Filme do Dia: Do Destino Ninguém Foge (1955), Edward Dmytryk
Do Destino Ninguém Foge (The Left Hand of God, EUA, 1955). Direção: Edward Dmytryk. Rot. Adaptado: Alfred Hayes, baseado no romance
homônimo de William E. Barrett.
Fotografia: Franz Planer. Música: Victor Young. Montagem: Dorothy Spencer. Dir.
de arte: Maurice Ransford & Lyle R. Wheeler. Cenografia: Walter M. Scott & Frank Wade. Figurinos: Travilla. Com:
Humphrey Bogart, Gene Tierney, Lee J. Cobb, Agnes Moorehead, E.G. Marshall,
Carl Benton Reid, Victor Sen Yung, Robert Burton.
Jim
Carmody (Bogart), cai com seu avião numa floresta chinesa em 1949. Tornado
prisioneiro por parte de um chefe local, o General Yang (Cobb), passa a ser um
dos líderes do grupo de Yang. Revolta-se,
no entanto, com o brutal e desnecessário atentado contra o padre O’Shea
(Cutting), e entra em atrito com Yang, abandonando seu domínio. Travestido de padre
O’Shea, passa a viver em uma missão católica, em uma vila próxima que passa por
grande necessidade tanto espiritual quanto material. Enquanto cuida das
“doenças da alma”, o dr. David Sigman (Marshall), cuida dos problemas de saúde
da população local. Logo o padre passa a ser benquisto por todos,
particularmente de Anne Scott (Tierney), que após ter tido um marido desaparecido,
dessistiu de voltar para os EUA. Utilizando-se de métodos poucos convencionais,
como espancar um estranho que se aproximara para observar a missa local, aos
poucos ele também conquista o ainda arredio dr. David Sigman e sua esposa,
Beryl (Moorehead) que, no entanto, não vê com bons olhos a devoção de Anne pelo
suposto padre. Ela sugere que ele se aconselhe com o Reverendo Marvin (Burton),
chefe da igreja batista, a quem Carmody revela a verdade. Sua situação se
complica com a chegada do General. Ele consegue convencer Yang de que não há
motivos para atacar uma aldeia tão pobre. Porém Yang, como condição o quer de
volta. Caso perca permanecerá cinco anos sobre a ordem de Yang. Nos dados,
Carmody vence e Yang bate em retirada. Com a eminente chegada do substitudo do
Padre O’Shea, Carmody revela tudo a Anne, e que também sentia-se atraído por
ela. Temendo uma revolta da população local caso soubesse da verdade sobre
Carmody, o novo reverendo decide manter a mística local sobre o falso O’Shea.
Esse parte como íncolume herói da população local.
O mais curioso do filme é justamente essa aproximação
irônica do herói tradicional, já que Carmody trafega em mundos diversos,
mantendo uma conduta de princípios extremamente pessoal, o que deixa em
evidência que a relevância que alguém consegue atingir na sociedade se deve
muito menos ao seu próprio caráter que a posição social que ocupa. A partir do
momento em que se transforma em padre, a mesma energia e violência que já
executara enquanto bandoleiro de Yang, por exemplo, ganha uma outra dimensão. O mesmo se sucede
quando ele afirma que conseguira dobrar Yang não a partir de qualquer argumento
racional ou humanista, mas através de um jogo de dados. Seu heroísmo difere
amplamente do protagonista de A Sombra
de uma Dúvida (1945), de Hitchcock, que na verdade é uma mera farsa, já que
sabemos que se trata de um vilão na sua mais pura essência. Aqui ninguém é
essencialmente vilão ou herói puro e a mensagem do filme parece, nas
entrelinhas, apontar para uma simpatia pelo herói liberal que, afastando-se de
toda e qualquer ideologia, consegue ser íntegro apenas através de seu próprio
credo e instinto. Ou seja, o filme acaba por apontar justamente para o que é tido como oposto pela
sociedade: que a dignidade pode ser construída independente dos papéis sociais
que as pessoas ocupem. A ironia se estende também para o potencial par
romântico Carmody-Anne, que não ocorre graças a sua falsa posição de padre,
embora fosse vontade de ambas as partes. Mesmo assim o filme se encontra longe
dos primeiros – e mais originais trabalhos – de Dmytryk. Após o sucesso de
público proporcionado por uma versão de O
Grande Motim (1954), o cineasta passa a dirigir produções mais caras, em
cores e tela larga, para a Fox, como é o caso desse filme e de Os Deuses Vencidos, perdendo muita da vitalidade que os filmes de produção mais
modesta e p&b, na RKO, lhe proporcionavam. Bogart em um de seus últimos
papéis. Em Cinemascope. 20th Century-Fox. 87 minutos.
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