Filme do Dia: Precauções Diante de uma Prostituta Santa (1971), Rainer Werner Fassbinder

 


Precauções Diante de uma Prostituta Santa (Warnung vor Einer Heiligen Nutte, Alemanha, 1971). Direção e Rot. Original: Rainer Werner Fassbinder. Fotografia: Michael Ballhaus. Música: Peer Raben. Montagem: Thea Eymész & Rainer Werner Fassbinder. Dir. de arte: Kurt Raab. Figurinos: Molly von Fürstenberg. Com: Lou Castel, Eddie Constantine, Marquard Bohm, Hanna Schygulla, Rainer Werner Fassbinder, Margareth von Trotta, Hannes Fuchs, Marcella Michelangeli, Karl Scheydt, Ulli Lommel, Kurt Raab.

Uma trupe de atores se hospeda num hotel espanhol, onde a mescla de suas confusas vidas afetivas com a ansiedade gerada por um trabalho que não possui financiamento adequado, nem material para a filmagem, acaba sendo explosivo para o temperamental Jeff (Castel), diretor do filme, que grita com tudo e todos e mantém um poder e atração (inclusive sexual) sobre o grupo. Gera-se uma verdadeira babel no qual promiscuidade, arrivismo e egocentrismo são alguns dos elementos que compõem a cena.

Embora realizado antes, em retrospecto o filme pode ser curiosamente considerado como o anti-Noite Americana (1973), de Truffaut. Da mesma forma que no filme de Truffaut, trata-se de uma equipe em filmagem e se centra o enredo nos bastidores da mesma e na troca generalizada de casais, porém o resultado não poderia ser mais diverso. Ao invés do lirismo elegíaco ao cinema do cineasta francês e de seu tom ameno, Fassbinder antes enfatiza a realização de um filme como um doloroso parto à fórceps, no qual às dificuldades do processo criativo se somam às materiais e a relação de dependência parasitária do elenco e equipe às decisões do diretor. Nesse sentido, o filme – até mesmo por ressaltar com muita mais ênfase o papel do dinheiro no jogo – bebe mais numa vertente anti-mistificadora do cinema, e da produção de um filme, na linha de O Desprezo (1963), de Godard, do que o oposto. Também evoca o filme de Godard por alguns raros planos abertos que apresentam um cenário natural de proporções épicas e por ter sido o primeiro filme colorido de ambos. Por outro lado sua referência ao processo do artista em  crise criativa, que possui como paradigma 8 e ½ (1963), de Fellini, antes aponta para a crise como elemento inevitável e instigante que paralisador na gestação da obra. Profundamente auto-biográfico (sua referência ao parasitismo e promiscuidade generalizada são uma tentativa de reprodução da  própria convivência interna do grupo Antiteater), o filme se ressente de uma certa auto-condescendência caricata com o qual a figura do cineasta é retratado (e a escolha de Castel para o papel certamente não foi acertada, já que grandemente inverossímil). Há um que de operístico e viscontiano, ainda que ao modo de Fassbinder, sensação que é realçada tanto pela utilização de trechos de ópera (inclusive na cena mais bela do filme, que acompanha a ex-amante do diretor abandonando o local em que se encontra a produção numa lancha) quanto pela citação final de Thomas Mann. Constantine, que se tornou um emblema de si próprio em vários filmes (como no Alphaville de Godard), volta a encarnar a si mesmo aqui e Schygulla usa um penteado e veste um figurino que é um arremedo de Marilyn Monroe. Tango Film/Antiteater/Nova International Films. 103 minutos.

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