Filme do Dia: A Tênue Linha da Morte (1988), Errol Morris

 


ATênue Linha da Morte (The Thin Blue Line, EUA, 1988). Direção e Rot. Original: Errol Morris. Fotografia: Robert Chappell & Stefan Czapsky. Música: Phillip Glass. Montagem: Paul Barnes. Dir. de arte: Ted Bafaloukos.

A estrutura desse documentário, centrada na reconstituição de um crime e no que sucedeu as investigações, baseada sobretudo em depoimentos e encenação com atores, poderiam sugerir uma aproximação com um perfil semelhante, talvez até influenciado pelo próprio Morris,  difundido em programas sensacionalistas de televisão. A diferença é que Morris faz uso de seu habitual estilo sóbrio, mesmo incorporando uma presença maior da música e também da encenação. Tudo é narrado a partir de banais entrevistas realizadas de uma distância padrão e em nenhum momento se apela para o emocionalismo, seja através de recursos como a trilha musical ou dos próprios depoimentos. Com o transcorrer das narrativas e os diversos tipos que surgem, assim como os próprios dois principais envolvidos, a impressão que fica é que a mesma estranheza com que todo o caso foi sendo edificado, sem que nenhuma prova consistente apontasse contra um dos acusados Randall Adams e o perfil problemático do outro que permaneceu solto até perpetrar um homicídio após vários delitos menores, David Harris, parece se estender para a própria sociedade que os gerou e puniu. Mesmo que tal estranheza se encontre distante de tão explícita quanto em Portais do Céu (1978). Há uma forte impressão, após se assistir ao filme, que ele parece menos preocupado em denunciar a podridão de sistemas institucionais no sentido mais amplo tal como o judiciário, educacional ou psiquiátrico, pelo viés liberal, tal como Frederick Wiseman o faria, do que em inocular uma boa dose de estranhamento em suas imagens mais próxima do universo da ficção. Não que através do documentário não se chegue a percepção de que muitas falhas parecem ter sido cometidas ao longo do caso, pois se encontra presente, e bem efetivado, todo um processo investigativo que a própria justiça parece ter se esquivado de apurar, mas que nada de conclusivo ou apaziguador se pode esperar ao final, não existindo propriamente uma verdade mas apenas modos de tentar formulá-la que sejam mais apropriados para cada ocasião, hipótese ou pressão social. A ausência de maniqueísmo faz com que Adams e Harris se detenham por um longo tempo diante da câmera e cada qual, a seu modo, utilize suas “armas” na tentativa senão de convencimento de sua inocência ao menos de sua trajetória problemática – no caso de Harris imputada a morte de um irmão afogado e a rejeição paterna associada a ele após o evento. Mesmo o modo como introduz essa pequena narrativa que, tal como estratégias semelhantes a do universo dos filmes de gênero usadas ao longo do documentário, é evocativa de um flashback, encontra-se longe de tentar criar uma moldura social esquemática para “compreender” seu personagem, tal como faz, por exemplo, o brasileiro Õnibus 174, servindo antes como ilustração auxiliar ao exercício de memória de seu depoente. Apesar do filme não expor diretamente sua crença na inocência de Harris e na culpa de Adams, provocou a reabertura do caso e a liberação da prisão do primeiro e a condenação a morte do segundo, executada em 2004. National Film Registry em 2001. American Playhouse/Channel 4/Third Floor Prod. para Miramax. 103 minutos.

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