Filme do Dia: Interlúdio de Amor (1973), Clint Eastwood
Interlúdio de Amor (Breezy, EUA, 1973). Direção: Clint Eastwood. Rot. Original: Jo Heims. Fotografia: Frank Stanley. Música: Michel
Legrand. Montagem: Ferris Webster. Dir. de arte: Alexander Golitzen. Cenografia: James W.
Payne. Figurinos: Joanne Haas & Glenn Wright. Com: William Holden, Kay
Lenz, Roger C. Carmel, Marj Dusay, Joan Hotchkis, Jamie Smith-Jackson, Norman
Bartold, Lynn Borden.
Resignado a viver relações casuais o
recém-separado Frank Harmon (Holden) tem sua rotina pessoal afetada quando
inesperadamente surge uma jovem hippie Breezy (Lenz), que após pegar uma
malfadada carona com um homem que apenas pretende fazer sexo com ela,
aproxima-se e apaixona-se por Harmon. Esse, ainda que relutantemente, também se
envolve emocionalmente com ela.
Interessante filme do momento inicial
da carreira de Eastwood como realizador – fazendo, inclusive, menção a sua produção
imediatamente anterior (o cartaz de O
Estranho sem Nome é observado no
cinema que o casal vai ver um filme) – sinalizando para dois aspectos da
carreira futura dele: a alternância entre projetos mais pessoais como esse, por
sinal comercialmente malfadado dentre outros de maior potencial apelo comercial,
e o relativo talento para a lida com histórias românticas que será desenvolvido
muito posteriormente em As Pontes de
Madison. Dito isso, por mais que o filme consiga demonstrar a sensibilidade
do realizador com o tema, trabalhado de forma distintamente casual e longe de
melodramática, alguns elementos o enfraquecem, e torna a expectativa criada
inicialmente, aos poucos ser enfraquecida pelos mesmos. Talvez a sua principal
fraqueza seja a elaboração de uma personagem feminina demasiado dependente e
pouco autônoma em relação ao seu parceiro masculino da idade de ser seu pai,
como chega a ser confundido numa loja. De fato a Breezy de Lenz é somente
sorrisos, acolhida ou lágrimas, quando é recusada pelo Harmon de Holden. Se a
situação fosse inversa, sendo uma mulher mais velha a acolher um rapaz mais
jovem, talvez não tivesse sido recebido com semelhante naturalidade. O filme, por si só, parece ser produto de uma
mescla entre apropriações do cinema clássico hollywoodiano, ou melhor,
continuações dessa tradição, não apenas no plano dramatúrgico, mas igualmente
de produção (Holden, o diretor de arte Golitzen) com a produção independente de
baixo custo contemporânea e seus profissionais associados sobretudo a TV, como
é o caso de praticamente todo o elenco, incluindo Lenz. Se da parte do homem
estabelecido e maduro que é Frank, ainda que em um dos diálogos mais
inteligentes do filme ele próprio afirme não existir algo como maturidade,
existe algum estranhamento com as roupas e a falta de asseio de sua Lolita, da
parte dessa existe um encantamento sem reservas com a segurança e comodidade do
lar burguês que Frank agrega. Não se é capaz de divisar nada da própria Breezy
que não vá além do que ela representa quando se encontra com Frank. Seus
amigos, seu passado e seus valores parecem se diluir de forma tão rápida quanto
o vapor do luxuoso banheiro da casa que a acolhe. Já o mesmo, evidentemente,
não pode ser dito em relação a ele. Afinal, o que parece ficar subentendido é
que se Breezy se encontra com ele, automaticamente não mais se relaciona com
seus amigos “idiotas” como Harmon os categoriza. Então sua vida social passa a
ser o amante. Se o melhor amigo de Harmon afirma que inveja sua capacidade de
estar pouco ligando para o que todos acham, não é exatamente o que se percebe
da tensão do mesmo ao encontrar os
amigos ou a ex-esposa. Se Eastwood
consegue lidar com relativa segurança na apresentação do amor que “redimirá” o
seu aparentemente seco personagem da vida estéril que leva, algo que se
reproduz no meio social de seus amigos, fica a dever quando se pensa na
possibilidade latente em que o embate entre duas gerações tão significativas da
cultura americana poderia ser trabalhada de forma menos superficial que a dos
comentários sobre o colega de trabalho de Harmon sobre um grupo de hippies.
Para complicar um pouco mais, a trilha sonora e as canções compostas por Michel
Legrand sinalizam para uma apropriação sentimental e fácil do envolvimento
afetivo do casal, traçando o que separa a utilização mais efetiva de sua carga
romântica a partir de uma leitura irônica, nuançada, realista e complexa por um
realizador como Demy (Os Guarda-Chuvas
do Amor) de uma aproximação do romantismo-ilusionismo em tons mais
convencionais como o aqui presente (ou o do contemporâneo, e mais bem
conseguido em termos musicais, Noite
Americana, de Truffaut). Talvez uma comparação um pouco menos perversa seja
a da geografia de uma Los Angeles movida a quatro rodas, sobretudo em seu
início, e aquela apresentada pelo mesmo Demy em O Segredo Íntimo de Lola, por mais que aqui a cidade esteja longe de
conseguir a ressonância presente naquele, servindo mais como ilustração para
situações de diálogos entre os personagens. De toda forma, não deixa de existir
momentos de forte intensidade para uma produção norte-americana do gênero, como
o que uma Breezy desnuda se entrega aos braços de Harmon. Fica-se, no entanto,
sempre com a impressão de que o filme se encontra mais próximo do universo de
Spielberg ou a dois passos de um filme-tema no estlilo de Hal Ashby (Ensina-me a Viver) que de
Cassavetes. Uma última lição que
Eastwood poderia ter aprendido com Demy e os filmes românticos de maior impacto
(o faria em As Pontes de Madison) é que toda história de amor de
ressonância dramática é aquela que de
fato não vinga, o que não se trata exatamente do apresentado aqui ao final, por
mais que o título brasileiro pareça sinalizar o oposto. The Malpaso Co. para
Universal Pictures. 106 minutos.
Comentários
Postar um comentário