Filme do Dia: Mamãe Küsters Vai para o Céu (1975), Rainer Werner Fassbinder

 


Mamãe Küsters Vai para o Céu (Mutter Küsters´ Fahrt  zum Himmel, Alemanha, 1975). Direção: Rainer Werner Fassbinder. Rot. Adaptado: Rainer Werner Fassbinder & Kurt Raab, baseado no conto homônimo de Heinrich Zille. Fotografia: Michael Ballhaus. Música: Peer Raben. Montagem: Thea Eymész. Dir. de arte: Kurt Raab &  Ruediger Schmid. Com: Brigitte Mira, Ingrid Caven, Margit Cartensen, Karlheinz Böhn, Irm Hermann, Gottfried John, Peter Kern, Armin Meier, Kurt Raab, Volker Spengler, Y Sa Lo, Lilo Pempeit, Matthias Fuchs.

Emma Küsters (Mira) se vê o centro das atenções da mídia, depois que seu marido assassinou o presidente da empresa em que trabalhava e depois praticou o suicídio. Ao mesmo tempo, sua família se desintegra. O filho, Ernst (Meier), pressionado pela esposa (Hermann), sai da casa da mãe. A filha, Corinna (Herm), que morava em outra cidade, tenta alavancar sua carreira artística às custas do escândalo e passa a morar com o fotógrafo, Niemeyer (John), abandonando igualmente a casa da mãe. Emma, solitária e extremamente fragilizada, acaba buscando consolo no casal de ricos comunistas, os Thälmanns (Böhn e Carstensen), que a utilizam com fins políticos. Algo para o qual alerta o anarquista Knab (Fuchs), que prefere a ação.

Mesmo considerada uma obra menor na filmografia do realizador alemão, trata-se de um filme que trabalha exemplarmente com algumas preocupações político-afetivas de modo grandemente cru e anti-sentimental como é habitual de Fassbinder. O que se torna mais extraordinário é que mesmo a protagonista sendo explorada do início ao final, tanto na esfera doméstica (o egoísmo dos filhos e agregados, bastante próximo, ao menos nos momentos iniciais, do descrito por Ozu em Era Uma Vez em Tóquio) quanto pública (seja pelo sensacionalismo da mídia ou pelos comunistas e anarquistas, numa crítica que não poupa ninguém, seja o livre mercado, seja o oportunismo da esquerda), ela não é inconsciente desta exploração. A certo momento, quando indagada se sabe se encontrar sendo utilizada pelo casal comunista (vivido pelos mesmos atores que viveram a relação sado-masoquista em Martha, realizado pouco antes), Küsters afirma ter plena consciência de ser uma troca, em que ela recebe carinho e apoio, mas evidentemente tem uma contraparte que deverá oferecer ao casal,  representando o próprio mote básico que cimentaria as relações humanas, como defendeu – sem cinismo - Fassbinder ao longo de sua carreira. A criativa seqüência final apenas descreve, sob a forma de roteiro, o trágico desenlace da ação armada em que a protagonista se vê envolvida juntamente com o grupo anarquista. Releitura não somente do conto de Zille, como de sua adaptação, de forte tom melodramático, efetivada pelo cinema alemão nos anos 1920.  Avesso a sutilezas, o filme descreve, por exemplo, o desejo de fama de Corinna, metáfora para uma recente sociedade com fome de mídia, de forma conscientemente caricata – no reencontro com a mãe, sua atenção está menos voltada para aquela do que para a câmera de seu futuro amante. Fundamental para o sucesso do filme é o elenco habitual que participava das produções do momento de Fassbinder e sua interpretação não naturalista, quase teatral. Filmverlag der Autoren/Tango Film. 120 minutos.

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