Filme do Dia: Laços Humanos (1945), Elia Kazan
Laços Humanos (A Tree Grows in Brooklyn, EUA, 1945). Direção: Elia Kazan. Rot. Adaptado: Tess
Slesinger, Frank Davis & Anita Loos, a partir do romance de Betty Smith.
Fotografia: Leon Shamroy. Música: Alfred Newman. Montagem: Dorothy Spencer.
Dir. de arte: Lyle R. Wheeler. Cenografia: Thomas Little. Figurinos: Bonnie Cashin.
Com: Dorothy McGuire, Joan Blondell, James Dunn, Peggy Ann Garner, Lloyd Nolan,
James Gleason, Ted Donaldson, Ruth Nelson, John Alexander.
Os Nolan são uma família que vive com
dificuldades no Brooklyn na virada do século. Katie (McGuire), esforça-se por
economizar, enquanto o marido, Johnny (Dunn), simpático e querido de todos, não
consegue emplacar sua carreira de artista e ganha alguns trocando, bebendo boa
parte deles. Johnny é o modelo para sonhadora Francie (Garner), que consegue se
abstrair de toda a brutal realidade que a cerca através da literatura. Incentivada
pelo pai, em oposição a mais objetiva mãe, Francie é aceita em uma escola de
alunos de maior poder aquisitivo. Enquanto seu irmão, Neeley (Donaldson), não
possui o menor interesse pelos estudos. A irmã de Katie, Sissy (Blondell),
acaba sendo proibida de freqüentar a casa dos Nolan por Katie, por achar que
poderia ser uma má influência para os filhos, com sua constante troca de
companheiros e uma vivacidade e loquacidade que contrasta com a têmpera
pragmática e demasiado contida da irmã.
Johnny é encontrado morto buscando emprego em conseqüência de uma
pneumonia agravada por seu alcoolismo. Katie, que se encontrava grávida na
ocasião, tem o suporte de muitos daqueles que conviveram com o falecido marido
e, por conta disso, possibilitando que Francie prossiga com seus estudos.
Quando chega o dia do nascimento do bebê, Francie torna-se próxima da mãe e
vence sua resistência afetiva a mesma, provocada pela sua incapacidade de ir
além da realidade comezinha em que vivem. Seis meses após a morte do marido,
Katie recebe uma proposta de casamento do policial McShane (Nolan), também
viúvo.
Exuberantemente fotografado em preto e branco
(com peremptória recusa de Kazan de refilmá-lo a cores como queria o estúdio),
este filme de estréia de Kazan já demonstra sua pujança com relação a direção
de atores, com destaque especial para a interpretação inspirada da então garota
Garner, que seguiria uma carreira relativamente obscura após meados da década
seguinte. Sua Francie, sensível e sonhadora, quase uma cópia do pai, é
igualmente o pretexto não explicitado da própria narrativa – ainda que a
narrativa seja provavelmente autobiográfica a partir de seu viés, Kazan toma a
decisão acertada de não seguir esse clichê, apenas apontando como seu horizonte
futuro. Profundamente entranhando em sua raiz melodramática, o filme por vezes
parece ser uma atualização de seus antepassados griffithneanos, igualmente
ambientados em semelhantes ambientes (não por acaso Loos, que contribuiu no roteiro, havia trabalhado com Griffith e contribuído para dezenas de filmes mudos). A impressionante cenografia de Little se destaca no momento em que todo o cortiço observa a organização dos
varais de roupas e se encontra longe de ser um mero adereço a dotar o filme de
seu caráter de época, como seria o caso de exemplares posteriores e em grande
parte devedores dele (tais como Gangues
de Nova York, de Scorsese). À contraposição algo maniqueísta entre o
universo demasiado chão da mãe, vivida intensamente por McGuire e o sonhador
Johnny, vivido igualmente com brilho por Dunn, é algo diluída quando se observa
que nenhum dos dois era exatamente um mau caráter. E, de certa forma, que o
próprio Johnny acabou dando uma lição de vida na sua esposa, representada no
clichê associado a sua generosidade reconhecida, para espanto da própria esposa,
na quantidade de pessoa que compareceram ao seu funeral (antecipando semelhante
estratégia em Imitação da Vida, de
Sirk). O filme também deve muito a Sissy, vivida pela atriz de caracterizações
Blondell, e sua inesquecível dose de malícia quase afrontosa diante dos limites
impostos pelo Código Hays. Mais bem resolvido que alguns de seus dramas
liberais posteriores, tais como o mais “moderno” O Justiceiro, de maior ambição, nem por isso deixa de fazer seu
proselitismo, na boca da matriarca irlandesa, mãe de Katie, que afirma o quanto
na América os filhos podem ir além dos próprios pais, ao contrário da Europa,
selando a senha para o próprio futuro de sua neta – tema que Kazan exploraria,
sem muito sucesso, ao deslocar sua narrativa para o foco mais autobiográfico,
de uma família turca, em seu América,
América (1961), apologia menos disfarçada e mais esquemática do Sonho
Americano, vivenciado a partir de setores marginais e imigrantes da sociedade.
Destaque para o belo e poético final, no qual os dois irmãos conversam no
telhado do apartamento, assim como para o amargor de colorações próximas de
O’Neill, que se encontram presentes no momento em que Katie afirma para o
marido sobre a quem ele pretende enganar a respeito de suas ilusões. National Film Registry em 2010. 20th
Century Fox Film Corp. 129 minutos.
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