O Dicionário Biográfico de Cinema#183: Al Pacino

 



Al Pacino (Alberto Pacino), n. Nova York, 1940

Ele é o "Grande Al" hoje para o público e também para os atores, não importando que seja um homem pequeno. Apenas o tamanho interior ultrajante - vontade perversa - poderia ter escapado com Scent of a Woman [Perfume de Mulher]. De alguma forma, ele transmite o encanto e a carência de um inválido perigosamente recuperado. Com rara e doce furtividade, tem se insinuado a si próprio como um de nossos grandes atores. Ele é muito mais acessível e sedutor que De Niro ou Hoffman. Ele aprendeu a ser sedutor. Mas ele não pode se livrar daquela tênue proximidade do sinistro. Não estou certo que tenha tentado. Interpretando Michael Corleone vazar tão longe de seu sistema? Mas Michael é o grande papel do cinema americano moderno, e ainda vive com Pacino.

Quando a televisão americana remixou ambas as partes de The Godfather [O Poderoso Chefão], em 1977, e as dispôs novamente em ordem cronológica, um erro notável emergiu. Enquanto Brando e De Niro ganharam Oscars nos filmes - por performances notáveis - Al Pacino permaneceu não premiado. No entanto, ele domina a obra. Enquanto a história avança, o Michael de Pacino trai valores e gentilezas com arrepiante isolamento, e transforma o espetáculo social da glória imigrante em um amargo drama de câmera. Mas ele transforma o veneno da vingança e da paranoia em absolutamente persuasivos. Coppola pode ter esperado por um distanciamento crítico no filme, mas seu herói letal comanda o tom com uma auto-piedade que necessita ordenar tais execuções. Ele é o tirano de poltrona, natural para um meio que nos torna cúmplices sentados de cada morte testemunhada.

Pacino chegou ao Poderoso Chefão (72, Francis Ford Coppola), como quase um neófito. Havia feito somente Me, Natalie [Uma Garota Avançada] (69, Fred Coe) e Panic in Needle Park [Os Viciados] (71, Jerry Schatzberg), filmes peculiares de um ator considerado digno de um empreendimento off-Broadway. Aparenta um tanto menos de 30 anos na primeira hora de O Poderoso Chefão. É um herói chegando em casa da guerra, quase tão verde quanto Robert Walker em The Clock [O Ponteiro da Saudade]. Irmãos e mafiosos provocam sua boa índole; é tímido para contar a Diane Keaton que a ama pelo telefone diante de uma cozinha repleta de gangsters. Seu cabelo cai sobre sua testa, e seus olhos arregalados parecem muito vagos para terem enfrentado um combate.

Mas já existe uma advertente frieza que aprecia o choque de Keaton quando ele explica  o que seu pai fez ao líder de banda que contratou Johnny Fontane. Neste ponto, Michael já parece rejeitar os modos de sua família, mas a inexpressiva conta de cérebros ou assinaturas no contrato é preenchida com instinto militar. Quando traz a relutante Kay para uma fotografia em família, é um gesto menos de cordialidade romântica que seu plano para a dinastia.

Michael se descobre a si mesmo através da obediência familiar, e é notável nas duas primeiras partes do filme o quão pouco afeto demonstra para ambas as esposas. Ele somente é tocado por pais e filhos. Irmãos primeiro investiga, então humilha e elimina. São demasiado rivais para sua sucessão. Quando Don Vito é baleado, é Michael que ocorre visitá-lo no hospital e toma conhecimento de uma trama para assassinar o pai. Com outro visitante ocasional, o tímido Enzio, ele afasta os assassinos com uma ousada dissimulação. Os dois homens pequenos montam guarda nas escadarias do hospital e o carro dos marginais se afasta frustrado. Os nervos de Enzio estão em frangalhos, e ele mal pode acender um cigarro. Mas Michael percebe o quão segura estão suas mãos quando ajuda a acendê-lo. Nunca menciona este auto-controle a ninguém no filme, mas Pacino reage no instante e proporciona uma satisfação intelectual à sangue-frio. 

Quando o policial velhaco de Sterling Hayden chega, Michael exulta sua própria punição física. Pacino pode irradiar morbidez espiritual, e martiriza-se apaixonadamente. O efeito em seu rosto delicado é pavoroso. Inchaço e hematomas permanecem ainda no seu exílio siciliano. Demonstram a maturidade brutal e o sofrimento, mas é também uma premonição da maleficência de Michael. As feridas se transformam em várias reentrâncias de compromisso, mentira e manipulação. E nos preparam também para a sonata de primeiros planos da Parte II, quando a face espreita parcialmente nas sombras. Não precisa de ninguém e rejeita e recusa os negócios honestos. Então é o homem que se esconde por trás do olhar do obelisco de um deus desmoralizado. Se atuar no cinema é permitir que a câmera observe dentre ou através da superfície, então Pacino conquistou algo notável, pois leva O Poderoso Chefão de um estudo sobre o mundo da ação para o devaneio imóvel de um tirano solitário.

