Filme do Dia: I 3 Aquilotti (1942), Mario Mattoli
I 3 Aquilotti (Itália,
1942). Direção: Mario Mattoli. Rot. Original: Alessandro Stefani & Mario
Mattoli, sob argumento de Vittorio Mussollini. Fotografia: Anchise Brizzi.
Música: Ezio Carabella. Montagem: Fernando Tropea. Dir. de arte: Piero
Filippone & Luigi Giacosi. Com: Leonardo Cortese, Carlo Minello, Michela
Belmonte, Alberto Sordi, Galeazzo Benti, Enrico Effernelli, Piero Carnabuci,
Riccardo Fellini.
Numa academia de pilotos, a forte
amizade que une Filippo (Sordi), Marco (Cortese) e Mario (Minello) ameaça ruir
após Marco se apaixonar pela irmã de Mario, Adriana (Belmonte). Enciumado da
irmã e de sua atração por seu, até então, melhor amigo, Mario é irredutível em
concordar com a relação, alegando que se trata de apenas mais um dos caprichos
amorosos de Marco. Marco, então, passa por crescentes dificuldades
profissionais que o afastam da missão de pilotar, relacionadas ao trauma
emocional de não conseguir se unir a Adriana. O reencontro, tempos depois, com
os outros dois amigos é marcado pela tensão resultante da disparidade nas
carreiras. Pouco depois, no entanto, Mario parte em missão e tem seu avião
abatido e ele ferido pelas tropas inimigas. Marco se propõe a ir resgatá-lo e o
faz, demonstrando novamente se encontrar hábil em aterrisar um avião, além de
ter arriscado a própria vida. Comovido com seu ato, Mario concorda e ele
próprio envia uma carta a sua irmã, selando o compromisso de casamento dos
dois.
Poucos filmes do ciclo de produções
de guerra da época, com relevante destaque para o interesse pela aviação (Luciano Serra, Piloto, Un Pilota Ritorna, Uomini e Cieli, Gente dell’Aria), consegue ser tão
exemplar da relação entre propaganda de guerra e melodrama quanto esse filme de
Mattoli. Longe do realismo que marcara o estilo distinto de Rossellini, a
convencionalidade aqui também se encontra marcada no plano narrativo e formal,
para não falar do ideológico. Seu apurado e mesmo ocasionalmente virtuoso
trabalho de câmera, presentes nos longos e fluidos planos e eficiência técnica,
que faz com que a trilogia de Rossellini pareça amadora em
comparação, não serve como força expressiva em si próprios, mas parecendo ser
uma cópia do modelo de eficácia narrativa hollywoodiana. Algo que fica bastante
evidente em sua dependência dos diálogos e que sua fluidez visual clássica não
consegue ocultar. No plano ideológico, no entanto, é que talvez sua fraqueza se
mostre mais evidente, sendo o provincianismo patriarcal e misógino presente do
início ao final do filme, sobretudo na forma marcada com que Mario subjuga, sem
mais delongas, a vida afetiva da irmã e o quanto tal autoridade é acolhida não
apenas pela mãe de ambos, como pela própria irmã, mesmo que contrafeita, e seu
objeto de amor; este último demonstra ser demasiado frágil para conseguir
enfrentar de fato a situação até o momento de “superação” final onde, como reza
a tradição clássica, o trauma do medo de voar e o resgate que o levará a ser
objeto de admiração irrestrita de Mario se encontram. A “virilidade
virtuosa”, mesmo quando observada sob o ângulo da opressão dos novatos na
academia, chamados como “pinguins”, é sempre apresentada no fundo como
simpática camaradagem e iniciação ao mundo adulto, sendo que sua valorização
pelo regime fascista já se encontrava bastante fértil na própria tradição
italiana. Para além disso, o que talvez mais chame atenção no filme seja o modo
francamente folhetinesco com que sua história se desenvolve, demonstrando, mais
do que em qualquer outro filme do ciclo, o quanto a dimensão cômica ou
melodramática aqui se superpõe a qualquer trama de guerra – não se sabe sequer
qual é a missão ou batalha da Segunda Guerra Mario foi enviado quando teve seu
avião abatido. O filme se desenvolve inicialmente como um convite leve ao
fascínio que o mundo na força aérea pode proporcionar – atração das garotas,
companheirismo e alegria irrestrita acompanham a vida coletiva e eminentemente
homosocial dos rapazes; a partir de quando a garota que era motivo de admiração
de boa parte dos rapazes se torna objeto do desejo de Marco, o tom do filme
passa para o melodramático, sendo que em nenhum momento fica tão díspar a
inocuidade dos dramas românticos ou diversões dos personagens e o universo da
guerra em si mesmo quanto o uso de brutais imagens de arquivo documentais de
aviões alvejados ou no solo em chamas, ressaltando ainda mais a disparidade
entre a maior parte dessa produção e a situação contemporânea vivenciada no
país. Como era comum então, letreiros iniciais ressaltam o caráter “realista”
das locações e elenco de apoio. Sua trilha musical, grandiloquente como as do ciclo,
não por acaso teve uma participação não creditada de Renzo Rosselllini. O tema
em comum e o fato de ter sido produzido na mesma época ressalta a presença de
repetições, como as imagens do aeroporto militar que também havia sido
observado em Un Pilota Ritorna.
Talvez mais do que qualquer outro filme do ciclo também se explora o apelo das
imagens aéreas, de tomadas acrobáticas de aviões, assim como de imagens
documentais “sensacionais”. Sua inserção irrestrita aos clichês dramáticos faz
com que seja o extremo oposto do filme de Rossellini, onde é a dimensão
folhetinesca que parece deslocada. Dentre as seqüências mais curiosas se
encontram a do canto em uníssono dos militares na Igreja, apresentando uma
relação bastante harmônica da instituição com o regime (ao contrário da visão
apresentada por Rossellini na figura de personagens individuais
exemplares como seu padre-herói em Roma:
Cidade Aberta ou mesmo seu capelão em L’Uomo dalla Croce). Curiosamente o título ressalta o quão inócua é
a figura do terceiro amigo, vivido justamente por aquele que se tornaria mais
célebre do elenco, Sordi, já que completamente destituído de qualquer
relevância dramática. Destaque para a cena de nudez no vestiário
masculino, mesmo que em segundo plano, que parece ressaltar uma certa
conformação de expedientes utilizados de maneira épica no cinema alemão de
Riefensthal, tais como o culto ao corpo e cenas de nu enquanto exaltador da
beleza e perfeição humanas, assim como de práticas esportivas (nitidamente
inspirados em seu documentário Olympia)
para preceitos mais modestamente realistas e, nesse sentido, mais próximos
talvez da nudez dos trabalhadores de minas “flagrados” por Pabst em Tragédia da Mina (1932). A.C.I.
80 minutos.
Postada originalmente em 17/12/2017
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