Filme do Dia: A Maçã (1998), Samira Makhmalbaf
A Maçã (Sib, Irã/França, 1998).
Direção: Samira Makhmalbaf. Rot. Original: Mohsen Makhmalbaf & Samira Makhmalbaf. Fotografia: Mohamad Ahmadi
& Ebrahim Ghafori. Montagem: Mohsen Makhmalbaf. Com: Ghorban Ali Naderi, Azizeh Mohamadi,
Massoumeh Naderi, Zahra Naderi, Zahra Saghrisaz.
Vizinhos
de Ghorban Ali Naderi fazem um abaixo-assinado para que as autoridades saibam
que ele aprisiona suas duas filhas desde crianças em sua casa. As garotas,
Massoumeh e Zahra, não possuem nenhum contato com o mundo exterior. Manchete
nacional, Ghorban fica revoltado com o fato de terem afirmado que ele
acorrentava suas filhas. Mesmo sendo intimado a criá-las em liberdade, ele
volta a velha prática, já que sua mulher é cega e ele teme que suas filhas
tomem contato com os meninos da vizinhança, seguindo o preceito de um
livro que afirmam serem as meninas como flores que deveriam ser protegidas do
sol, representação masculina. Com a chegada de uma assistente social, Ghorban é
preso na sua própria casa, enquanto a assistente ordena que as meninas vão
brincar com outras crianças. Como ultimato, a assistente lhe entrega uma serra,
tendo ele que serrar a própria grade se quiser ter ainda as crianças consigo.
Enquanto isso as meninas se envolvem com um bode, um vendedor de picolés, pedem
dinheiro para comprar maçãs e conhecem duas amigas da mesma idade, com quem
dividem as maças compradas. Enquanto serra a grade, Ghorban escuta as
imprecações da esposa, que fica revoltada quando percebe que sai com as
crianças e se confunde com o mesmo garoto que brinca com uma maça, na janela de
sua casa.
Dirigido pela filha de um dos mais renomados cineastas
iranianos, Mohsen Makhmalbaf (também produtor, editor e co-roteirista), de
apenas 18 anos, o filme é mais um a evidenciar que entre um dos recursos
atualmente mais utilizados pelo cinema de vertente autoral tem sido o da mescla
extrema entre as linguagens documental e de ficção como, por exemplo, Aprile (1998), de Nanni Moretti. Aqui,
a cineasta faz com que os personagens vivam seu próprio drama – na realidade a
família que aparece no filme é a própria família que ocorreu o caso do
aprisionamento e o comportamento das crianças, segundo a cineasta, teve
momentos de pura espontaneidade, como quando uma delas divide o seu sorvete com
uma cabra. Também se utiliza de imagens em vídeo, que apresentam as declarações
reais de Ghorban sobre o motivo do aprisionamento das meninas. Por outro lado,
não se trata pura e simplesmente de um registro documental, no sentido de que
houve um planejamento de filmagem, incluindo elementos de forte simbologia,
como a própria maçã do título, que podem ser vistos como a encarnação do desejo das jovens. A
partir do momento que apresenta pessoas que vivenciam a sua própria alteridade
diante da câmera, tal fato pode potencialmente servir tanto como elemento
anti-discriminatório, quanto fazer surgir indagações éticas, sobre um latente
voyeurismo na apresentação do diferente, do gênero feira de curiosidades – as
atitudes das crianças, e até mesmo sua forma de andar, exemplificam até que
ponto somos moldados pela nossa convivência em sociedade. A mesma indagação
poderia ser feita, por exemplo, na apresentação do universo de pessoas com
deficiências auditivas, visuais e neurológicas no belo documentário de Herzog O Mundo do Silêncio e da Escuridão
(1970). Com a dramaturgia cinematográfica iraniana recente o filme compartilha
as mesmas aspirações fenomenológicas,
produção modesta, enredo centrado em uma área espacial restrita,
obsessão pelo tema central a ser desenvolvido e crianças como protagonistas. Makhmalbaf Productions/Hubert
Bals Fund/ MK2 Productions. 86 minutos.
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