Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#100: Chircales

 


CHIRCALES. (Colombia, 1967-1972). Um dos mais significativos documentários políticos jamais feitos, Chircales (The Brickmakers) é talvez ainda o mais conhecido filme colombiano, fora de seu país. A antropológa Marta Rodríguez e seu marido, o fotógrafo de fotos fixas Jorge Silva, levaram cinco anos para produzir a versão final de 41 minutos do primeiro filme deles. A ideia original proveio de um estudo sociológico, conduzido entre 1958 e 1961, em Tunjuelito, subúrbio ao sul de Bogotá, por um grupo de estudantes, incluindo Rodríguez, sob a orientação de um professor de sociologia, Padre Camilo Torres, (que foi celebremente excomungado por suas visões políticas, uniu-se às guerrilhas em 1967, sendo posteriormente assassinado em cativeiro). Muitas das pessoas que trabalhavam nas olarias, provientes do campo e devastados por La Violencia,   foram incapazes de se adaptarem de forma bem sucedida ao seu novo ambiente urbano. Os realizadores se chocaram com o grau de estrutura hierárquica do trabalho nas olarias se assemelhava a da oligarquia-campesinato, e buscaram realizar um filme apresentando à exploração completa das famílias pobres, que por força da necessidade, colocavam suas crianças para trabalhar com eles. 

Havia aproximadamente 50 mil pessoas trabalhando como pedreiros primitivos à época; lhes eram pagos 35 pesos por 1000 tijolos, para os quais a companhia receberia mais de 200 pesos. Rodríguez e Silva escolheram a família Castañega, composta de mãe, pai e onze filhos e passou um ano inteiro com eles em Bogotá, voltando somente à noite. De início não possuíam equipamentos consigo; posteriormente registraram algumas entrevistas em áudio e Silva tirou fotografias. Eventualmente, então, registraram os Castañegas, suas vidas e seu trabalho em filmagens de 16 mm. Os realizadores desejavam ter uma colaboração aberta com os sujeitos de seu documentário, e as vozes dos membros da família foram incluídas como componente central. Próximo ao início o padre proclama: "Temos sido sempre liberais; tinta nos dedos; vermelho para nós, azul para os conservadores. Meus pais foram liberais, então também sou liberal." (La Violencia foi uma guerra política. Posteriormente ouvimos, "tudo que conseguimos foi um dia de pagamento e a doença igualmente", e a mãe lamenta se encontrar grávida novamente, "Por que Deus nos dá crianças e não aos ricos?" Nas imagens do filme podemos observar todos os aspectos do processo de feitura dos tijolos - cavando o barro, moldando os tijolos à mão e lavando-os e carregando-os no forno - intercalados com outros trabalhos, tais como a preparação e cozimento da comida e, mais chocantemente, observamos as crianças a carregarem os tijolos em suas costas - uma garota carregando não menos que oito de uma vez! Fica claro que os Castañegas depositaram grande confiança nos realizadores, sempre aparecendo naturalmente diante da câmera. Raramente houve uma descrição mais honesta da pobreza e da dura, incessante  necessidade de trabalho penoso no cinema. Chircales também enfatiza a morte, através da exposição de um funeral de um pai de cinco; um vizinho afirma: "Somos sempre deixados à míngua...e os patrões nunca aparecem." O cemitério comunitário é apresentado muito frequentemente e novamente, de forma bastante chocante, observamos um grupo de crianças carregando o caixão de uma criança. A repetição no filme é, de fato, deliberada, com Silva observando que "o ritmo da repetição, de uma vida repetitiva" é uma representação do "ritmo do campo".

A primeira versão do filme foi de 75 minutos, sendo exibida no Fórum de Cinema Latinoamericano de Mérida, Venezuela, de 1968. Os realizadores insistiram em apresentar progressivamente o filme aos sujeitos do filme e outros grupos trabalhadores. Ao ganharem um prêmio por outro filme, Planas, Testimonio de un Etnocidio (1970) no Festival Internacional de Cine de Cartagena de 1972,  utilizaram-no para produzir a versão definitiva de Chircales e realizarem o transfer para 35 mm. Também realizaram uma versão em lingua inglesa (com narração em inglês e entrevistas legendadas). Estas versões finais, com uma citação de Karl Marx: "A tecnologia mostra a atitude do homem em relação à natureza, o processo direto de produção de sua vida, assim como as condições de sua vida social e as ideias e relações que derivam dela"; e os planos iniciais apresentam uma demonstração na praça Bolívar, em Bogotá, e imagens das estruturas de poder governamentais e religiosas, vinculando o retrato político mais amplo com os pedreiros. Todas as versões do filme terminam com o Padre Torres, orignalmente: "As pessoas estão desesperadas, prontas para lutar em ordem para que a próxima geração não seja escravizada",  substituída na versão final por: "A luta é longa, vamos começá-la." Silva e Rodríguez desejavam realizar um filme que fosse um chamado à ação, e através de sua distribuição independente em 16 mm na Colômiba, provocaram um resultado, com os pedreiros formando um sindicato. Em 1972, Chircales teve um lançamento restrito nos Estados Unidos e venceu os prêmios de Melhor Documentário e FIPRESCI no prestigiado festival de cinema de animação e documental em Leipzig (Alemanha Oriental); nos anos subsequentes venceu prêmios principais nos festivais de Tampere (Finlândia) e Oberhausen (Alemanha Ocidental), em 1973, Bilbao (Espanha), em 1976, e o festival de cinema educativo na Cidade do México, também em 1976. 

Texto: Rist, Peter H. Historical Dictionary of South American Film. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014, pp. 153-155.

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