D. Lucia, D. Lucia, que te hei-de  eu  fazer? Não compreendes que no relento da cama uma mulher de certa idade, com as miudezas muito gastas, o fluxo menstrual a estiar, exala um odor enjoativo capaz de retrair o maior garanhão? Bem sei que te lavas, escarolas, perfumas, escovas os cabelos, mas isso é por fora e a velhice está lá dentro, onde não chegam os teus cremes nem os teus sabonetes. Queres que te diga tudo cara a cara, te explique timtim por timtim a náusea insidiosa, o pântano da nossa cama, sobretudo desde que dormi com Rosário a primeira vez? E a minha ternura, D. Lucia, que farei eu dela para te falar assim, que farei do nó na garganta quando te vejo às voltas com os frisadores, as loções, as cintas, os papelotes? É verdade, fui eu que te fumei até ao fim como fumo este cigarro. Com mais exactidão, nunca se fuma um cigarro ate´ao fim. Aí está o que tu és, a pirisca a apagar-se, abandonada no cinzeiro. Por muito que me custe pensá-lo.

Carlos de Oliveira, Pequenos Burgueses, p. 24-5.

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