Suas outras obras apresentam as variações da cena cinematográfica e o ativo negociável de romantismo temperamental da persona nas telas de Pacino. Scarecrow [O Espantalho] (73) foi outra alegoria ruidosa de Jerry Schatzberg, uma tentativa de um poeta vagabundo que finda em silêncio depressivo. Em Serpico (73, Sidney Lumet), também, outro personagem diz de Pacino "ou você explodirá ou ficará como um catatônico". As explosões não são convincentes ou comovedoras e é um fascinante exemplo do aberto realismo de Nova York sucumbindo à introspecção do ator. Lumet pode ter desejado um drama vívido de policiais na cobertura e encobrimentos de uma cidade grande. Mas Pacino desviou-o em uma balada de um hippie triste e reservado. É o filme mais atraente dele, uma pose hipócrita. 

Dog Day Afternoon [Um Dia de Cão] (75, Sidney Lumet) foi o menos contido de seus filmes, mesmo que sua desordenada beleza ajude a explicação da nervosa excitação do ardente assaltante a banco. Mais desafiador foi Bobby Deerfield [Um Momento, Uma Vida] (77, Sydney Pollack), no qual capturou a insegurança austera, quase frígida, de um piloto de corridas que possui ternos de luxo. Deerfield está escondido da dor e complicação; anseia por um circuito livre de erros, no qual se misture com sua máquina. Usará de tudo para se encobrir ou se defender: carros, capacetes, óculos escuros, indiferença. Uma vez mais, sua palidez mal parece capaz de subjugar um interior escuro, às vezes apenas ansioso e perplexo, mas às vezes equiparado à decadência. Pacino frequentemente protege sua face com suas mãos, como se temesse a perda, ferir-se ou ser visto. Sua identidade é agudamente vulnerável nele e, tanto quanto o espancamento suportado em O Poderoso Chefão, em Serpico é baleado no rosto. Esta represália afeta seu discurso, e ele possui uma variedade de truques labiais e de voz que sugerem subterfúgio. Bob Deerfield é de Newark, e os dispositivos para disfarçar um lamento de Nova Jersey são muito astutamente introduzidos. Ele nunca soa adulto o bastante. 

Mas o melhor de tudo, neste filme, no entanto, é o momento que Marthe Keller desafia-o a arriscar sua preciosa celebridade - tão duro e sobrecarregado quanto uma tartaruga - andando por uma rua florentina sem suas sombras. O modo como Pacino carrega a indignidade de não ser reconhecido é divertida e tocante. E é uma cena comovente em um filme inesperadamente mordaz. Demonstra o quão cativante Pacino pode ser, se deixa seu charme solto, e o quanto precisa do conflito interno de se proteger contra sua beleza e tentar torná-la maligna. 

Nos anos 80, Pacino parecia algumas vezes como um homem em um quarto escuro, temendo monstros nos cantos e buracos no chão - talvez, secretamente, estivesse empenhado em interpretar um cego. Esteve distante das telas por longos períodos; atreveu-se a empreendimentos teatrais; alguns de seus filmes foram fracassos estrondosos; e, no entanto... o culto a Pacino cresceu. Quando "retornou" às telas, enquanto o policial cansado do mundo em Sea of Love [Vítimas de uma Paixão] (89, Harold Becker) ele não podia deixar de parecer um ator desencantado se perguntando se o melodrama rebuscado aguentaria. Mas nos cinemas foi fácil sentir o alívio e o prazer da audiência que ele estivesse de volta. O olhar triste e irônico na face de Pacino hoje inspira amor.

Foi um advogado agitado em ...And Justice for All [Justiça para Todos] (79, Norman Jewinson); um escritor com problemas no amor e no casamento no desapontador Author!Author! [Autor em Família] (82, Arthur Hiller); e foi objeto de protestos gays quando interpretou um tira em Cruising [Parceiros da Noite] (80, William Friedkin). Conjuntamente, estes filmes foram, na melhor das hipóteses, marcados por seu tempo. Mas em Scarface (83, Brian De Palma), Pacino não deixou dúvidas: ele era cubano agora, balbuciando o sotaque como se fosse um morango quente após o outro; foi extrovertido, ranzinza, um exibicionista. Tony Montana foi emocionante do início ao final - monstruoso, operístico, exagerado, mas cheio de detalhes e um inesquecível amor de vida. 

Aliás, o filme seguinte - Revolution [A Revolução] (85, Hugh Hudson) foi um terrível engano, uma história boba, um sotaque vil, e o objeto de muito abuso. Portanto, Pacino esperou quatro anos antes do modesto Vítimas de uma Paixão, onde foi sustentado pelo diálogo chocante de Richard Price e a figura sexy de limão azedo de Ellen Barkin - Pacino sempre fez falas brilhantes, mas agora ele possuía um apetite por sexo.

