Não, não, não vou separar os lábios: ou essa linha enrugada, sem lábios, no reflexo do vidro. Conservarei os braços estendidos sobre os lençóis. As cobertas chegam até o ventre. O estômago... ah... E as pernas permanecem abertas, com esse artefato frio entre as coxas. E o peito continua adormecido, com o mesmo formigar surdo que sinto... que... que sentia quando passava muito tempo sentado num cinema. Má circulação, na certa. Nada mais. Nada mais. Nada grave. Nada mais grave. Deve-se pensar no corpo. Cansa pensar no corpo. No próprio corpo. No corpo inteiro. Cansa. Não se pensa. Pronto. Penso, testemunho. Sou, corpo. Fica. Vai-se... vai-se... dissolve-se nesta fuga de nervos e escamas, de células e glóbulos dispersos. Meu corpo, em que este médico mete seus dedos. Medo. Sinto medo de pensar em meu próprio corpo. E o rosto? Teresa retirou a bolsa que o refletia. Tento recordá-lo no reflexo; era um rosto estilhaçado em vidros sem simetria, com o olho muito perto da orelha e muito longe de seu par, com a cara distribuída por três espelhos circulantes. Corre-me suor pela testa. Fecho os olhos outra vez e peço, peço que me sejam devolvidos meu rosto e meu corpo. Peço, mas sinto essa mão que me acaricia e gostaria de livrar-me de seu tato, mas faltam-me forças.

A Morte de Artemio Cruz, , Carlos Fuentes, pp. 3-4.

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