Filme do Dia: O Outro Lado do Paraíso (2014), André Ristum
O Outro Lado do
Paraíso (Brasil, 2014). Direção: André Ristum. Rot. Adaptado: Marcelo Müller,
José Resende, André Ristum & Ricardo Tiezzi, a partir do romance de Luiz
Fernando Emediato. Fotografia: Hélcio Alemão Nagamine. Música: Patrick de
Jongh. Montagem: Gustavo Giani. Dir. de arte: Alberto Grimaldi. Cenografia:
Andrey Hermuche. Figurinos: Kika Lopes. Com: Eduardo Moscovis, Davi Galdeano,
Stephanie de Jongh, Simone Iliescu, Jonas Bloch, Flávio Bauraqui, Murilo
Grossi, Maju Souza, Camila Márdila, Pedro
Henrique Chaves, Adriana Lodi.
Antonio
Trindade (Moscovis) decide partir do interior de Minas para Brasília, então em
processo de construção e atraindo trabalhadores do Brasil inteiro, acreditando
ter sido avisado que lá se encontra a mitológica terra falada pela Bíblia, um
verdadeiro paraíso terrestre. Seu filho, Nando (Galdeano), apaixonado por uma
garota da região, vai contra a sua vontade. Eles não vão morar em Brasília, mas
sim em Taguatinga, cidade-satélite que agrega boa parte da mão de obra de menor
poder aquisitivo. Antonio se torna entusiasmado com as ideias da liderança
trabalhadora que é Jorjão (Bauraqui), assim como do Padre Alberto (Grossi),
enquanto um jovem militar, Ricardo, enamora-se de sua filha, Sueli (Márdila).
Nando, por sua vez, gradativamente esquece a garota de sua terra e se aproxima
de Iara (Souza), filha de sua professora, Iolanda (Lodi), que sempre o
incentivou a escrever. A polarização
crescente do governo João Goulart deixa bastante evidente que Ricardo e Antonio
se encontram em pólos opostos. Com a eclosão da ditadura militar e crescente
repressão às lideranças trabalhistas, Antonio vem a ser preso e a família
retorna à Minas para morar com o avô de Nando, Simeão (Bloch), que fora
terminantemente contra a troca da casa da filha, Nancy (Iliescu), por um
caminhão, pelo marido. O pai retorna de Brasília e, após um tempo e uma nova
visão, decide que é tempo de partir novamente com a família em seu velho
caminhão.
Quando se
compara a filtragem de eventos repressivos pós-golpe militar pelo olhar de uma
criança, é inevitável não pensar em O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, de uma década antes. Se o filme de
Hamburger conseguia traduzir de forma bem mais coerente e verossímil certa
compreensão não mais que parcial do que ocorre, dada a tentativa de
acobertamento dos adultos, assim como a própria imaturidade típica da idade,
que começa a compreender, através de percepções paralelas, o que de fato ocorre
(tal como também o chileno Machuca)
conseguindo, paradoxalmente, um resultado maduro, aqui ocorre exatamente o
inverso. O jovem de doze anos tem maturidade o bastante para compreender o que
está ocorrendo no país e com seu pai, é testemunha de praticamente tudo o que
importa na narrativa, em um grau de aderência menos atento ao verossímil que a ideia
de se certificar Nando como o narrador, de quem se escuta a voz já em idade bem
mais avançada. Ironicamente, a precoce maturidade do garoto se traduz em um
filme grandemente imaturo. Tudo é demasiado esquemático, maniqueísta, simplório
e previsível para ser envolvente. Como se o filme não possibilitasse um segundo
sequer que o efeito de suspeição sobre a ficção, ainda que apropriada de um
conto autobiográfico, ganhasse vida própria. Como se a todo momento nos fizesse
lembrar que esse é um filme sobre a ditadura, esse é um personagem em um filme
“sensível” sobre a ditadura. Algo que a trilha sonora apenas amplifica ao ponto
da redundância didática. E as relações
dos personagens, seja dentro das paredes da casa, seja com o mundo social de
então, fosse sempre marcada por tipos cristalizados de caráter, mas que
criaturas de carne e osso, repletas de contradições e angústias. Isso vale
mesmo para o Antônio de Moscovis, que ganha ainda alguma densidade para além do
sofrível idealista do início, observado como os outros personagens, por um
prisma paternalista que em nada ajuda a sua já claudicante interpretação.
Vive-se em um mundo de certezas morais tão sólidas que, em termos comparativos,
da mesma forma que o garoto pode ser observado como não apenas a ilustração da
voz de um Nando tardio, mas representando mesmo esse Nando tardio em um corpo
de doze anos, Antonio e os que comungam o seu idealismo parecem carregar sob as
costas o meio século que os separa dos eventos retratados. É não menos que
incrível como todo o grupo de crianças e adolescentes assiste atônita aos
noticiários políticos televisivos de então – e a compra de um bem caro como a
televisão por Antonio, certamente um
pretexto para que o filme faça uso de imagens de arquivo do período em questão –
e não prefira assistir desenhos-animados ou outras programações mais afinadas
com suas faixas etárias. De forma não menos perversa tampouco se poderia deixar
de imaginar não um Nando precocemente consciente de tudo, mas sua encarnação de
meio século após ainda infantil o suficiente para retratar tudo de forma tão
superficial. Sua bela fotografia e esmerado cuidado com os valores de produção
apenas enfatizam ainda mais seu anêmico resultado final, em que a melancólica
trajetória de uma família sob os olhos quase exclusivamente melancólicos de seu
mais sensível ente, contradizendo o sonho do início, que poderia talvez ter
rendido algum impacto emocional efetivo, torne-se um rosário de lugares-comuns
e insipidez (tal como a primeira paixão de Nando, ainda em Minas) que
rapidamente se esfumaçam logo após os créditos finais assomarem. O filme que os
dois casais compostos pelos filhos de Antônio e seus respectivos interesses à
época vai assistir é, mais uma obviedade que casa como uma luva aos propósitos da narrativa, Um Candango na Belacap (1961), de Roberto Farias. Geração Entretenimento/Mercado Filmes para
Europa. 100 minutos.
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