O Dicionário Biográfico de Cinema#234: Eric Rohmer

 



Eric Rohmer (Jean-Marie Maurice Scherer) (1920-2010), n. Nancy, França

1950: Journal d'un Scélérat (c). 1952: Les Petites Filles Modèles (co-dirigido com P. Guilband, incompleto); Presentation [Charlotte e Seu Bife] (c). 1954: Bérénice (c). 1956: La Sonate à Kreutzer (c)*. 1958: Véronique et son Cancre (c). 1959: Le Signe du Lion [O Signo do Leão]. 1962: La Boulangère de Monceau [A Padeira do Bairro]. 1963: La Carrière de Suzanne [A Carreira de Suzane]. 1964: Nadja à Paris (c). "Place de l'Etoile", episódio de Paris Vu Par...1966: Une Étudiante d'Aujourd'hui (c); La Collectionneuse [A Colecionadora]. 1968: Fermière à Montfauçon (c); Ma Nuit Chez Maud [Minha Noite com Ela]. 1970: Le Genou de Claire [O Joelho de Claire]. 1972: L'Amour, L'Après-Midi [Amor à Tarde]. 1976: Die Marquise von O. [A Marquesa d'O]. 1978: Perceval le Gallois [Perceval, o Galês]. 1980: La Femme de l'Aviateur [A Mulher do Aviador]. 1981: Le Beau Mariage [Um Casamento Perfeito]. 1982: Pauline à la Plage [Pauline na Praia]. 1984: um episódio em Paris Vu Par...20 Ans Après; Les Nuits de la Pleine Lune [Noites de Lua Cheia]. 1986: Le Rayon Vert [O Raio Verde]. 1987: L'Ami de Mon Amie [O Amigo da Minha Amiga]; 4 Aventures de Reinette et Mirabelle [As 4 Aventuras de Reinette e Mirabelle]. 1990: Conte de Printemps [Conto da Primavera]. 1991: Conte d'Hiver [Conto de Inverno]. 1993: L'Arbre, le Maire et la Médiathèque [A Árvore, o Prefeito e a Mediateca]. 1995: Les Rendez-Vous de Paris [Rendez-Vous em Paris]. 1996: Conte d'Éte [Conto de Verão]. 1998: Conte d'Automne [Conto de Outono]. 2001: L'Anglaise et le Duc [A Inglesa e o Duque]. 2004: Triple Agent [Agente Triplo]. 2005: Le Canapé Rouge (c). 2007: Les Amours d'Astrée et de Céladon [O Amor de Astrée e Céladon].

(c) curtas metragens. 

Sem desejar prejudicar os prospectos de um cinema tão inteligente quanto o de Eric Rohmer, é notável que Minha Noite com Ela, Claire e Amor à Tarde, e outros tenham tido tanto sucesso. Não seria difícil propagandear estes filmes de um modo calculado a alarmar espectadores esperados; e é somente honesto descrevê-los como inquéritos semi-formais e literários em relação às sensibilidades e pensamentos de um grupo de pessoas reunidas em torno de alguma ação modesta - tão modesta que alguém fora do grupo poderia não percebê-la. Há alguns perigos reais em tal método: de beleza, ou um debate ardentemente natural na  psicologia adolescente, e de uma opção bastante passiva pela discussão ao invés do comportamento. Rohmer pode ser criticado, em alguma medida, por todos estes níveis. Mas ele não foi desafiado, como habitualmente acontece, e estou perplexo quanto a saber se isto indica um foco raro de um público seleto em um material de valor, para uma melhora genuína dos padrões, ou pela falha séria, embora pouco evidente, da complacência na obra de Rohmer. 

Seu sucesso pode ter surpreendido o próprio Rohmer, do modo exato que a espontaneidade algumas vezes desarma os jovens equilibrados de seus contes moraux. Rohmer confessou a estratégia que o fez anunciar por antecipação estes seis contos: A Padeira do Bairro, Minha Noite com Ela (o número 3 foi realizado após o número 4); A Colecionadora; O Joelho de Claire; e Amor à Tarde

Penso que as platéias e os produtores aceitariam mais facilmente minha ideia nesta forma que em outra. Ao invés de me perguntar quais temas seriam mais aceitos, persuadi-me que a melhor coisa seria tratar do mesmo assunto seis vezes. Na esperança de que pela sexta vez o público viesse a mim! (...) Estava determinado a ser inflexível e intratável, porque se você persiste em uma ideia, parece ao final que você está seguro do que seguirá. (...) O mesmo com relação ao distribuidor (...) é muito mais difícil para ele contrapor argumentos e críticas sobre um roteiro que é parte de um grupo de seis, que de um isolado.

