Filme do Dia: Parceiros da Noite (1980), William Friedkin

 


Parceiros da Noite (Cruising, EUA, 1980). Direção: William Friedkin. Rot. Adaptado: William Friedkin, a partir do romance de Gerald Walker. Fotografia: James A. Contner. Música: Jack Nitzsche. Montagem: Bud S. Smith & M. Scott Smith. Dir. de arte: Bruce Weintraub & Edward Pisoni. Cenografia: Robert Drumheller. Figurinos: Robert De Mora. Com: Al Pacino, Paul Sorvino, Karen Allen, Richard Cox, Don Scardino, Joe Spinell, Jay Acovone, Randy Jurgensen.

Steve Burns (Pacino) é um detetive de polícia exemplar que é convidado por seu superior, Edelson (Sorvino) a ingressar no universo gay nova-iorquino, tendo como objetivo descobrir quem é o assassino serial que vem provocando mortes na comunidade. Quando se encontra alojado em um bairro predominantemente gay, torna-se amigo de um, Ted Bailey (Scardino) e tem dificuldades de explicar a situação para sua namorada, Nancy (Allen), que prefere que eles se separem por um tempo. Após um assassino ser pego por Steve, em um encontro no qual serve de isca, descobre-se logo após a morte de Bailey, esfaqueado.

Se a primeira imagem dos patrulheiros em uma viatura policial é evocativa do pioneiro filme para grande público a retratar elementos da noite nova-iorquina (Perdidos na Noite), seu desfile de tipos noturnos pelas janelas de um carro é mais evocativa da ideia de uma decadência mais ampla, moral, que valeria não apenas para os indivíduos mas como para sociedade como um todo (Taxi Driver). Boa parte do atrativo ou frisson do filme quando de seu lançamento deveria advir de se ter Pacino personificando um personagem infiltrado no meio gay, transformação essa, por sinal, que seria bem típica do modelo Actor’s Studio, do qual Pacino representa uma continuidade, com todo um empenho, inclusive físico, para ganhar músculos, embora ele não mude tanto sua caracterização além de pintar as sobrancelhas. Pelo contrário, o ator (e, subsequentemente, seu personagem) parecem muito pouco à vontade, com o papel que devem representar e é muito pouco verossímil que circulando pelos ambientes tais como apresentados pelo filme, Steve não tenha sido assediado de forma mais enfaticamente física. Se o foi, o filme resolveu deixar de lado essa imagem, ficando do lado de fora com os policiais que acompanham o encontro de Burns com o possível assassino – quando eles chegam, esse se encontra amarrado, praticamente nu e de bruços, mas não se sabe até que ponto sofreu ou não algum tipo de contato sexual. E, a determinado momento, não deixa de ser quase cômica a necessidade de Steve (ou seria do narrador do filme?) de reafirmar sua sexualidade ao fazer sexo outra vez com sua companheira após uma temporada imerso na cultura gay, como um soldado de licença em meio a guerra.  A descrição sensacionalista e voyeurística da promiscuidade e violência da noite gay da maior metrópole estaduniense não apenas soa excessivamente fake como irritaria profundamente a comunidade homossexual, que fez piquetes contra o filme, não apenas quando de sua exibição, mas  ainda  em processo de filmagem. De fato, mesmo  sendo quase integralmente colado ao ponto de vista de Steve, observa-se sempre como o assassino alicia suas futuras vítimas e o momento dos crimes. A sessão de torturas com o suspeito pela polícia é constrangedora, enquanto praticamente naturaliza as práticas de violência contra gays. E, a determinado momento, o próprio Steve age com uma violência mais explosiva que a do assassino, que prefere cantar uma canção antes de esfaquear suas vítimas. E, quando finalmente atrai o criminoso tal como esse atrai suas vítimas, é ele quem o esfaqueia, apenas invertendo a ordem, quando poderia certamente haver outro método de detenção, se os policiais inclusive tinham a impressão dele em um dos casos de morte. Mesmo com todos os seus excessos, como o de apresentar três assassinos em um circuito social próximo, agindo praticamente ao mesmo tempo – sendo um deles inclusive vítima do outro – o filme também flerta com a possibilidade do próprio Burns ser o terceiro, pista que pode ser construída a partir de seu nervosismo atormentado ao encontrar seu superior e a violência com que se defronta com o parceiro de seu vizinho, assim como seu olhar algo oblíquo e misterioso para o espelho (e para a câmera) ao final. E o seu superior, que a pouco o congratulara pela ação da descoberta de um dos assassinos, em menos de um minuto se depara com o policial que fora acusado de sabotar travestis para fazer sexo com ele e com a descoberta que Burns morava em um apartamento próximo ao da vítima. Portanto, o “mal” que parece ser observado a partir de um olhar de fora durante todo o filme, dá mostras em pequena ou mesmo grande escala de se encontrar  muito além do que os estereótipos e demarcações sociais assim o pretendem.  Dentre as cenas que complicaram o filme junto às censuras de diversos países estão a que se observa alguem ensaboando a mão antes de penetrar outro em um clube noturno, assim como outras evocações de felação, sexo anal e sado-masoquismo. Lorimar Film Ent. para United Artists.  102 minutos.

 

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