Filme do Dia: Film, the Living Record of Our Memory (2021), Inés Toharia Terán

 


Film, the Living Record of Our Memory (Canadá/Espanha, 2021). Direção e Rot. Original Inés Toharia Terán. Fotografia Daniel Vilar. Música Robert Marcel Lepage. Montagem Abraham Lifishitz & Inés Toharia Terán.

Para os que já possuem alguma estrada na relação com as imagens em movimento, suas histórias (contidas nos filmes e do próprio meio) esse documentário poderá soar decepcionantemente miscelâneo. Temendo talvez se tornar maçante ao adentrar nos termos ténicos que explicitem mais detalhadamente os processos de preservação ao longo dos tempos, opta-se por uma narrativa que não é erguida pelos próprios realizadores, mas sim por dezenas de vozes de especialistas, entusiastas e historiadores. Um de seus pontos positivos é, em sua pretensão de amplitude, o documentário não se fechar a cinematografias fora do eixo euro-norte-americano. Assim, observa-se rapidamente a crise da Cinemateca Brasileira, um arquivo considerado exemplar para o mundo, segundo a narração, enquanto se observa imagens do abraço que foi dado à instituição. Ou os mexicanos falando que seus filmes de nitrato se encontravam, por muito tempo, em cima de um posto de gasolina. E ainda os africanos discutindo sobre a preservação de sua memória audiovisual, continente que mais adversidades encontra, já que envolve custos razoáveis e a quantidade de filmes produzidos e sua constante deterioração (alguém lembra, que poderia ser associada a dos corpos humanos) se tornando um empecilho ainda maior para o continente mais pobre. É interessante observar na fala desse primeiro depoente sobre o tema, uma preocupação exclusiva com registros documentais, em seu sentido indicial mais estrito. Seja as lutas e enfrentamentos contra o apartheid na África do Sul ou a criação de uma gigantesca barragem. Outra questão, trazida por outro depoente, é que os filmes realizados no continente se encontram espalhados por diversos países, dada as vinculações coloniais e pós-coloniais, e boa parte da produção no continente ter sido produzido ou co-produzida por capital estrangeiro. Dentre esses tópicos que emergem meio que em blocos, ao longo do filme, existe o pioneirismo no trabalho de investimento na preservação liderado por Martin Scorsese e sua Film Fundation, que já conseguiu restaurar cerca de 900 filmes. E que esse projeto tenha se iniciado na década de 1980 não parece uma coincidência, já que foi o momento em que o cinema voltou-se muito fortemente para seu próprio passado. Do outro lado desse espectro, uma arquivologista mexicana fala que na República Dominicana, o filme mais antigo preservado é de 1988! Dentre as obras citadas pelo documentário que foram recompostas pelos arquivos fílmicos existem as canônicas, como Metropolis ou Nasce uma Estrela – caso clássico de descaso que muitos dos estúdios hollywoodianos tinham com o material que produziam – mas também filmes que se tornaram acessíveis, conseguindo observar que havia bem mais que o cânone, como é o caso de Fragmento de um Império em relação aos filmes da vanguarda soviética muda, expandindo esse cânone. O alargamento desse, na fala desse pesquisador, encontra-se associado ao seu valor estético. Logo a seguir, outra trilha ganha um protagonismo equivalente, que é o de se destacar produções de grupos socialmente marginalizados, como é o caso dos afro-americanos nos Estados Unidos. Um dos exemplos citados, de reconhecimento crítico tardio, é As Above, So Below (1973), de Larry Clark, que visualiza uma revolução dos afro-americanos contra o poder branco. E o mesmo se deu, com o hoje referencial Killer of Sheep, restaurado somente em 2007, 30 anos após sua filmagem.  Embora conte com  trechos de Decasia e seu realizador, sente-se falta de olhares outros que não sejam os estritamente institucionais de preservação. O da interação, por exemplo, com as “ruínas” cinematográficas, que não conseguiram ser preservadas em seu contexto material original. Também se chama a atenção para a preservação não apenas de filmes domésticos – muitos deles, inclusive, estritamente vinculados com momentos históricos específicos de seus países – mas também, noutro momento, industriais e corporativos, cinejornais, filmes técnicos, como é o caso da busca de recuperação do que sobrou do extenso material de cinejornais Hearst News ou a Jam Handy Organization (JHO), que representaria para o filme corporativo-industrial, o que as Big Five representaram para o cinema de ficção hollywoodiana. E cuja meca não foi Chicago, Nova York ou Hollywood, mas Detroit. Dentre as curiosidades, um restaurador da obra de Stan Brakhage, de caráter diferenciado, já que as alterações são efetuadas sobre a própria película, observa que um deles foi realizado sobre uma cópia de Irma La Douce. Há uma visualização das tão escritas paper prints dos filmes de Griffith na Biograph, depositados na Biblioteca do Congresso americano para efeitos de direitos autorais, e que serviriam depois para preservar sua produção, quando os negativos de muito já inexistiam. Wenders fala que agora pode reexibir seu O Medo do Goleiro Diante do Pênalti, porque conseguiu ter acesso aos direitos autorais das músicas que utilizou. Possivelmente toda restauração é também uma reescrita do filme, algumas vezes mesmo literal, como quando George Romero melhora a sincronização original de seu A Noite dos Mortos Vivos, tendo falecido pouco depois. O elaborado processo de restauração de Lawrence da Arábia, em que cada um de seus mais de 200 mil fotogramas foram subdivididos em quatro, por conta de seu formato maior de película. E, como um exemplo que seria uma espécie de opus magna do trabalho de restauração foi a da obra de Satyajit Ray, profundamente danificada por um incêndio em Londres, que conseguiu grandes progressos a partir de tecnologia digital – o que não poderia ter sido feito se os negativos danificados tivessem sido jogados no lixo. Outro caso exemplar é a restauração de Memórias do Subdesenvolvimento, que em questão de meses teriam seus negativos irremediavelmente danificados. A restauração dos filmes da vanguardista lésbica norte-americana Barbara Hammer. E também o impacto gerado pela restauração de Sou Cuba, junto aos diretores de fotografia norte-americanos. A criação e preservação de todos os longas realizados dos jogos olímpicos, de 1912 aos anos 1990. E como último tema finalmente é enfrentada a questão do analógico/digital, e o risco maior do último suporte para a preservação.  E para as novas tecnologias que emergem como candidatas a preservar. El Grifilm/Filmoption Int. para Filmoption Int. 120 minutos.

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