O Dicionário Biográfico de Cinema#139: Jean-Marie Straub

 

Jean-Marie Straub, n. Metz, França, 1933

1963: Machorka-Muff (c). 1965: Nicht Versohnt [Os Não-Reconciliados] (c)*. 1967: Chronik der Anna Magdalena Bach [Crônica de Anna Magdalena Bach]. 1968: Der Braütigam, die Komödiantin und der Zuhälter [O Noivo, a Comediante e o Cafetão] (c). 1970: Les Yeux ne Veulent Pas en Tout Ttemps se Fermer [Othon]. 1972: Leçons d'Histoire [Aula de História]. 1975: Moses und Aron [Moisés e Aarão]. 1976: Fortini/Cani. 1979: Dalla Nube alla Resistenza [Da Nuvem à Resistência]. 1982: Trop Tôt/Trop Tard [Cedo Demais/Tarde Demais]. 1983: En Rachâchant (d); 1984: Klassenverhaltnisse [Relações de Classe]. 1986: Tod des Empedokles [A Morte de Empédocles]; Schwarze Sunde. 1989: Cézanne. 1992: Antigone [Antígona]. 1994: Lothringen! (c). 1997: Von Heut auf Morgen. 1999: Sicilia! [Gente da Sicília]. 2001: Operai, Contadini. 2003: Il Ritorno del Figlio Prodigo. 2004: Une Visite au Louvre [Uma Visita ao Louvre]. 2006: Quei Loro Incontri [Esses Encontros com Eles].

Straub é um expoente extremo e austero de cinema minimalista.  A sua é uma tentativa de esclarecer a natureza do seu meio, e nenhuma tarefa tem a mesma probabalidade de perturbar ou ofender as pessoas que se consideram familiarizadas com o meio. O cinema tem sempre aderido a sua própria reputação como uma forma de entretenimento narrativo popular para públicos amplos. Mas dentro dessa abordagem, tem frequentemente aparecido inconsistências: por exemplo, plateias respondem tanto a fotografias particulares e recorrentes de Garbo, Gable, escuridão e pele, como as histórias nas quais figuravam. O que nos faz pensar de como a história é invariavelmente o efeito de um modo de escolha de filmar. O meio é fortemente baseado na decisão e, portanto, sempre há um permanente elemento formal nele. 

Nessa perspectiva, o filme é uma sucessão de imagens paradas que parecem se mover, e mais apropriado chamá-lo de sequencia de fotogramas que de narrativa. Cada fotograma possui seus próprios contornos e formas. Estas formas podem alterar durante a sequencia de fotogramas de um plano. Há mais um tipo inevitável de ordem na sequencia de planos dentro de um filme. E apesar da obra de Straub ter alarmado públicos e ser apreciada por relativamente poucos, é construída sobre a asserção que no cinema respondemos a estas sequencias; esta composição, luz, movimento e som jogam em cima de nossos pensamentos e sentimentos. 

O que emerge das mãos de Straub são filmes que são compostos por pura necessidade, com um câmera ao nível do olho, não preconceituosa, olhando diagonalmente para eventos não arranjados e cenários despojados, com pessoas que não são atores ou charmosos, não profissionais que falam seus diálogos sem entonação ou personalidade. Ele reassegura a realidade e espera somente registrá-la. Daí sua insistência no som vigente e nas aparências não trabalhadas. 

Há um paradoxo na obra de Straub nisso, de um ponto de vista político, que é o intento destituído de humor em realizar filmes para um público total, de maneira a radicalmente incrementar as atitudes de suas próprias vidas. No entanto, o cuidado formal que é rigoroso, exigente, admirável - tem indubitavelmente carregado seus filmes para um grupo bastante seleto que apoia a música, a pintura e a literatura modernas. O potencial vivo do cinema, como o vejo, é o tamanho de um  público, a forma que ilumina, sem resolver a confusão entre realidade e fantasia, e o modo como pode contribuir rumo a uma sociedade de espectadores observadores e críticos. Embora admire Straub, não posso ficar convencido que sua busca descompromissada de independência não seja auto-indulgente. Apesar disso, é um purista intenso e uma eminência austera. 

Estudou literatura em Estrasburgo e Nancy e manteve uma sociedade fílmica em Metz, onde efetuou a crucial descoberta da abstração de Les Dames du Bois de Boulogne [As Damas do Bois de Boulogne], de Bresson. Já marcado por influências francesas e alemãs, foi para Paris em meados dos anos 50 e trabalhou como um assistente em La Tour de Nesle [A Torre do Prazer] (54, Abel Gance), French Can Can (55, Jean Renoir), Eléna et les Hommes [Estranhas Coisas de Paris] (56, Renoir); Le Coup du Berger [O Truque do Pastor] (56, Jacques Rivette); Un Condamné à Mort s'est Écchappe [Um Condenado a Morte Escapou] (56, Bresson); e Une Vie [Uma Vida] (58, Alexandre Astruc). Casou-se com Danièle Huillet, sua posterior colaboradora, e abandonou a França para evitar o serviço militar na Argélia.

Desde então, tornou-se o seguidor obstinado de seu próprio caminho e, neste evento, uma inspiração para o Novo Cinema Alemão. Suas preocupações formais tornam qualquer sinopse de seus filmes cômica e desnecessária. Há um bom e entusiasmado livro  de Richard Roud. Mas os filmes de Straub necessitam serem vistos e ouvidos, várias vezes, para que sua plena complexidade e seus possíveis limites se tornem claros.

Seus dois primeiros filmes são derivados de obras do romancista alemão Heinrich Böll. O filme de Bach levou dez anos de preparação e realização, um estudo meticuloso de autenticidade do período e som fidedigno, uma intrigante celebração de Bach aberta à diversidade de sugestões aleatórias que ocorram enquanto é assistido. Como poucos filmes, traz o espectador de volta a si mesmo. O Noivo, a Comediante e o Cafetão emergiu de um convite para Straub de dirigir uma peça que previa o corte de duas horas para cerca de dez minutos. Desde então, tem filmados peças de Corneille e Brecht, com trajes de época, mas cenários desavergonhadamente modernos. Depois fez uma gravação há muito tempo nutrida de uma ópera de Schoenberg,  Moisés e Aarão, que enfatiza a luta entre palavra e imagem. 

Sua austeridade pode ter deixado lacunas em sua distribuição, e os próprios filmes são geralmente difíceis de encontrar. Mas ninguém seriamente interessado em cinema deveria negligenciá-lo ou as questões teóricas que os frequentam.

Huillet morreu em 2006. O casal havia vivido junto, sem crianças, e pareciam ter compartilhado toda a obra.

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of the World. Nova York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 2553-56. 



N. do T: embora conste o indicativo de ser um curta-metragem, é um filme de 55 minutos. 

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