Filme do Dia: Between Two Dawns (2021), Selman Nacar

 


Between Two Dawns (Ik Safak Arasinda, Turquia/Romênia/França/Espanha, 2021). Direção e Rot. Original Selman Nacar. Fotografia Tudor Vladimir Panduru. Montagem Bugra Dedoglu, Melik Kuru & Selman Nacar. Dir. de arte Alceste Tosca Wegner. Figurinos Nilüfer Güzel. Com Mucahit Kocak, Nezaket Erden, Ünal Silver, Bedir Bedir, Burcu Gölgedar, Erdem Senocak, Mustafa Sönmez, Cihat Suvarioglu.

Kadir (Kocak) é gerente e responsável em uma indústria de tecelagem erguida pelo pai (Silver), tendo que se deparar com a pressão crescente de uma entrega iminente, que gera estresse em todos e, com o maquinário avariado, o acidente de um operário, Mahmut (Sönmez) e a articulação dos interesses da empresa, e do advogado (Senocak) da mesma, para que Serpil (Erden), a mulher do operário, concorde em assinar um documento que ateste o uso de álcool pelo marido, provocando a ira do irmão, que só não o agride, porque é detido por outros familiares. Ao mesmo tempo, Kadir sofre pressão da namorada, Esma (Gölgedar) que o apresenta para sua família. A noite, tudo piora quando Kadir sabe que Mahmut se encontra morto desde a manhã, e sua família sabia de tudo, mas a família do morto não o sabe.

Há um contraste entre a tensão e a expectativa do que resultará, muito bem urdida, inclusive por uma excelente cinematografia, de cores soturnas e câmera ocasionalmente nervosa e os respiros, se é que esse não seria um termo inadequado, em que estamos somente com Kadir, tentando digerir minimamente o caos que apenas se avoluma. E o tempo, já que a história é contada entre os dois crepúsculos que o título se refere, aliado valioso na crispação, encontra a crise em seu nervo máximo, mesmo não tirando partido por completo dos dramas que poderia suscitar. Nesse sentido, Nacar é consciente de trabalhar com a expectativa de uma explosão dramática, e mesmo física, tão cara a realizadores contemporâneos, dos quais Kléber Mendonça já soube tirar também grande proveito (em O Som ao Redor). Aqui chegamos perto disso em vários momentos. E não apenas o do irmão de Mahmut mas, inclusive, mais próximo do eixo que realmente importa ao drama, não colateral, como é o caso da conversa de Kadir com o irmão, acrescida posteriormente pelo pai. Para Nacar, a opção do recuo da catarse emocional é direcionada para o drama moral de seu personagem, no acúmulo de pressões (como em Trabalhar Cansa) e no esforço hercúleo de operar o mais próximo possível da normalidade, como no momento em que é apresentado à família de Esma. E, inclusive, consegue dedilhar um instrumento de cordas tradicional e cantar, apresentando todo o seu auto-controle, para tentar conquistar o futuro sogro. Boa parte da eficácia do filme se constrói sobre suas elipses – não observamos por completo a reação do pai de Esma ao momento artístico de Kadir,  em um instrumento que o pai também domina e tampouco ficamos à parte se a viúva, ignorante de sua condição de viúva, ao final de contas, aceitou ou não o dinheiro que Kadir quase lhe implorava de ficar. Ou ainda a resposta final de Esma para fugir do país com Kadir, embora o que comece a falar e uma reação posterior dele, nos aproximem mais de qual teria sido. E, muito obviamente, o momento em que a família toma conhecimento da morte de seu membro, tampouco enquadrado. E não apenas de suas elipses, já que o elenco traz uma dose de verossimilitude ao qual se acopla, por exemplo, detalhes que fazem a diferença, como o fato de ao menos aparentemente, Kocak cantar e tocar de fato o instrumento que seu personagem executa na cena referida. É claro que seguir demasiado próximo a “cartilha contemporânea”,  mas acrescendo a essa a portentosa durabilidade da moral é um feito e tanto, sobretudo para um longa de estreia, mas também apresenta uns poucos reversos, o maior deles talvez um certo decréscimo de sua pungência, ou que nome se queira, nos momentos finais, e em opções que se tornam demasiado recorrentes, não muito distantes das escolhidas por Kléber em seu também primeiro longa. É provável que Kadir, seja uma espécie de alter-ego multifacetado do realizador, pois há um curta cujo protagonista também possui esse nome e a influência de Dostoievski visível, mas não exatamente um peso que destrua a credibilidade da situação retratada. |Kuyu Film/Fol Film/Karma Films/Karma Film Prod./Arizona Prod./Libra Film/Nephilim Producciones. 91 minutos.

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