Filme do Dia: As Aventuras de Tom Jones (1963), Tony Richardson

 

 


As Aventuras de Tom Jones (Tom Jones, Reino Unido, 1963). Direção: Tony Richardson. Rot. Adaptado: John Osborne, a partir do romance homônimo de Tom Fielding. Fotografia: Walter Lassally. Música: John Addison. Montagem: Antony Gibbs. Dir. de arte: Ralph W. Brinton & Ted Marshall. Cenografia: Josie MacAvin. Figurinos: John McCorry. Com: Albert Finney, Susannah York, Hugh Griffith, Edith Evans, Joan Greenwood, Diane Cilento, George Devine, David Tomlinson, George A. Cooper, Rosalind Knight, David Warner, Jack MacGowran.

No início do século XVIII, numa propriedade burguesa, Tom Jones (Finney) é o filho bastardo de uma criada que acaba sendo adotado pelo senhor Alllworthy (Devine) como filho. Apesar de sua boa índole, o garoto sempre trouxe também problemas para Allworthy. Tendo sido flagrado com a camponesa Molly, ao mesmo tempo ele passa a despertar a atenção da filha do vizinho, Sophie Western (York), desde que a salvou de um galope tresloucado de cavalo. A tia de Sophie (Evans), no entanto, já pensa num casamento de arranjo com o sobrinho de Allworthy, o afetado Blifil (Warner). O pai de Sophie, Squire (Griffith) ao saber de seu entusiasmo por Tom Jones, fica furioso com os dois. Allworthy, pressionado e meio que a contragosto, expulsa Tom de casa. Esse parte para Londres e, após muitos atropelos, mantém  um caso com Lady Bellaston (Greenwood), que o veste como um dândi. Bellaston vem a ser muito amiga da Sra. Fitzpatrick (Knight), prima de Sophie. Confrontado com o marido (Cooper) da Sra. Fitzpatrick, que acredita que ele possui um caso com sua esposa, Tom mata-o em duelo. Considerado por algumas testemunhas maldosas do crime como tendo-o cometido para roubar a vítima, é condenado à forca. Enquanto isso, o fiel escudeiro de Tom, Partridge (MacGowran) acaba descobrindo ser ele sobrinho legítimo de Allworthy, que parte em disparada, sendo Tom salvo no último momento por seu futuro genro.

Essa comédia, cujos excessos do romance original, incluindo a habitualmente irônica intervenção do narrador, sempre a comentar sobre episódios no momento em que se desenrola a trama, incorpora alguns dos elementos da Nouvelle Vague, domesticando-os para os seus propósitos, antes que Lester fizesse o mesmo, com propósitos distintos, em Os Reis do Iê-Iê-Iê (1964). Assim, usa-se da foto fixa para “flagrar” a dupla de curiosos que procura escutar por trás das portas o destino de Tom Jones,  o fechamento em íris para destacar a reação de um dos personagens, comenta-se ou se olha diretamente para a câmera, quando se quer compartilhar algo com o espectador como, dentre vários outros momentos, uma personagem acredita que vem a ser a mãe de Tom e, portanto, que dormiu sem o saber, com o próprio filho. Fielding, aliás, utiliza de forma bem humorada de alguns dos elementos dramáticos mais centrais na trama do Édipo de Sofócles, como quando Jones aparenta ter encontrado seu pai na estrada e o torna seu valete ou como quando se suspeita que ele teria deitado com a própria mãe, o que vem a ser revelado como equívoco, e Richardson não os deixa passar em vão. Tampouco a montagem, um dos elementos-chaves para a escola francesa, deixa de ser trabalhada de forma dinâmica, procurando livrar o filme de qualquer academicismo pomposo associado ao filme de época; talvez sua seqüência de longe mais virtuosa, nesse sentido, seja a da caça, ainda próxima do início do filme, onde se pretende retratar de forma intensa toda a adrenalina dos homens e animais envolvidos (até a respiração dos cachorros não é esquecida). Richardson, na verdade,  já conta com o auxílio do texto original e evidentemente não deixa de tirar partido a todo momento de sua veia satírica, mesmo que respeitando os limites dessa – o protagonista, por exemplo, só é de fato redimido ao ser descoberto como filho do próprio sangue nobre e não de uma criada anônima – como na contraposição entre a virilidade de seu herói e a falsidade e hipocrisia encarnadas na figura de Blifil e dos cupinchas que posam de religiosos à serviço de Allworthy. Trata-se de agora pretensamente emular as classes menos abastadas não com os dramas contemporâneos de seus filhos, tais como nos filmes que dirigira anteriormente (Um Gosto de Mel, A Solidão de uma Corrida Sem Fim), mas através da veia mais convencional e palatável da paródia do  melodrama rocambolesco, numa produção requintada e sendo seu primeiro filme a cores. O resultado seria o seu sucesso junto ao público e a Hollywood, para onde embarcaria com sinal verde para seu próximo filme (O Ente Querido), que demonstraria que a empolgação com o realizador não sobreviveria ao modo negativo como o público e a crítica reagiu à  sua idiossincrática e amarga visão da América. O elenco é muito bem dirigido, conseguindo incorporar  bem seus tipos unidimensionais, destacando-se a figura de York, que consegue impor uma certa lascívia subliminar no olhar de sua heroína, assim como a rígida matrona vivida por Evans, o beberão de Griffith, que curiosamente se fala ter passado boa parte das filmagens efetivamente embriagdo, e o ótimo empedernido vivido por Warner. Finney, evidentemente, não desprezaria a vantagem de ser o único personagem mais nuançado, apresentando a dose certa de agilidade, tenacidade, marotice ou temor em seu momento apropriado. Woodfall Film Prod. para United Artists. 128 minutos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Filme do Dia: Der Traum des Bildhauers (1907), Johann Schwarzer

Filme do Dia: El Despojo (1960), Antonio Reynoso

Filme do Dia: Quem é a Bruxa? (1949), Friz Freleng