O Dicionário Biográfico de Cinema#237: Ingmar Bergman
Ingmar Bergman (1918-2007), Uppsala, Suécia
1945: Kris [Crise]. 1946: Det Regnar pa var Kärlek [Chove em Nosso Amor]. 1947: Skepp till Indialand [Um Barco para a Índia]; Musik i Mörker [Música na Noite]. 1948: Hamnstad [Porto]. 1949: Fängelse [Prisão]; Till Glädje [Rumo à Alegria]. 1950: Sant Händer Inte Har [Isto Não Aconteceria Aqui]; Sommarlek [Juventude, Divino Tesouro]. 1952: Kvinnors Väntan [Quando as Mulheres Esperam]; Sommaren med Monika [Monika e o Desejo]. 1953: Gycklarnas Afton [Noites de Circo]. 1954: En Lektion i Karlek [Uma Lição de Amor]. 1955: Kvinnodröm [Sorriso de uma Noite de Amor]. 1957: Det Sjunde Inseglet [O Sétimo Selo]; Smultronstället [Morangos Silvestres]. 1958: Nära Livet [No Limiar da Vida]; Ansiktet [O Rosto]. 1959: Jungfrukällan [A Fonte da Donzela]. 1960: Djavulens Oga [O Olho do Diabo]. 1961: Sasom i e Spagel [Através de um Espelho]. 1963: Nattvardsgästerna [Luz de Inverno]; Tystnaden [O Silêncio]. 1964: For Att Inte Tala om alla Dessa Kvinnor [Para Não Falar de Todas Essas Mulheres]. 1966: Persona. 1967: "Daniel", um episódio de Stimulantia. 1968: Vargtimmen [A Hora do Lobo]; Skammen [Vergonha]. 1969: Riten [O Rito]. 1970: En Pasion [A Paixão de Ana]. 1971: Beröringen [A Hora do Amor]. 1972: Viskingar och Rope [Gritos e Sussurros]. 1973: Scener ur ett Aktenskap [Cenas de um Casamento] (para a TV). 1974: Trolfjtten [A Flauta Mágica]. 1975: Ansikte mot Ansikte [Face a Face]. 1978: Hostsonatem [Sonata de Outono], 1979: Farö-Dokument 1979 (d). 1980: Aus dem Leben der Marionetten [Da Vida das Marionetes]. 1982: Fanny och Alexander [Fanny e Alexander]. 1983: Efter Repetitionen [Depois do Ensaio] (TV). 1986: Dokument Fanny och Alexander (d). 1992: Markisinnan de Sade [Madame de Sade] (TV). 1995: Sista Skriket (TV). 1997: Larmar öch gor sig Till [Na Presença de um Palhaço] (TV). 2000: Bildmakarna [Os Criadores de Imagens] (TV). 2003: Saraband [Sarabanda].
Bergman nunca se propôs a ser menos que exigente. E, como artista, sua maior façanha foi digerir tal seriedade implacável, até que não visse necessidade de nos massacrar com ela. O Bergman inicial trabalhou com a personalidade dividida de alguém que acreditava em seu próprio gênio. Mesmo suas comédias - Quando as Mulheres Esperam e Sorrisos de uma Noite de Amor foram investigações filosóficas sobre a natureza do amor e da identidade. O final, particularmente, era um tema de Öphuls a negar calor e tristeza, a impedirem a ironia de se tornar cínica e esquemática. Mas, observando o mundo da Suécia, Bergman não viu razão de abandonar sua fé em um público seleto, preparado e treinado para um diligentemente intelectual e emocional envolvimento com o cinema. Em muitos destes filmes iniciais havia o lamentável sabor de "isto é o que você merece", sobre o que são determinadamente melancólicos estudos neorrealistas de casos de amor fracassados. Assumidamente Bergman nunca negligenciou este tema central em favor dos temas italianos como clamados pelas ruas. Estava sempre fixado no coração e na alma, mas com uma aguçada acuidade que era desapaixonada e depressiva. O Sétimo Selo é o último passo nesta crescentemente acadêmica forma de registrar os tormentos humanos. Seu medievalismo e sua alegoria como um todo soam frívolos e teatrais afastamentos da verdadeira seriedade.
