Filme do Dia: Nosferatu (1922), F.W. Murnau

 


Nosferatu (Nosferatu, eine Symphonie des Grauens, Alemanha, 1922). Direção: F.W. Murnau. Rot. Adaptado: Henrik Galeen, baseado no romance Drácula, de Bram Stoker. Fotografia: Fritz Arno Wagner & Günthen Krampf. Música: Hans Erdmann. Dir. de arte e Figurinos: Albin Grau. Com: Max Schreck, Gustav von Wangeinheim, Greta Schröder, Alexander Granach, George H. Schnell, Ruth Landshoff, John Gottowt, Gustav Botz, Max Nemetz.

Bremen, 1838. Hutter (Wangeinheim) é designado para uma missão por seu patrão nos Cárpatos. A missão é a venda da sombria propriedade diante de seu apartamento para o conde Graf Orlok (Schreck). Sua esposa, Ellen (Schröder) teme sua partida. Hutter parte confiante e faz mofa dos moradores locais que o advertem para não se aproximar do castelo e do mito de Nosferatu. Já na primeira noite, acaba se tornando vítima do sombrio Conde. Ellen,  permanecendo na casa de um casal de amigos, passa a ter constantes alucinações e crises de sonambulismo. Hutter é testemunha da fuga de Orlok e consegue fugir do castelo deserto. Nosferatu embarca em um navio para Bremen. Durante a viagem, toda a tripulação morre da peste. O navio-fantasma aproxima-se sozinho do porto da cidade. Logo a peste se espalha por Bremen. Ellen, entristecida com a mortandade local, resolve se sacrificar em nome de todos – ela acaba lendo, contra a vontade do marido, em um livro sobre vampiros, que somente o coração de uma mulher pura poderá deter Nosferatu, que desaparecerá com o primeiro canto do galo ao raiar do dia. É o que acontece.

Esse filme, que é indiscutivelmente a primeira obra-prima de Murnau, não apenas provavelmente foi o filme fantástico mais belo já produzido (com exceção, talvez de Vampiro, de Dreyer) quanto se tornou em um dos filmes mais cultuados de toda a história do cinema. Sua força resulta do conjunto de estratégias estilísticas executadas, que vão da sempre evocada mescla entre fantasia e realidade (todas as filmagens ocorreram em locações, o que mais acentua que diminui sua dimensão sombria, como na seqüência em que um cortejo de caixões atravessa as ruas de Bremen) até a utilização de recursos do cinema de vanguarda (aceleração da imagem, uso de imagens em negativo) e os figurinos,  passando pela própria construção visual do vampiro. Nesse quesito, tornou-se fundamental o seu modo de se deslocar e ficar de pé e suas breves aparições que não somam dez minutos de filme (algo que Herzog, na refilmagem, Nosferatu,o Vampiro da Noite, não soube atinar). Sua imagem acaba possuindo ao mesmo tempo algo de repulsivo e frágil. Praticamente cada cena é carregada de uma rara poesia visual, sendo a composição dos planos o que mais impacta. Os exemplos são inúmeros e jamais poderiam ser citados a exaustão como no primeiro plano em que surge a figura do vampiro (algo que o vulgar filme sobre seus bastidores, A Sombra do Vampiro, esteve longe de perceber), a cena em que Helen brinca com um gato logo ao início (referência tipicamente griffithneana para representação da pureza e fragilidade femininas), o momento em que Hutter percebe aterrorizado o vampiro em posição cadavérica, ainda que em pé, na sala vizinha ao seu quarto, quando o percebe de relance dentro do caixão. Entre as seqüências antológicas a do barco, em que planos de câmera baixa ressaltam a figura assustadora do vampiro, a que Nosferatu parece ouvir os gritos de Ellen quando se aproxima de Hutter, uma sofisticação do recurso da montagem paralela celebrizada por Griffith ou a que através de um recurso simples, a sombra, representa o vampiro se apoderando do coração da heroína. Vale ressaltar que Murnau soube explorar com não menos gênio a dimensão da sexualidade, peça fundamental para a compreensão do romance de Stoker. Ou seja, Ellen é presa de seus próprios anseios de se entregar ao vampiro e quando finalmente consegue ter acesso ao Livro dos Vampiros, é percebida em posição semelhante a de um orgasmo. A relação entre o bem e o mal ganha também aqui uma possibilidade de se traçar paralelos com obras diversas que também representaram essa polarização de forma magistral, seja através da fábula (O Mensageiro do Diabo), da ironia metáforica (A Sombra de uma Dúvida, Veludo Azul), da inserção de motivos da natureza na construção da fábula (O Mensageiro do Diabo, Terra de Ninguém), etc. Aqui, ainda que a dimensão fabular dessa relação seja a mais presente, tampouco se pode esquecer a ironia com que justamente os personagens de melhores intenções e de sentimentos mais puros é que venhar por disseminar a peste pelo restante do mundo. Dada a sua extrema popularidade, tornou-se talvez um dos filmes também mais referenciados de todos os tempos, indo desde a bela seqüência de fantasia erótica da protagonista de O Último Chá do General Yen (1933), de Capra ao Leonard Nosferatu e seqüências em negativo do Alphaville (1965), de Godard; da referência bem satírica, inclusive ao próprio protagonista, mescla de atabalhoamento e ingenuidade de A Dança dos Vampiros (1967), de Polanski ao experimentalismo tropicalista em Super-8 de Nosferato no Brasil (1971), de Ivan Cardoso. Nenhuma das várias versões em circulação até o momento reproduz a cópia original lançada na França, que incluía tinturas para obscurecer imagens pretensamente noturnas que eram visivelmente filmadas a luz do dia – aliás um dos charmes do filme. Se não fossem algumas cópias sobreviventes em algumas cinematecas, o filme ameaçaria ter se perdido, por conta do processo de apreensão e destruição impetrado pela viúva de Stoker, que proibiou essa adaptação não autorizada, que gerou a troca de nome dos personagens e seu bem mais sugestivo título. Sobre seu talento visual, basta compará-lo com a primeira versão mais famosa americana do mesmo romance, Drácula (1931), de Tod Browning. O filme foi proibido na Suécia até 1972, por conta de seu “horror excessivo”.  Jofa-Atelier Berlin-Johannisthal/Prana Film GmbH. 94 minutos.

 

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