O Dicionário Biográfico de Cinema#200: Rainer Werner Fassbinder



 Rainer Werner Fassbinder (1946-1982), n. Bad Wörrishofen, Alemanha

1965: Der Stadtstreicher [O Vagabundo da Cidade] (c); Das Kleine Chaos [O Pequeno Caos]. 1969: Liebe ist Kälter as der Tod [O Amor é Mais Frio Que a Morte]; Katzelmacher [O Machão]. 1970: Götter der Pest [Deuses da Peste]; Warum Laüft Herr R. Amok? [Por Que Deu a Louca no Sr. R?]; Der Amerikanische Soldat [O Soldado Americano]; Die Niklashauser Fahrt [A Viagem de Niklashauser]. 1971: Rio das Mortes; Pioniere in Ingolstadt [Pioneiros de Ingolstatd]; Whity; Warnung von einer Heiligen Nutte [Precauções Diante de uma Prostituta Santa]. 1972: Handler der Vier Jahreszeiten [O Mercador das Quatro Estações]; Die Bitteren Tränen der Petra Von Kant [As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant]; Acht Stunden Sind Kein Tag [Oito Horas Não Fazem o Dia]. 1973: Wildwechsel [A Encruzilhada das Bestas Humanas]; Welt am Draht [Mundo ao Telefone]. 1974: Angst Essen Seele Auf [O Medo Devora a Alma]; Martha; Effi Briest; 1975: Faustrecht der Freiheit [O Direito do Mais Forte]; Mütter Kusters Farht zum Himmel [Mamãe Kusters Vai para o Céu]; Angst vor der Angst [O Medo do Medo]. 1976: Satansbraten; Chinesisches Roulette [Roleta Chinesa]; 1977: Bolwieser [Bolwieser - A Mulher do Chefe da Estação]; episódio de Deustchland im Herbst [Alemanha no Outono]; Eine Reise im Licht [Despair]. 1978: Die  Ehe der Maria Braun [O Casamento de Maria Braun]; Im einem Jahr mit 13 Monden [Num Ano de Treze Luas]. 1979: Die Dritte Generation [A Terceira Geração]; 1980: Berlin Alexanderplatz; Lili Marleen [Lili Marlene]; 1981: Lola; Theater in Trance [Teatro em Transe]; Die Sehnsucht der Veronika Voss [O Desespero de Veronika Voss]. 1982: Querelle

Não há dúvidas sobre as oportunidades que o cinema alemão ofereceu, nos anos 70, aos filmes politicamente comprometidos, mas formalmente experimentais: Fassbinder havia realizado quase trinta longas com trinta e poucos anos, e estava trabalhando em um ritmo que pode tê-lo ajudado a morrer. 

Veio do teatro marginal de Munique. Originalmente um ator, montou uma companhia de antiteatro, adaptou drasticamente diversos clássicos, e escreveu peças ele próprio. Fortemente influenciado por Godard e Straub, parecia possuído de amplo vigor criativo para se tornar uma figura cinemática de proa pelos próximos dez anos. Como Straub, foi um exponente do cinema puro, menos vibrato ou expressividade, tão intransigentemente nítido que redescobrimos o realismo social sob todos os disfarces mesquinhos do desempenho na vida. E, como Godard, Fassbinder estava apaixonado pelo cinema, descartando referências e se tornando crescentemente preocupado com o processo de estar dentro e observar um filme como seu tema. Seu estilo foi um anti-estilo, e seu material invocava o imaginário clássico de um thriller, apenas para dissipar sua enrijecida familiaridade. As memórias compostas do thriller de gangsters se provaram paraísos ilusórios para criminosos em potencial, alienados irremediavelmente do estilo de seu mundo de consumo. Fassbinder punciona o romance tradicional, mas zomba da nova melancolia urbana com realizações luxuosamente românticas. Seus atores entoam com franqueza platitudes como se fossem versos; sujas catástrofes privadas são sublinhadas a la Sirk, lenda hollywoodiana que já não possuía qualquer relevância.

Fassbinder, acima de tudo, atacou a vida de contentamento material da nova Alemanha, insistindo sobre as ansiedades e sonhos não resolvidos, a se esconderem por trás dela. Daí o Sr. R ser um homem aparentemente bem sucedido que mata sua família e vai ao escritório e se suicida. O Machão consiste no modo como o novo imigrante recém-chegado, interpretado pelo próprio Fassbinder, revela as respostas humanas e sociais moribundas dos habitantes de um bloco de apartamentos. O Mercador das Quatro Estações é sobre um feirante, tão oprimido pelos detalhes mundanos de sua vida, que se mata. Precauções Diante de uma Prostituta Santa é um filme sobre uma equipe cinematográfica sem dinheiro, que fica sentada à toa até que a animosidade lentamente resulte em um extraordinariamente desordenado, mas teatral, processo de auto-destruição.

Recorrentemente, os personagens de Fassbinder sentam ao redor de uma mesa, aparentemente trocando lugares-comuns. São filmados o mais planos quanto possível, negados expressividade facial, e ordenados a esilizar diálogos flácidos com ritmo louco. Isto é tanto um efeito de alienação quanto uma dramatização da visão de Fassbinder de nossas vidas desmoralizadas. E não é um cinema popular: os modos são duros, e as implicações são escandalosamente hostis aos burgueses. De fato, Oito Horas Não Fazem um Dia, para a TV, é uma revisão ofensiva da típica família de novela, desmantelada ao ponto de suas fraturas inatas serem horrendas.

Não é possível manter-se com Fassbinder, e havia muito no homem que estava determinado a ser antipático. Mas a rapidez e o baixo custo foram vitais. Despair foi seu filme mais extravagante e os gastos somente demonstram uma mente ainda mais vulgar que a de Nabokov. Despair é um dos espetáculos mais terríveis do touro cinema sendo humilhado por verônicas engraçadas da literatura.

Acho que o mundo da crítica cinematográfica ainda está de alguma maneira exaurido por Fassbinder - ele foi prolífico até o final: Berlin Alexanderplatz, do romance de Alfred Döblin, foi uma série de TV em 14 partes que dura 931 minutos; O Desespero de Veronika Voss se encontra entre seus filmes mais suscintos; e Querelle (de Genet), foi bastante irrestritamente gay e estupidamente belo. De fato, como Godard, Fassbinder atirou-se a nós com tanta fúria, que tivemos de recuar. Mas seu surpreendente corpo de trabalho espera ser redescoberto. O fato cru é suficiente: Fassbinder morreu bem pouco antes dos 40, o realizador de pelo menos meia-dúzia de filmes extraordinários: As Lágrimas Amargas de Petra von Kant não possui igual em seu simultâneo deleite no "estilo", enquanto derrama ácido sobre a imagem; Precauções Diante de uma Prostituta Santa; O Medo Devora a Alma, O Casamento de Maria Braun e Lola (pelo menos) são exemplos excepcionais de como a história contemporânea pode ser focada no cinema em contos curtos e inflexíveis.

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 855-57.

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