Mas O Sétimo Selo, como Elvira Madigan (67, Bo Widerberg), cerca de dez anos após, foi o filme aceito pela maioria das pessoas. Na Inglaterra e nos Estados Unidos tornou Bergman a figura central no crescimento do cinema de arte. Muitas pessoas da minha geração foram ao National Film Theatre, de Londres, para uma retrospectiva dos primeiros filmes de Bergman, após O Sétimo Selo e Morangos Silvestres terem vindo representar um cinema "artístico". Os primeiros artigos críticos com que me debati - como leitor e escritor - foram sobre Bergman. Inevitavelmente ele sofreu de ser tão repentinamente revelado a um mundo volátil. Olhando retrospectivamente, não parece coincidência que estes dois filmes sejam os seus mais pretensiosos e calculados. Dentro de poucos anos ele estava sendo ridicularizado e parodiado por sua seriedade e simbolismo. Os jovens cineastas que frequentavam as salas de arte estavam redescobrindo as virtudes dos filmes americanos que os haviam deliciado enquanto crianças. O novo cinema francês endorsava este amor pelo desenvolvimento e substituía a concentração de Bergman com improvisação, humor, ternura improvisada e um sentimento não nórdico pela beleza dos movimentos de câmera enquanto oposto à força da composição.
Por volta de 1961, Bergman possuía a nada invejável posição de um inovador desacreditado em um mundo consciente do estilo. Esta reputação foi, penso, merecida. No Limiar da Vida, O Rosto, A Fonte da Donzela e O Silêncio sofreram porque a virtuosidade artística parecia complacente ao lado da angústia professada pelas obras. Longe de serem emocionantes e envolventes, estes filmes beiram uma terrível morbidez, clara e articulada. O abismo entre preocupação e arte estava se transformando em decadência.
E é digno de nota o dilema que Bergman se encontrou nesta época por conta de sua resposta a ele. Ele não foi a primeira figura do cinema sueco a ser convidado para produções mais extravagantes. Seu sucesso internacional tornou-o possivelmente o mais conhecido dos artistas suecos vivos, um porta-voz para a ainda mais preciosa neutralidade política que a Suécia abraçava e o profeta de seu derrogatório senso de culpa. O que torna Bergman um grande diretor, parece-me, é o reconhecimento de que ele foi (ou estava se tornando) seu próprio tema, que a angústia em seus filmes havia se tornado central. Por isto, para trabalhar ele teve de declinar de atraentes convites, e permaneceu na Suécia.
Como Fellini, Ozu e Warhol, tornou-se o centro do cinema "familiar". De muitas maneiras, o ambiente sueco tem sempre fomentado este sentimento. Bergman foi incentivado por muitos anos pelo cabeça da Svenks Filmindustri, Carl Anders Dymling que, indubitavelmente viu o prospecto do cinema sueco ser um substancial item de exportação, assim como uma fonte discreta de propaganda e prestígio. Era possível na Suécia se fazer filmes com regularidade e baratos; portanto, a produtividade de Bergman teria menos obstáculos que a maior parte dos outros grandes diretores enfrentaria. Barato não significava andrajoso. Bergman trabalhou com dois excelentes câmeras, Gunnar Fischer e Sven Nykvist. E, mais importante que tudo, o Real Teatro Dramático de Estocolmo, que Bergman comandou de 1963 a 1966, foi a fonte para uma companhia de atores e atrizes que se tornariam regulares em sua obra.
Inicialmente, isto foi comentado como evidência do senso de etalhe e autenticidade de seus filmes. Mas Bergman transformou àquela companhia em uma família e percebeu que o dilema humano básico tinha uma maravilhosa metáfora na maneira como um artista tratava seu tema e seus colaboradores. Cresceu naturalmente de suas convicções da separação angustiante entre as pessoas, a intratável privacidade de homens e mulheres, mesmo apaixonados, que todos não possuíam uma identidade sólida, mas eram atores tentando interpretar um self. Uma vez que tais realizações tenham sido conseguidas, o estilo de Bergman chegou a uma simplificação magistral. Alegoria e simbolismo foram abandonados pela total unidade de ação, e significação em, primeiro, Persona. Este foi o início de uma sequencia de obras-primas nas quais o pessimismo de Bergman sempre se manteve para se tornar inalterado, pessoal e profundamente comovente.
