Filme do Dia: Absolutamente Certo (1957), Anselmo Duarte
Absolutamente Certo (Brasil, 1957).
Direção: Anselmo Duarte. Rot. Original: Anselmo Duarte, a partiro do argumento
dele próprio, Jorge Dória, Jorge Ileli & J. Miguel Thalma de Oliveira.
Fotografia: H.E. Fowle. Música: Enrico Simonetti. Montagem: José Cañizares.
Dir. de arte: Pierino Massenzi. Com: Anselmo Duarte, Dercy Gonçalves, Odete
Lara, Aurélio Teixeira, Maria Dilnah, José Policena, Fregolente.
Zé do Lino (Duarte) é um humilde
linotipista em uma gráfica, que há dez anos é noivo de Gina (Dilnah) e não casa
por não ter condições econômicas suficientes e cuidar do pai (Policena) semi-inválido. A mãe de Gina, Dona
Bela (Gonçalves), embora viva escorraçando o namorado da filha de sua casa, na
verdade, gosta do rapaz. O filho de seu patrão (Fregolente), Raul (Teixeira),
propõe que Zé do Lino faça fortuna com sua capacidade extraordinária de
memória, capaz de saber de cor toda a lista telefônica da cidade de Sâo Paulo.
Tem a ideia de leva-lo à produção do programa de TV Absolutamente Certo, onde
ganhará um milhão de reais caso chegue até o final das etapas. Durante o transcorrer
do programa, Lino é assediado por uma das contratadas da emissora, Odete
(Lara), que lhe passa a intenção de fazer com que ele erre no último e ganhe
não um, mas dois milhões do que será apostado pela gangue de Raul. Não
concordando, Lino é espancado e tornado refém da gangue na academia, para onde
também são levados seu pai e a família de Gina, assim como ela. Com ajuda de um
boxeador que já fora vítima das tramoias inescrupulosas de Raul, consegue fugir
e pegar um táxi para o estúdio. Os capangas de Raul, no entanto, já se
encontram a postos para impedir que o programa seja realizado.
Tecnicamente bem realizado, para os
padrões do cinema brasileiro de então, ainda brinda o espectador com um
plano-sequencia observando Duarte e seu futuro agenciador atravessando as ruas
de uma São Paulo moderna e – ao menos nesse momento do filme – observada como,
guardada todas as proporções, a Paris mais intimista de Godard o seria pouco
após em Acossado. Lá a pé, aqui de
carro ou bonde. Filme que exala a vontade de se igualar ao cinema
norte-americano de então, ou mais apropriadamente de um pouco antes, acadêmico,
com suas motivações que buscam continuidade entre sequencias que se passam em
núcleos dramáticos-espaciais distintos, como a mais curiosa de todas, entre uma
boneca manipulada pelo pai de Zé e a dançarina do número seguinte, assim como uma crônica do cotidiano da
pequena burguesia brasileira, com colorações distintas do que fizera os dramas
exclusivamente de estúdio da Cinédia entre o final dos anos 30 e meados de 40,
menos engessado e teatral nas interpretações, assim como atento a indústria
cultural emergente e suas modas (programa de televisão acompanhado com
assiduidade, rock&roll, etc.). Sem esquecer a suburbanidade a trazer o
elemento humorístico – a tv é um sucesso para a minoria que a possui, como é o
caso da Dona Bela, de Dercy Gonçalves, que faz dinheiro com o interesse dos
vizinhos. Não se esquece de puxar sequer
uma réstia da pieguice de melodramas como O Ébrio (1946), de Gilda de Abreu, na relação entre Zé do Lino e seu pai
semi-inválido. O filme tampouco recua diante de vozes distantes do
profissionalismo das cantantes do rádio que habitualmente povoavam as produções
da época como é o caso de Dercy Gonçalves cantando Jura ou – e principalmente – a sofrível interpretação da bela e
jovem Odete Lara cantando Quando Eu Digo,
em contraposição as maravilhosas participações do Trio Irakitan. Deve-se levar
em conta a bem mais orgânica integração das canções no enredo que era comum à
época. Em um determinado momento, como era comum às chanchadas menos
sofisticadas da Atlântida, o filme parece se escorar demasiado nos números
musicais como forma de preencher o tempo narrativo e também se justificar
enquanto atrativo ao espectador da época. Na melhor tirada dos diálogos, Dona
Bela afirma para a filha que o Zé não entraria mais em sua casa e está entrando
da mesma forma, agora no programa televisivo. Talvez, sem muita torsão,
possa-se ver continuidades enquanto esforço para construção de tipos sociais de
Zé do Lino em Zé do Burro, do filme mais famoso de Duarte (O Pagador de Promessas). Permanece incólume, no entanto, desde o
tempo da moralidade tipo Cinédia (Onde
Estás Felicidade?, Argila) a
compreensão da vida pequeno-burguesa como cadinho da autenticidade e de relações
sociais verdadeiras em contraposição ao mundo burguês decadente e que gira
somente em torno do vil metal ou das benesses que esse traz, algo que se
estenderá para a ética do Cinema Novo, mesmo que sob outra inflexão.
Cinedistri. 95 minutos.
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