Filme do Dia: Rustin (2023), George C. Wolfe
Rustin
(EUA, 2023). Direção George C. Wolfe. Rot. Original Julian Breece & Dustin
Lance Black, partindo do argumento de Breece. Fotografia Tobias A.
Schiliessler. Montagem Andrew Mondshein. Dir. de arte Mark Ricker & Travis
Kerr. Cenografia Amy Wells. Figurinos Toni-Leslie James. Maquiagem e Cabelos
Eric Pagdin & Brian A. Tunstall. Com Colman Domingo, Aml Ameen, Glynn
Turman, Chris Rock, Gus Halper, Johnny Ramey, CCH Pounder, Michael Potts.
Bayard Rustin (Domingo), contra todas as pressões,
inclusive no movimento negro, para que recuasse da liderança pela Marcha pela
Liberdade, histórico episódio norte-americano, em 1963, e com um episódio
passado no qual já fora abandonado pelo líder nacional e até então amigo
pessoal Martin Luther King (Ameen), não desiste de comandar o evento. Também é
um momento de pesadelo na sua intimidade, de sua relação com o jovem ativista
Tom (Halper), assim como do abandono de outro amante, que herdou a igreja de
seu genro, Elias (Ramey)
Nos últimos anos dezenas de produções se detiveram em
aspectos históricos influenciadores/influenciados majoritariamente por
afro-americanos. A maior parte destas produções é igualmente dirigida por um
afro-americano e possui qualidades estéticas limitadas. Não mais nem menos
limitadas que as de seus colegas brancos. Porém, o viés histórico ou as
biografias de personalidades do mundo musical ainda se sobressaem, em termos de
quantidade, a obras contemporâneas e motivações menos épicas. A “domesticação” do
tempo parece tornar mais “palatáveis” tais produções. Esta está longe de ser
uma exceção. Porém, ao mesmo tempo não se escusa em mostrar as divisões dentro
do movimento negro, um Luther King humanizado e político, tomando decisões
inclusive antipáticas. E uma percepção bastante nuançada do então presidente
Kennedy, longe da eulogia de um Oliver Stone. O que deve ter irritado os que
preferem a posada grandiosidade retrospectiva erigida em culto ao invés das
tensões cotidianas de qualquer ser humano enraizadas em um mundo concreto e
suas demandas e decisões. E o Rustin de Domingo parece talhado na prótese para
Hollywood. Dito isto, é muito comovente sua atuação, mesclando carisma,
emocionalismo e domínio de si nas horas exigidas, apresentando também suas vulnerabilidades
– ao, por exemplo, afirmar que não era capaz de oferecer amor a Tom, e que
talvez fosse quando estivesse velho. Uma provável licença poética do filme, que
cai na armadilha de apresentar a confirmação desta hipótese, afirmando que
viveria os últimos dez anos de sua vida com um mesmo homem, quase à guisa de
justificar uma parcela de integridade a lhe faltar. Sob a desculpa de ser uma
demonstração de uma completude emocional que lhe fora negada por si mesmo, a
partir do contexto social no qual viveu. Lógico, que é um filme com todas as
manipulações emocionais já calculadamente engatilhadas, como quando Rustin se
emociona, diante de toda sua equipe, ao assistir na TV a sua defesa por conta
do mesmo Martin Luther King que se desfizera dele em uma situação de tensão
anteriormente, como comentado. Chris Rock traz uma interpretação demasiado
tipificada, e com uma maquiagem nada distante da praticada muitos anos atrás
pela televisão brasileira, bastando jogar algum produto branco nos cabelos para
simular envelhecimento. Imagens de arquivo são utilizadas com parcimônia e em
cores, para que não fique tão ressaltada sua diferença, evidente por conta da
textura da imagem, no momento da manifestação em Washington, e mescladas com
outras, de um grupo pequeno de extras e uma multidão de um exército CGI. Mais
tocante, de longe, no entanto, são as fotos em preto&branco apresentadas
nos créditos finais. A produção
executiva é de Michelle & Barack Obama, o que não deixa de trazer uma
pitada de cabotinice, quando nos comentários pós-diegéticos, afirma-se a
homenagem póstuma de uma medalha a Rustin – homenagem esta que foi feita pelo
próprio ex-presidente. |Higher Ground Prod. para Netflix. 106 minutos.
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