Filme do Dia: Almas na Estrada (1921), Minoru Murata
Almas na Estrada (Rojô no Reikion, Japão, 1921). Direção:
Minoru Murata. Rot. Adaptado: Kyohiko Oshihara, a partir dos contos Nda Dene, de Gorki e Mutter Landstrasse de Wihelm August
Schmidtbonn. Fotografia: Bunjiro
Mizutani. Cenografia: Saburo Mizoguchi. Figurinos: Atsushi Yamashita. Com: Kaoro Osanai, Haruko
Sawanyra, Denmei Suzuki, Mikiko Hisamatsu, Ryuko Date, Yuriko Hanabusa, Sotaro
Okada, Minoru Morata.
Emocionalmente instável e
temperamental, Koichiro (Osanai) desperdiça chances de se afirmar enquanto
músico. Faz uma longa travessia para a casa do pai com a companheira Mitsuko
(Date) e a filha. Dois ex-prisioneiros andam a esmo, cruzam com a família de
Koichiro na estrada – inclusive cedendo o resto de pão que possuem para sua
faminta filha – e se aproximam de uma opulenta residência, tentando roubar
alguma comida. Enquanto Koichiro é ostensivamente renegado pelo pai, que deixa
ele e sua família à míngua do inverno inclemente, a dupla surpreendida pelo
porteiro da casa é chicoteada pelo mesmo, mas depois convidada a participar da
celebração de natal com a família do proprietário e seus amigos. Koichiro é
encontrado morto na nevasca por Taro (Morata).
Inicia e finda ciclicamente com
uma cartela de Gorki sobre a necessidade de sermos piedosos, tal como Jesus
Cristo. Segue por um primeiro plano
visual do alvorecer e montanhas ao fundo evocativo do tom soturno de seu
contemporâneo Nosferatu. Algo
confuso, ao olhar contemporâneo de mais de 9 décadas de quando foi produzido, o
filme de Murata apresenta, por exemplo, para além de uma grande quantidade de
personagens, que vai sendo desfiada ao longo da trama e não logo de início,
inserções de personagens na imagem tal como aparições que parecem ser
representativas dos pensamentos dos mesmos (recurso utilizado mais pelo Primeiro
Cinema), como é o caso da jovem surgindo diante de Taro e vice-versa, algo que
não se comprovará, pois eles aparentemente sequer se conhecem até então.
Outros, mais convencionais, como o flashback constituído a partir de um close
no rosto de Koichiro. Destaque para a forma como a dupla de esfomeados se
arrasta até a casa que pretende ser alvo de seus saques, ou como a mulher de
Koichiro demonstra a sua (e da
família) situação limítrofe, através do
próprio corpo contorcido e desesperado,
bastante próxima do cinema de Griffith, como no caso dos filmes de um ou
dois rolos que produziu para a Biograph. E o candor com que a garota se
movimenta prenunciando o encontro surpreendente com os marginais também é
bastante devedora do mesmo. Porém, ao contrário das produções da Biograph e
mais próximo de Intolerância, aqui
os pretensos saqueadores acabam sendo vítimas e não vilões. Através da
montagem, Murata alterna dois momentos de intolerância: o do pai que não perdoa
o filho pródigo que retorna a casa sem posses e com família e o empregado que
flagra os dois homens que tentavam conseguir um pouco de comida. Porém o que
aparenta ser uma simétrica situação de intolerância logo se ramificará numa
maniqueísta divisão entre duas situações opostas. Os dois famintos passam a
fazer parte da festa de natal da família e o ambiente é de felicidade geral,
enquanto a família volta a rua, a fome e ao frio no caso do pai que não perdoa
o filho. Esse, que é o filme de estreia de Murata – que concede a si próprio um
papel bastante secundário, o de Taro, cortês e benquisto empregado do pai de
Koichiro – parte de dois contos diversos, que compõe a base das duas tramas
paralelas, sendo que nem sempre a passagem de uma para outra ou as subtramas,
como a do próprio Taro, chegam a ser delineadas com grande clareza. É
considerado um marco na cinematografia japonesa por adotar pioneiramente os princípios de
representação mais naturalistas e próximos do cinema ocidental. Shochiku. 91 minutos.
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