Filme do Dia: Noite Vazia (1964), Walter Hugo Khouri
Noite Vazia
(Brasil, 1964). Direção e Rot. Original: Walter Hugo Khouri. Fotografia: Rudolf
Icsey. Música: Rogério Duprat. Montagem: Mauro Alice. Dir. de arte: Pierino
Massenzi. Cenografia: Sílvio Campos. Com: Mário Benvenutti, Gabriele Tinti,
Norma Bengell, Odete Lara, Lisa Negri, Marisa Woodward, Anita Kennedy, Célia
Watanabe, Wilfred Khoury.
Amigos da
alta sociedade paulistana decidem partir para mais uma noite de diversão. O mais loquaz, Luisinho (Benvenutti) se
despede da mulher e do filho (Khoury) e encontra Nelson (Tinti) , mais
introspectivo. Após irem a um bar onde não gostam do movimento fraco, deslocam-se
a uma casa de sushi, em que acabam convidando as prostitutas de luxo, Regina e
Mara (Glória e Benguell respectivamente) que se encontram com um conhecido de
Luisinho, que passou a dormir, completamente embriagado. Eles vão para uma
garconnière onde vivenciam uma noite entre afagos e, sobretudo, tensões. Mesmo
que originalmente Luisinho fique com Mara e seu amigo com Regina, é a inversão
dessa formação que permanece até o dia amanhecer, quando Luisinhoi afirma que
já está completamente cansado daquilo e as resolve deixar na rua, após as
entregar mais uma vez uma quantia generosa de dinhero, convidando seu amigo
para uma noitada no dia seguinte.
Mesmo o
filme mais conhecido de Khouri e talvez seu melhor torne-se vítima de sua
pomposidade e artificialismo com que descreve os aparentes dramas existenciais
de seus protagonistas que, juntamente com um efetivo trabalho de enquadramento
em conjunção com a montagem, são mais evocativos de Antonioni do que propriamente
de Bergman, com o qual habitualmente foi sempre mais comparado. A comparação é,
no final das contas, em tudo desfavorável a Khouri. Enquanto Antonioni consegue
não apenas apresentar de modo convincente as neuroses de suas heroínas, ao
mesmo tempo remetendo para questões que dizem respeito a política italiana e
mundial, a partir sobretudo de um enorme talento iconográfico, Khouri se
restringe a seu drama intimista, sendo aqui as figuras masculinas que ganham
proeminência. O senso de passividade do amigo de Benvenutti, que praticamente o
obedece de forma inerte e passa a maior parte do filme com a mesma máscara
catatônica de melancolia é não
menos que caricato. E, certamente pior,
tampouco o filme consegue sobreviver por si só em termos de originalidade, ao
contrário das influências externas de realizadores contemporâneos ou pouco
posteriores como Gláuber Rocha ou Rogério Sganzerla. A consistência
dramático-existencial de seus personagens se relaciona em proporção inversa ao
apelo erótico embutido mesmo no caso em questão, marcado pela impotência e pela
imaturidade erótica. A contraposição entre o mais assertivo e debochado Benvenutti
e seu amigo mais tímido e frágil se reflete igualmente na dupla feminina, cada
par encontrando seu equivalente. Sua pretensão de tentar exibir sofisticação
através não apenas de elementos formais mas dos objetos e ambientes, além dos
trejeitos dos atores, inclusive das prostitutas (que, não se pode esquecer, são
de alto luxo) são uma armadilha quase tão traiçoeira em termos de cópia de um
cinema autoral europeu quanto os dramas góticos e a produção da Vera Cruz de
modo geral o fora na década anterior. Os atores, com exceção de Tinti (à época
casado com Benguell), saem-se de um modo geral bem, não sendo propriamente
culpa deles o tom maquínico e afetado que pretende simular profundidade
existencial a partir de um registro único, sendo quase perversa a comparação
com a paleta de emoções apresentadas pelos mesmos personagens nos filmes de
Antonioni e sobretudo Bergman. E enquanto nos filmes do primeiro as neuroses de
suas heroínas representam uma cartografia da crescente impossibilidade da satisfação
afetiva e pessoal num mundo crescentemente coisificado, aqui tal vácuo não
parece avançar além do próprio vazio. Kamera Filmes/Vera Cruz Studios para
Cinedistri. 93 minutos.
Comentários
Postar um comentário