Caminhavam as duas de braços dados. Caminhavam devagar com as cabeças baixas e se detinham ante cada vitrina e diziam que bonito, que caro, há outra melhor mais adiante, olha esse, que bonito, até que se cansavam e entravam num café e procuravam um bom lugar, longe da entrada onde apareciam os vendedores de bilhetes e se levantava o pó seco e espesso, longe também dos banheiros, e pediam dois Canada Dry de laranja. A mãe se empoava e olhava seus olhos ambarinos no espelho do estojo de pó-de-arroz, olhava o tom das duas bolsas de pele que começavam a rodeá-los e fechava a tampa com rapidez. As duas observavam o borbulhar do refresco de soda e anilina e esperavam o gás escapar para bebê-lo com pequenos goles. A moça, disfarçadamente, tirava o sapato e acariciava os dedos apertados e a senhora, sentada ante seu refresco de laranja, lembrava os quartos separados da casa, separados mas contíguos, e os ruídos que cada manhã e cada noite conseguiam atravessar a porta fechada: a tosse ocasional, a queda dos sapatos no chão, a batida do chaveiro sobre a mesinha, os gonzos barulhentos do guarda-roupa, às vezes até o ritmo da respiração no sono. Sentiu frio no ombro. Aproximara-se naquela manhã mesmo, caminhando na ponta dos pés, da porta fechada e sentira frio no ombro. Surpreendeu-se ao pensar que todos esses ruídos raros e normais eram ruídos secretos. Voltou à cama e meteu-se entre os cobertores e fixou o olhar no céu limpo, onde se espalhava um leque de luzes redondas, fugazes: a lantejoula da sombra dos castanheiros. Bebeu o resto de um chá gelado e dormiu até que a moça viera acordá-la, lembrando que tinha um dia cheio de ocupações. E só agora, com o copo gelado entre os dedos, lembrou-se dessas primeiras horas do dia. 

Carlos Fuentes, A Morte de Artemio Cruz, p. 13-14.

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