Filme do Dia: Em Busca da Felicidade (1995), John Schlesinger
Em Busca da Felicidade (Cold
Comfort Farm , Reino Unido, 1995). Direção: John Schlesinger. Rot.
Adaptado: Malcolm Bradbury, baseado no romance de Stella Gibbons. Fotografia: Chris Seager. Música: Robert Lockhart.
Montagem: Mark Day. Com: Kate Beckinsale, Eileen Atkins , Sheila Burrell, Stephen Fry,
Freddie Jones, Joanna Lumley, Ian McKellen, Miriam Margolyes, Rufus
Sewell, Ivan Kaye, Jeremy Peters, Maria Miles, Christopher Bowen, Louise Rea, Sophie Revell, Rupert Penry-Jones, Angela Thorne, Tim Myers,
Pat Keen.
Na
Inglaterra dos anos 20, logo após se tornar orfã, a jovem Flora Poste
(Beckinsale) visita sua tia Gwen (Keen). Embora seja de família de posses e
numerosa, os Starkadder, a sua situação finançeira não é das melhores. Porém
ela afirma à tia que não pretende trabalhar, antes se transformar numa futura
Jane Austen, escrevendo um grande livro quando tiver seus 50 anos. Aproveitando-se
de sua situação de vítima escreve para vários familiares e, entre as respostas
que recebe, escolhe a casa de sua tia Judith Starkadder (Atkins), no campo,
para morar, apesar de sua tia lhe avisar que se tratam de camponeses rústicos.
Logo que Flora chega ela se apercebe de um novo mundo. A fazenda de Cold
Comfort, segue as leis de sua velha matriarca, Ada (Burell), que não se importa
com o mundo exterior e o progresso, vivendo reclusa em seu quarto, e guiando a
todos através de uma mitologia própria, cujos principais mandamentos são que os
Starkadder devem sempre continuar a viver em Cold Comfort e que ela viu algo de horrível no celeiro
quando criança. Aos poucos, no entanto, Flora consegue subverter esse mundo
excêntrico onde o casamento entre próximos e seu fechamento para o mundo
exterior transformou alguns membros em seres patéticos. Flora, gradualmente,
incita a jovem tresloucada Elfine (Miles), que vive cultuando as forças da
natureza, a resistir a casar-se com quem Ada lhe designou, Urk (Peters), e
assumir sua paixão reclusa pelo jovem aristocrata Dick Hawk-Monitor
(Penry-Jones). Da mesma forma incita Amos Starkkader (MacKellen), rígido pastor
local, a sair cultuando pelo país, deixando livre a administração para o filho
Reuben (Kaye), que possui sede de transformação. Por outro lado, contacta um
grande magnata do cinema, que se interessa de imediato pelo apelo másculo de
Seth (Sewell), o outro filho de Amos. Tudo se modifica quando Flora retorna de
uma recepção na mansão dos Hawk-Monitor, em que para espanto de seus pais, Dick
firma seu noivado com Elfine e sabe que Ada havia marcado uma reunião
extraordinária da “contagem” em Cold Comfort - reunião em que uma vez por ano
Ada desce de seu quarto. Logo ela é abatida pelas novas, inclusive pela saída
de Amos para pregar pelo mundo e pela confirmação do noivado de Elfine. Porém a
tradição de Cold Comfort rui de vez no dia do casamento de Elfine e Dick,
quando para surpresa de todos Ada resolve abandonar a fazenda e os anos de
atraso e, apos citar uma frase de Jane Austen ensinada por Flora, parte para
Paris. Judith, profundamente abalada, desde a perda do marido e posteriormente
do filho, que parte para fazer carreira no cinema, recebe um convite para morar
um tempo com um psicanalista que se interessou por seu caso. Para completar a
felicidade de todos, já que Urk acabou se contentando com uma jovem empregada
da fazenda, e Reuben, apesar da negativa de Flora de casar-se com ele, acredita que encontrará alguém, Flora parte com o amigo que sempre lhe desejara, Charles
(Bowen), que pousa repentinamente de
avião na fazenda.
Guiando-se entre o drama de costumes à la Jane Austen, a
sátira desse mesmo tipo de drama - Flora decide-se ao final que não dava para
escritora, afastando-se do tradicional mote metanarrativo de romances do gênero,
explicitado geralmente ao fim de sua narrativa - e o romance picaresco, o filme
é um previsível amontado de clichês que nada fica a dever às nossas
telenovelas. O didatismo da personagem de Flora, como o espírito moderno que
lança luzes sobre a escuridão do mundo tradicional acaba por deixar bem claro o
caráter extremamente pouco nuançado e ingênuo, maniqueísta mesmo, com que se trata a oposição tradição x
modernidade. E as luzes trazem remédio para tudo. Ao romperem seja com o
arcaísmo que é relevar o amor frente as tradições de classe, no caso do
casamento inter-classes entre Elfine e Dick, seja com a impossibilidade de se
mover em busca de ideais que não estejam fixados no local que você mora,
através da partida de Amos ou de Seth e
até mesmo com os efeitos desastabilizadores que tais novidades acabam
provocando nos mais suscetíveis - a psicanálise estende sua mão para Judith.
Mesmo seguindo um tom farsesco e de fácil digestão, ainda assim todas as
mudanças que Flora provoca soam facéis
demais e não encontram grande resistência, o que poderia adicionar uma situação
de conflito que poderia tornar a trama mais interessante. A decisão final de
velha Ada de partir para Paris repentinamente chega a ser rídicula. Harmonia em
excesso, quando não bem trabalhada, como no final de Muito Barulho por Nada (1992), torna-se aborrecedora, como comenta
auto-irônica uma personagem de Bagdad Café (1989). Essa versão sub-sub-Jane Austen, D.H.Lawrence e Henry
Fielding, mesmo que de forma galhofeira, pretende seguir a onda de adaptações
de Austen para o cinema, porém o caráter do elemento feminino que se insere em
uma comunidade fechada e provoca uma transformação de valores a aproxima mais
de A Excêntrica Família de Antonia
(1995) de Marleen Gorris que das recentes adaptações de Austen ou As Aventuras de Tom Jones (1963) de
Tony Richardson. Quanto a Beckinsale, que vive a protagonista, parece uma típica
encarnação da estética da geração X perdida nos anos 20. Feito para à TV. British
Broadcasting Corporation (BBC)/ Thames Television/ Gramercy Pictures. 105 minutos.
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