: Sylta Fee
Wegmann, Alice Dwyer, André Hennickle, Luís Guerra, Julika Jenkins, Pedro
Hestnes, Luis Soveral.
Nesse filme que tem
como mote uma jovem alemã, Katrin
(Wegmann) que é enviada para o sul de Portugal
para um programa de “reeducação” e acaba se envolvendo com jovens
portugueses Julia e (Dwyer) e Pedro (Guerra), igualmente viciados em drogas,
vivendo de pequenos furtos e raves em
meio a imensidão deserta do Alentejo, o
que menos importa é a trama por si própria. Merece muito mais atenção a rara
habilidade do realizador de conseguir traduzir todo o hedonismo suicida dos
personagens (metáforas de boa parte de uma geração) através muito menos de diálogos
que de três atributos bastante caros ao cinema: imagem, montagem e som. Ao
optar por tal estratégia, Silva, em seu longa de estréia, não apenas consegue
se aproximar mais densamente do universo retratado e de uma de suas
características – a falta de comunicação dos personagens entre si, sintetizada
de forma bastante inspirada no único plano em que a personagem parece interagir
de modo mais espontâneo, justamente com um robô de brinquedo – quanto constrói
uma narrativa bastante avessa a concessões ao grande público. Nesse sentido, a
atmosfera niilista que conduz o próprio filme consegue fugir da maçante
externalização em diálogos das angústias existenciais dos personagens, bastante
comuns em um certo tipo de cinema europeu, sobretudo na década de 1990 (a
exemplo de Post-Coitum, Animal Triste,
de Brigitte Roüan, e Confissões na Noite,
de Daniel Levy) e abraçar uma opção mais próxima de Wim Wenders (No Decorrer do Tempo) e,
contemporaneamente, Jia Zhang-ke (Plataforma).
Fundamentais para o sucesso de sua opção são a predominância de planos longos
com câmera fixa, que traduzem com sua própria saturação temporal o esgotamento
e a falta de perspectiva dos personagens, assim como a criatividade na construção de certos ângulos
e perspectivas, que desconstroem completamente por vezes o que se imagina que
será o plano seguinte. Vão nesse sentido a moto que cruza verticalmente um
monte ou o plano em que dois dos personagens são observados por trás do
pára-brisas de um carro. Até esse último, que bem poderia ser uma mera rendição
a um clichê banal do receituário cinematográfico clássico, é dotado de um forte
estranhamento. Essa última característica, da acuidade estética na composição
dos planos, assim como da forte presença da elipse, é evocativa de filmes como O
Pântano, de Lucretia Martel. Por conta de tudo que já foi referido,
certamente a opção estética do filme é de mais fácil diálogo com alguns setores
da crítica especializada e eventuais realizadores que diante do grande público.
Produzido pelo nome mais associado ao cinema autoral português (produtor de
filmes como os de Manoel de Oliveira, João Canijo, João César Monteiro e João
Botelho), Paulo Branco. Madragoa Filmes. 120 minutos.
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