Filme do Dia: Marte Um (2022), Gabriel Martins

 


Marte Um (Brasil, 2022). Direção e Rot. Original Gabriel Martins. Fotografia Leonardo Feliciano. Música Daniel Simitan. Montagem Gabriel Martins & Thiago Ricarte. Dir. de arte Rimenna Procópio. Figurinos Marina Sandim. Com Cícero Lucas, Carlos Francisco, Camila Damião, Rejane Faria, Russo Apr, Ana Hilãrio, Juan Pablo Sorin, Robson Vieira.

Uma família negra vivendo em Belo Horizonte nos tempos da posse de Jair Bolsonaro. Deivinho (Lucas) é pressionado pelo pai, Wellington (Francisco), a ser jogador de futebol, embora sonhe secretamente em ser astrofísico. Já Eunice (Damião), pretende sair de casa para viver com a namorada, Joana (Hilãrio). Há várias pedras no meio do caminho, no entanto. A mãe de ambos e mulher de Wellington, Tercia (Faria), não tem mais os mesmos nervos desde que participou de uma pegadinha em um bar envolvendo uma explosão para um programa de TV. Eunice se muda para o apartamento de Joana, após apresenta-la à família, quando o pai se estressa por além de ter percebido o envolvimento das duas, ainda teve seu time perdendo para o da namorada da filha. A situação da família se agrava quando o técnico de futebol Juan Pablo Sorin (Sorin), que mora no mesmo condomínio no qual Wellington trabalha, encontra uma possibilidade de Deivinho ir fazer um teste para fazer parte do clube na sua faixa etária. Porém, os planos de Deivinho são outros. Após ter confidenciado a irmã seus sonhos, ela, juntamente com Joana, pagaram a sua participação em um congresso da área em São Paulo. Só que o dia do encontro coincide com o teste no clube de futebol. O pai, nervoso, pede ao colega Flávio (Apr), que tome de conta do gato da síndica e molhe suas plantas, tarefa tradicionalmente feita por ele há anos, para poder acompanhar o teste do filho. Porém, Deivinho sofre um acidente de bicicleta, não participando nem do teste para o clube nem do congresso há tempos sonhado. O pai, por sua vez, é demitido pela síndica, pois Flávio furtou pertences dela. E Wellington, ex-alcoólatra, diante da escalada rápida de infortúnios, retorna à bebida para extravasar as tensões, após quatro anos, depois de gritar contra o filho. Após chegar completamente embriagado em casa, ele revela sua situação no AA, diante da mulher e da filha. E a noite a família se reúne em torno de um telescópio improvisado, feito com material reciclado, por Deivinho.

Tocante na forma como entretece, de forma agridoce, o cotidiano de uma família em um momento político adverso, no geral, à mesma, porém deixando de lado qualquer panfletarismo inócuo – nenhum personagem realiza qualquer comentário político direto e o que mais se aproxima de um discurso pretensamente progressista, Flávio, é também um evidente salafrário. E se o título emerge de um projeto ambicioso de colonização de Marte, nele se reflete o desejo e o sonho de um garoto negro no país, e obliquamente nos faz pensar no aumento da disparidade entre o desejo e a concretização do sonho. Assim, observamos momentos da posse de Bolsonaro com Wellington e Flávio almoçando suas marmitas, mas nenhuma fala é pronunciada.  E se as interpretações são muitas vezes não mais que razoáveis ou um pouco menos que isso, e muitas vezes há situações previsíveis, como a dos interesses dissonantes em relação a Deivinho, o dele próprio e o do pai, darem-se no mesmo dia,  isso não retira o modo extremamente sensível de se trabalhar, por exemplo, o sufocamento do desejo do garoto, ainda incapaz de se afirmar diante do pai. E, no final de contas, evitando igualmente, uma visão unidimensional mesmo do pai, também observado no limite de suas forças e apresentando, em última instância, o amor diante dos filhos. Por outro lado, deixa-se de lado a facilidade de um esquema narrativo a coincidir praticamente com uma plataforma ideológica de plantão à época, como em Que Horas Ela Volta?, para uma das poucas incursões do cinema nacional na qual se pode sentir a corporeidade de um pensamento conservador, e mesmo assim não se criar necessariamente uma antipatia pelo personagem, evitando o populismo fácil. Com relação a questão racial, também trabalhada de forma espontânea e natural, tornando-se transparente a a partir dos dramas dos personagens, ao contrário de outro filme contemporâneo com elenco de forte presença negra – embora aqui seja mais protagonista ainda – que é Medida Provisória. Destaque para a participação luminosa de Camila Damião, vivenciando igualmente a personagem mais compreensiva e de visão mais ampla sobre os outros três. |Filmes de Plástico para Embaúba Filmes. 115 minutos.

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