Filme do Dia: America is Hard to See (1970), Emile de Antonio

America is Hard to See — Films We Like

America is Hard to See (EUA, 1970). Direção: Emile de Antonio. Fotografia: Richard Pearce.

de Antonio foca no grande imbróglio que se forma à esquerda em torno da candidatura presidencial para o partido democrata em 1968. Com o Senador Eugene McCarthy se lançando como pré-candidato com uma plataforma contrária a Guerra do Vietnã e, portanto, batendo de frente com a do então presidente Johnson, e com um Senador Robert Kennedy sentindo-se pressionado com as expectativas que também se lance como candidato – como lembrado por um dos depoentes – e também se posicione de forma divergente ao presidente em relação à guerra. de Antonio se afasta da prédica do Cinema Direto de então, ao se manter atento sobretudo ao binômio entrevistas diretas para o realizador quando de sua produção, cerca de mais ou menos dois anos após os eventos e imagens de arquivo. Trata-se, portanto, de uma visada retrospectiva e não efetuada em processo com os motivos apresentados, como na maior parte do Cinema Direto, mas tampouco se faz uso de elementos da ficção para construir sua “fábula documentária” como faz alguns dos mais conhecidos expoentes daquele, por exemplo, Crise: Por Trás de um Compromisso Presidencial (1963), de Robert Drew. Após 35 minutos de um documentário ponderado pelos princípios do binômio acima exposto, uma trilha musical incisiva (tanto quanto a dimensão autoral e o partidarismo ideológico explícito de seu realizador), dialoga com imagens que ressoam a indagação sobre a motivação da Guerra do Vietnã, inclusive através de intervenções em letras garrafais sobre imagens de destruição, miséria e morte, seguidas por imagens de Hitler (extraídas de O Triunfo daVontade) a respeito do encontro entre Adolf Hitler e Chamberlain. Em março de 1968, três meses antes de seu assassinato, Kennedy anuncia sua candidatura à presidência da República. Uma das imagens de arquivo mais curiosas trazidas pelo documentário é a de Bobby Kennedy desfilando em carro aberto em plena campanha nas primárias de 1968, quando se torna oficialmente candidato, a partir de março, de forma em nada distinta e ainda mais fácil de se tornar um alvo, já que em pé, em relação ao célebre assassinato de seu irmão meia década antes.  Por esse período, ele já propagava ideias contrárias à Guerra, tal como seu opositor. Com Johnson oficialmente desistindo de buscar a reeleição, ao final de abril Hubert Humphrey, anuncia oficialmente sua candidatura, mesmo já tendo ocorrido as primárias.  Outra imagem curiosa é a que traz uma manifestação de apoio à McCarthy em pleno comício de Kennedy e que é rasgada por seus apoiadores. Ou ainda a relativa proximidade física na mesma filmagem das trupes de Kennedy e McCarthy visitando o zoológico na ocasião – McCarthy afirma em depoimento posteriormente que estava preparado para um embate, “mas ele escapou.”  Esse é um dos momentos em que uma das estratégias documentais de de Antonio se torna mais saliente, com depoentes discutindo a ação para o documentário, ao mesmo tempo que imagens de arquivo do próprio McCarthy refletem sobre a ocasião. Posteriormente, observamos o impacto (com relativa modéstia) dos assassinatos de Luther King e Kennedy na fala de McCarthy.  Com menos parcimônia o filme apresenta imagens (de dentro) da Convenção Democrata de 1968 em Chicago, apresentando inclusive o tema musical Happy Days Are Here Again que seria reutilizado, de forma paródica, por Haskell Wexler em seu filme sobre o episódio (Dias de Fogo). Comentadores sobre os protestos – e a reação que houve a eles – do lado de fora, afirmam que eles eram contra a Guerra do Vietnã e não estritamente político-partidários. E sobre a farsa que representou a Convenção diante do que estava ocorrendo fora do hotel onde ela se realizava. Dentre esses comentadores se encontra o dramaturgo Arthur Miller. Imagens do prefeito de Chicago, Richard J. Dailey, do Partido Republicano, responsável pela brutal repressão aos protestos, defendendo-se das críticas em uma coletiva à imprensa mais parecem de uma bufonaria cínica, com dois homens as suas costas rindo abertamente enquanto ele fala. Imagens de um Hubert Humphrey saudando longamente o presidente Johnson fecham o episódio e igualmente o filme, parecendo selar uma vez mais o título do mesmo.  Lidando com entrevistas em face da câmera, ainda assim a maior parte delas se encontra longe do modelo que se transformaria o chamado documentário-cabo, com fundos neutros e recortando de ângulos similares os entrevistados. Um deles aqui, por exemplo, é visto de forma tão próxima da câmera quanto os célebres planos que trabalhavam no mesmo campo profundidade e proximidade da câmera tornados coqueluche no cinema ficcional mais autoral norte-americano por volta dos idos da década (e utilizados de forma pioneira no cinema americano por Welles), ainda que aqui inexista a preocupação quanto a um fundo focado. Existe, igualmente, mesmo que marginalmente, algumas imagens no estilo observacional, mas enquanto imagens de arquivo, como a que um cabo eleitoral de McCarthy orienta seus apoiadores a buscarem mais votos. Destaque para o flagrante do trem que levava o corpo de Robert Kennedy para Washington, sendo saudado por multidões dispersas ao longo dos trilhos, já que quanto mais temporalmente distante se torna a imagem, mais ela se aproxima de certo anonimato como as presentes no curto filme do Primeiro Cinema Taking President McKinley’s Body from the Train at Canton, Ohio (1901). O belo título foi pinçado de um dos poetas que de Antonio mais admirava, Robert Frost, escrito em 1962. Turin Film Corp. para Eyr. 90 minutos.


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