Filme do Dia: As Lágrimas Amargas de Petra von Kant (1972), Rainer Werner Fassbinder
As Lágrimas Amargas de Petra von Kant (Die Bitteren Tränen der Petra von Kant, Alemanha, 1972). Direçã:
Rainer Werner Fassbinder. Rot. Adaptado: Rainer Werner Fassbinder, baseado em
sua própria peça. Fotografia: Michael Ballhaus. Montagem: Thea Eymész. Dir. de
arte: Kurt Raab. Figurinos: Maja Lemcke. Com: Margit Carstensen,
Hanna Schygulla, Katrin Schaake, Eva Mattes, Gisela Fackelday, Irm Hermann.
Petra von Kant (Carstensen) é uma
estilista de sucesso, porém sente um enorme vazio dentro de si. Tudo parece
mudar quando sua amiga Sidonie (Schaake) lhe apresenta a estrangeira Karin
(Schygulla), por quem ela se apaixona perdidamente. Karin, a convite da própria
Petra, passa a morar com ela. Porém, a relação está longe de ser simétrica.
Karin não se dobra à ânsia de Petra por ser amada, enquanto essa a acusa de
oportunismo. O golpe de misericórdia ocorre quando Karin, após revelar que
dormira com um homem negro e desenvolto na cama, decide ir de encontro ao marido em Frankfurt.
Petra, que passa a tratar sua criada Marlene (Hermann), de modo cada vez mais grosseiro,
entra em profunda depressão e é agressiva com Sidonie, sua mãe (Fackelday) e
sua filha (Mattes), quando a visitam. Após um telefonema de Karin, de pazes com
a vida, Petra pede desculpas a Marlene e afirma que vai lhe transformar em sua
parceira nos negócios. Essa arruma suas coisas e parte.
Esse filme demonstra uma guinada na
carreira do realizador em direção abertamente ao melodrama. Tendo como único
ambiente o apartamento de Petra, o filme em nenhum momento pretende esconder
sua origem teatral. Fassbinder adiciona a essa, assim como suas interpretações
tampouco naturalistas um elegante trabalho de câmera que, juntamente com a
elabora mise en scene, serão de
fundamental importância para o desenvolvimento do drama. As relações de poder
na afetividade, tema que a partir de então se tornará grandemente presente na
filmografia do cineasta também se farão aqui mais evidentes. Carstensen talvez
viva a interpretação mais elaborada de sua carreira, a certo momento se
assemelhando a um autômato com sua peruca ruiva e sua pele muito alva atravessada
pelas lágrimas que fazem menção o título (e são uma referência direta ao título
original do filme de Capra O Último Chá do General Yen). A
influência do melodrama clássico norte-americano é mais que evidente e
Fassbinder não se escusa em demonstrá-lo, por exemplo, quando batiza um
personagem com o qual Kant fala ao telefone de Mankiewicz, sendo a dependência
do diálogo nesse seu filme tão forte quanto a dos próprios filmes desse. Porém,
tal influência interessantemente é menos submissa que filtrada para os próprios
propósitos do realizador, que compõe uma narrativa tipicamente distanciada, mas
não despida de afeição por seus personagens. Essa percepção própria do elemento
melodramático pode ser bem representado numa conversa que Petra trava com
Sidonie e lhe afirma algo como “é muito fácil ter pena, o mais difícil é
compreender, porque se você compreende algo, você não tem pena, você o
transforma.” Há uma dimensão universal
nas relações descritas que poderia ser muito bem aplicada em uma relação
homossexual masculina ou heterossexual, como o foi de fato em outros filmes
seus, como A Lei do Mais Forte e Martha, respectivamente, para não dizer
tantos outros. Poucas vezes, no entanto, tais relações estiveram tão
condensadas e absortas de qualquer outra dimensão (como a social, por exemplo,
em O Medo Devora a Alma) quanto
aqui, algo que a compressão temporal e a sensação de claustrofobia apenas
acentuam. É interessante como os homens são referidos apenas em conversas entre
as mulheres, como interlocutores ao telefone ou no quadro que reproduz O Juízo Final no quarto de Petra.
Destaque para as canções de The Platters na trilha sonora, para a presença de
uma ainda adolescente Mattes e para a personagem fundamental vivida por Irm
Hermann, que a tudo assiste como objeto fantasmático, provocando menos a
habitual duplicação do olhar dramático que se pretende incrementar no
melodrama, que a real passividade expectatorial do espectador de um filme e
que, aliás, recusa a aceitar outro papel que não esse. Assim como os figurinos
exóticos da protagonista. Foi filmado em
dez dias. Filmverlag der Autoren/Tango Film para Filmverlarg der Autoren. 124
minutos.
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