Em termos de estilo, estes filmes posteriores são extenuantes investigações em primeiros planos de atrizes e artistas interpretando atrizes e artistas. Não podemos nos aproximar destes filmes sem cuidadosamente checar os nomes das personagens em intercâmbio com certos intérpretes como Max Von Sydow, Ingrid Thulin, Liv Ulmann, Bibi Andersson, e Gunnar Björnstrand. O próprio Bergman foi casado seis vezes, teve uma criança com Liv Ulmann e não há razões para ficar desconcertado pela completude do envolvimento com sua "família". E é essencial para a ressonância autobiográfica que seus filmes agora emanam. Neste contexto, o artista/ator, em sua figura cotidiana, e mais frutífero que um cavalheiro em uma morality play (*) em O Sétimo Selo. Persona é sobre uma atriz que sofre um colapso. Ela se consome nos palcos e se torna muda na vida. Sozinha numa ilha, com uma enfermeira tagarela, escuta e gradualmente absorve a enfermeira - parte atriz assumindo um novo papel, parte vampirismo emocional. A Hora do Lobo é sobre um pintor vivendo em uma ilha, insultado pelos outros, inseguro de seu casamento, e sobre a sua descida à loucura. Vergonha sobre um músico e sua esposa, vivendo em uma ilha do Báltico, à época de uma guerra não identificada. Seu frágil amor se despedaça quando a guerra interfere em suas vidas, e o filme termina com eles enquanto débeis refugiados à deriva no Mar Báltico. O Rito lida com um trio de intérpretes, incestuosamente envolvidos, cuja apresentação está sendo investigada por um magistrado local. A Paixão de Ana é uma intrincada história circular de um casamento rompido sendo cinicamente reencenado. E A Hora do Amor, o primeiro dos filmes de Bergman a utilizar capital americano, é um comentário sutil sobre os modernos judeus e sobre a relação da Suécia com o mundo, contado através de um íntima história de amor triangular.
E é este senso de intimidade que mais distingue Bergman. Artisticamente, ele envolve quase o mesmo nível de franqueza quanto a dos filmes de Warhol. Bergman insiste sobre as verdades de como as pessoas se sentem em relação as outras que necessitam amar - em sua peça televisiva The Lie, tanto quanto em seus filmes. Tampouco ele ignora a crescente paralisia moral e colapso mental que seguem em decorrência desta veracidade. Seus filmes são, portanto, íntimos e extremos ao mesmo tempo. A análise aproximada da família, em ritos ou jogos que espelham à própria situação familiar, são maravilhosamente sustentados de Persona à Gritos e Sussurros.
Bergman anunciou sua aposentadoria da direção de filmes: Den Golda Vijan [As Melhores Intenções] (92), foi filmado por Bille August. Neste caso, Fanny e Alexander e seus livros autobiográficos A Lanterna Mágica e Imagens são suas prendas finais. Fanny e Alexander pode ser o mais suave de seus grandes filmes, e a mais intrincada reencenação de seu próprio passado. Bergman sobreviveu a sua própria moda. Sua estatura é reconhecida, e os filmes estão aí por eras. Os filmes bem do início de sua carreira estão agora sendo redescobertos - mas somente prepararão as gerações mais frescas para a jornada ao longo de sua carreira. Para muitas pessoas, Bergman tem sido o homem que apresentou um modo do cinema atingir a vida interior.
A aposentadoria ainda lhe deixou a brecha da televisão, onde Bergman escreveu e dirigiu três "peças". Não as vi, mas acrescentaria que seu roteiro para Trolösa [Infiel] (00, Liv Ulmann) demonstra um gênio inalterado, assim como é uma obra vital na observação atormentada de si mesmo feita por Bergman.
E então vieram mais dois filmes para a televisão - seu último, afirmou. No entanto, a idade não foi uma barreira suficiente. Os temas e os intérpretes permaneceram os mesmos - portanto, Liv Ulmann está de volta em Sarabanda, enquanto em Os Criadores de Imagens, descreve Victor Sjöström e Selma Lagerlöf (interpetada por Anita Björk). Círculo completo? Uma carreira fenomenal, na qual a célebre angústia que sofreu parece hoje como um vento ameno a lhe refrescar.
Texto: Thompson, David. The New Biographical Dictionary of Cinema. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 231-35.
(*) N. do T: gênero medieval que ressaltava determinadas características morais humanas enquadradas em virtudes e vícios, assim como, em menor frequência, determinados hábitos. Cf. em: Morality play - Wikipedia
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