Aqui fala um jovem outsider dos anos 1950 elaborando sua trajetória em uma indústria nada simpática, o amigo e companheiro crítico de Rivette, Godard e Chabrol. É fácil esquecer, pela direção que sua obra tomou, que Rohmer foi não apenas co-autor, com Chabrol, da primeira análise de Hitchcock, e autor da maior parte dela. O Signo do Leão fala muito mais diretamente de Rohmer, o parisiense juntando dinheiro para comprar película virgem. Há uma resoluta visão da penúria e da ausência de simpatia urbana que foi posta de lado com os contes moraux. Hoje em dia não seria fácil adivinhar que Rohmer fez tanto para explicar Hitchcock, a despeito do seu próprio interesse em artifícios psicológicos e em entender porque as pessoas agem. De fato, sua confissão retrospectiva da estratégia é muito próxima do modo que alguns de seus personagens dissecam seus dilemas, e então selecionam um rumo de ação ao qual devem se conformar. Por exemplo os dois jovens "barganhando" sobre Haydée em A Colecionadora, Trintignant em Minha Noite com Ela, determinado a se casar com a garota loura da bicicleta, e Brialy vendo o mundo em um breve atraso de uma mão sobre o joelho. 

Os filmes possuem uma tensão sutil e absorvente entre a inflexibilidade intelectual (ou deliberação) dos personagens e a evanescência das situações nas quais agem. Por isso, Rohmer frequentemente apresenta substitutos de artistas - um antiquário, um pintor, um filósofo, um engenheiro, um romancista - com cenários emocionais que rompem com sua elegante indiferença, educando-os na complexa interação entre sentimentos e pensamentos, deixando-os duvidosos diante da percepção de que a vida é tão mutável e indefinida quanto a água sob o sol. Muito frequentemente, Rohmer delineia tão nitidamente o escopo de ação aberto a seus personagens centrais que a nitidez ganha precedência. Estas são ocasiões diversas nas quais os personagens recuam diante de ações audaciosas ou possivelmente prejudiciais. 

De fato, há uma insinuação subjacente na obra de Rohmer que a liberdade é um estado perigoso, do qual a maior parte dos homens quer se evadir - em empregos que demandam, casamentos e uma moldura de auto-justificação intelectual. Porém, poucos diretores nos proporcionaram mulheres tão seguras e articuladas quanto Rohmer. Ainda assim, Rohmer possui bastante interesse semelhante em mulheres instintivas e insondáveis: Haydée em A Colecionadora, Claire, e Chloe em Amor à Tarde são figuras deste tipo, embora os homens sejam sempre tão racionais e lúcidos quanto o próprio Rohmer. 

A própria definição do diretor dos contes moraux é digna de ser citada, porque enquanto crítica ela não pode ser aperfeiçoada, e porque pode ser o discurso de um de seus filmes - o sétimo conto, no qual o homem é um realizador de cinema:

O que chamo de conto moral não é um conto com uma moral, mas uma história que lida menos com que as pessoas fazem, que com o que passam por suas mentes quando o fazem. (...) As pessoas em meus filmes não estão expressando ideias abstratas - não há "ideologia" nelas ou muito pouco - mas revelam o que elas pensam sobre relacionamentos entre homens e mulheres, amizade, amor, desejo, suas concepções de vida, felicidade (...) tédio, trabalho, lazer. Coisas que naturalmente tem sido faladas sobre previamente no cinema, mas geralmente de uma forma indireta, no contexto de uma trama dramática. Enquanto nos contes moraux isto não existe, e em particular não há uma linha clara de tragédia ou comédia. Você poderia dizer que meu trabalho é próximo do romance, a um certo estilo clássico de romance, que o cinema agora está se apoderando, que de outras formas de entretenimento, como o teatro.