Possui uma participação-relâmpago em Dick Tracy (90, Warren Beatty), a melhor interpretação no filme. Então, retornou enquanto um velho e contrito Michael Corleone em The Godfather Part III [O Poderoso Chefão III] (90, Coppola). O conceito deste terceiro filme é que Michael havia mudado - essa pôde causar danos fatais ao tornar Michael tão atraente. Mas a versão III lançada nos cinemas foi tão apressada que a interpretação de Pacino sofreu; ele está muito mais tocante na versão posterior em vídeo. 

Pacino fez então dois filmes nos quais foi mau escalado, mas nos quais desafiou o "erro" e nos fez gostar do resultado: Frankie and Johnny (91, Garry Marshall) e Perfume de Mulher (92, Martin Brest). A noção de Pacino e Michelle Pfeiffer como pessoas monótonas que trabalham em um restaurante e parecem incapazes de estabelecer um romance se situam entre as auto-ilusões hollywoodianas mais selvagens: Pacino e Pfeiffer são wagnerianos em sua grande paixão. 

Em Perfume de Mulher, Pacino foi instado a interpretar um militar autoritário e cego, próximo do suicídio, mas que saiu um pouco de si ao passar o final de semana com jovens aprendizes. O filme é absurdo. Nenhum exército que se preze contrataria Pacino como espião, muito menos como oficial. O filme dura duas horas e meia em um história um tanto frágil! E Pacino tornou-a um sucesso, trouxe o tango de novo à moda e ganhou um Oscar - seu primeiro, após sete indicações!

Uma outra coisa deve ser dita sobre o culto a Pacino: foi produtor e aparentemente carrega consigo um curta-metragem de ficção, The Local Stigmatic, de uma peça de Heathcoat Williams, no qual interpreta um sequioso pelo poder. Este filme é a paixão de Pacino. Ele o exibiu para pequenos grupos pessoalmente. Acredita nele de modos dificéis de explicar: é um estudo sobre a maldade, e seu segundo tema é pô-la em prática. Vi-o e penso que é desastroso de diversas maneiras - no entanto, é fascinante, e vitalmente importante para o homem  que é nosso maior ator hoje. 

Foi um vendedor em Glengarry Glen Ross [O Sucesso a Qualquer Preço] (92, James Foley). Em 1993, Pacino se reuniu com De Palma para Carlito's Way [O Pagamento Final], mas o resultado somente ajudou a ilustrar o declínio de De Palma e a fraco de Pacino por velhos comparsas. 

Com seu Oscar, finalmente, Pacino relaxou, assumiu pretensões ou resolveu se divertir? Seja qual for a resposta, sua obra tem sido bastante misturada: sentimental, como o avô, em Two Bits [Um Dia para Relembrar] (95, Foley); demasiado macho e arrogante em Heat [Fogo Contra Fogo] (95, Michael Mann), onde De Niro o trata da forma que Robinson habitualmente manipulava La Motta; menos do que crível em City Hall [City Hall: Conspiração no Alto Escalão] (96, Becker); soberbo em Donnie Brasco (97, Mike Newell); muito exagerado, mas divertido em The Devil's Advocate [O Advogado do Diabo] (97, Taylor Hackford); novamente, atitude em excesso em The Insider [O Informante] (99, Mann); não plausível como técnico de futebol americano, mas bastante apreciável em Any Given Sunday [Um Domingo Qualquer] (99, De Palma*)

Também dirigiu a estranha mistura shakesperiana, Looking for Richard [Ricardo III - Um Ensaio], e realizou um filme mais privado, Chinese Coffee (00).

Com falhas e tudo, ele ainda é imperdível, e se lamento o caminho que tomou em Fogo Contra Fogo, não pude parar de assistir o filme; foi deprimido em Insônia [Insônia] (02, Christopher Nolan); Simone; People I Know [O Articulador] (02, Daniel Algrant); The Recruit [O Novato] (03, Roger Donaldson); Gigli [Contato de Risco] (03, Brest); como Ray Cohn em Angels in America [Anjos na América] (03, Mike Nichols); como Shylock em The Merchant of Venice [O Mercador de Veneza] (05, Michael Radford).

A carreira em curso está perto da caricatura e vergonha, e só marginalmente menos árida que a de De Niro. Os filmes são, em ordem de observar - como devem se sentir se vocês estivessem trabalhando neles?: Two for the Money [Tudo por Dinheiro] (05, D.J. Caruso); Ocean' s Thirteen [Treze Homens e um Novo Segredo] (07, Steven Soderbergh); 88 Minutes [88 Minutos] (08, Jon Avnet); interpretou Jack Kervokian em You Don't Know Jack [Você não Conhece o Jack] (10, Barry Levinson); The Son of  No One [Anti-Heróis] (11, Dito Montiel); Stand Up Guys [Amigos Inseperáveis] (12, Fisher Stevens); como Phil Spector (13, David Mamet), dançando com o absurdo; como Herodes, em sua própria versão de Salomé (13); Manglehorn (14, David Gordon Greene); Imagine (14, Dan Fogelman).

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 2001-07.


(*) N. do E:No IMDB, o crédito de direção é de Oliver Stone.


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