Filme do Dia: Madame Satã (2002), Karim Aïnouz

 


Madame Satã (Brasil/França, 2002). Direção e Rot. Original: Karim Aïnouz. Fotografia: Walter Carvalho. Música: Sacha Amback. Montagem: Isabela Monteiro de Castro. Dir. de arte: Marcos Pedroso. Figurinos: Rica Murtinho. Com: Lázaro Ramos, Marcélia Cartaxo,   Flávio Bauraqui, Felippe Marques, Emiliano Queiroz, Renata Sorrah, Guilherme Piva, Ricardo Blat, Gero Camilo.

No Rio dos cortiços, prostitutas, malandros e valentões da década de 1930 sobressai-se a figura de João Francisco dos Santos (Ramos). Homossexual assumido, ele enfrenta com violência todas as formas de discriminação que a sociedade procura lhe impor. Seja a cantora de cabaré Vitória dos Anjos (Sorrah), para quem trabalha como assistente de camarim e que admira e imita secretamente, e que acaba por quase matar num acesso de fúria, após ser humilhado. Seja o delegado de polícia que pretende prende-lo pelo dinheiro que retirou do cabaré por não ser pago a meses ou ainda o homem (Blat), que após sua apresentação em um bar da Lapa, que lhe xinga e ele mata, o que lhe leva a dez anos de prisão. Na vida íntima, oscila entre a meiguice com a filha da prostituta Laurita (Cartaxo), o amante Renatinho (Marques) e a própria Laurita e a brutalidade com que as vezes trata tanto a prostituta quanto Renatinho e Taboo (Bauraqui), homossexual travestido que é completamente subserviente a João Francisco. Após sair da prisão, sabe através de Laurita da morte de Renatinho. Volta a fazer sucesso na noite e no carnaval carioca, incorporando a personagem de Madame Satã, baseado em grande sucesso do cinema americano dirigido por DeMille.

Aïnouz procurou não explorar somente o sensacionalismo e a crônica policial de seu personagem que realizar um belo e sensível retrato da marginalidade, em que a violência é apenas mais uma das estratégias de sobrevivência necessárias no universo dos retratados. Distanciando-se, igualmente, da mistificação exacerbada, consegue um retrato profundamente humano de Satã, ao mesmo tempo acentuando sua afirmação enquanto negro, pobre e homossexual, mas nem por isso deixando de omitir sua própria crueldade e frustração. Entre seus melhores momentos encontram-se a festa preparada por Taboo e Laurita para recebe-lo de volta da prisão e o momento em que, frustrado, é embalado nos braços de Laurita. Além de uma segura direção de atores, com destaque para Ramos, assim como as interpretações de  Cartaxo, Bauraqui, Ribeiro e Sorrah, o filme conta ainda com uma bela fotografia esmaecida e uma boa seleção de canções para recriar a atmosfera da época. Como retrato do universo de marginalizados sem descuidar de sua faceta humana e sem apelar para a pieguice  aproxima-se de Pixote (1980), ainda que sem as mesmas pretensões realistas do filme de Babenco. Melhor filme no Festival de Chicago. Videofilmes/Wild Bunch/Lumière/Dominant7. 97 minutos.


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