Influências e vertentes literárias realmente existem em abundância: não simplesmente a disposição de ter personagens falando seriamente por longo tempo, mas o uso frequente de narração, e particularmente em Claire, a flutuante tentativa de realizar um romance de ação. Em parte pela presença de Aurora Cornu, uma romancista, interpretando uma romancista, em parte por conta da filmagem deliberada de páginas de um jornal, Claire possui uma engenhosidade e ressonância extras, no modo que se move entre os eventos e as narrativas ficcionais deles. 

Todo o conteúdo  literário é periférico ao olhar de Rohmer. E é na qualidade de suas imagens que sentimos o apelo intelectual da experiência. O estilo de câmera é classicamente simples, mas Rohmer adora os efeitos da luz natural, seja dos reflexos da neve em Minha Noite com Ela, o dia chuvoso em Claire, ou os interiores da Cotê d'Azur em A Colecionadora. A conclusão de tirar o fôlego de Minha Noite com Ela, por exemplo, deve muito ao repentino recurso a uma luz mais calorosa. O efeito do tempo passando e dos sentimentos se alterando raramente foi transmitido tão bem. Novamente, Rohmer escolhe e filma seus cenários com grande cuidado imaginativo: a casa à margem do rio em Clare e as paisagens enevoadas de Clermont Ferrand em Minha Noite são integrais para o efeito do filme, como é  a escolha das locações precisas para momentos chaves. 

Porém é no modo que filma as pessoas que é mais característico, e mais reflexivo de seu senso dos limites da inteligência. Bela, sua natureza, e opiniões contrárias dela são temas recorrentes. E Rohmer nos dá tempo para considerar se e como as pessoas são belas. Em um dos prólogos de A Colecionadora, a câmera capta pinturas semiabstratas, mas bastante sensuais, da indiferente Haydée Politoff. E no prólogo seguinte diversos personagens argumentam sobre a beleza: ela é, como se clama, um efeito da aparência que reflete a natureza moral? As pessoas parecem o que são? O cinema tem sempre se incomodado com estas questões, poucos diretores sendo mais encantadores que Rohmer com sua galeria de mulheres: Politoff, Françoise Fabian, Marie-Christine Barrault, Aurora Cornu, Beatrice Romand, Lawrence de Monaghan, Zouzou e Françoise Verley. 

Amor à Tarde traz esta inteira galeria à vida e finda com o homem casado evitando o adultério, quando se vê no espelho antes do ato.

Com os contes moraux completos, Rohmer se voltou ao século XVIII e uma novella de Kleist. Sua elegância visual e sua ambiguidade foi um tanto prolongada e piedosa sobre o acontecido. Os cenários, pela primeira vez em Rohmer, foram clássicos e frios, e a mulher neste caso, Edith Clever, não possuía a animação de suas outras heroínas. 

Algumas vezes me indago se, após a destruição do resto do mundo, Rohmer ainda não realizaria a sua quarta série em seis partes sobre o amor em diferentes horas do dia, com hologramas de garotas ainda mais esbeltas e adoráveis, torrentes de diálogos engenhosos e artifícios de mal-entendidos. Isto parece ingrato: a exótica diligência é genuína; sua inteligência é além da disputa. É apenas o ímpeto aparentemente isolado dele que acho incrível...e desumano. Uns poucos anos após, qualquer filme foi incorporado à mistura dos outros, como um ovo extra sendo adicionado à massa. A última série não foi tão atraente quanto os conte moraux. Mas Rohmer é tão constantemente ativo que pode nos fazer sentir que tudo se tornou habitual. 

Aos oitenta, tendo completado seus contos sazonais, Rohmer entregou A Inglesa e o Duque, uma arrebatadora recriação visual  de época e um adorável pequeno filme. Continuo com minhas reservas (ou talvez apenas paciência diminuída), mas como pode se admirar um pintor como Chardin e não observar que Rohmer é um tipo similar de artista, serenamente ligado aos ideais da permanência espiritual e histórica? De fato, é como se fosse, na verdade, um cineasta do século XVIII vindo nos fazer uma visita.

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Cinema. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 2277-83. 

N. do E: (*) no IMDB consta como produção de 50 minutos, portanto não um curta como está identificado no livro.

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