O Dicionário Biográfico de Cinema#148: Francis Ford Coppola
Francis Ford Coppola, n. Detroit, Michigan, 1939
1962: Dementia 13 [Demência 13]; 1967: You're a Big Boy Now [Agora Você é um Homem]. 1968: Finian's Rainbow [O Caminho do Arco-Íris]. 1969: The Rain People [Caminhos Mal Traçados]. 1972: The Godfather [O Poderoso Chefão]. 1974: The Conversation [A Conversação]; The Godfather, Part II [O Poderoso Chefão II]; 1979: Apocalipse Now. 1982: One from the Heart [O Fundo do Coração]. 1983: The Outsiders [Vidas sem Rumo]; Rumble Fish [O Selvagem da Motocicleta]. 1984: The Cotton Club. 1985: Rip Van Winkle (TV). 1986: Captain Eo (c); Peggy Sue Got Married [Peggy Sue, Seu Passado a Espera]. 1987: Gardens of Stone [Jardins de Pedra]. 1988: Tucker: The Man and His Dream [Tucker: Um Homem e seu Sonho]. 1989: "Life Without Zoe", um episódio de New York Stories [Contos de Nova York]. 1990: The Godfather, Part III [O Poderoso Chefão III]. 1992: Bram Stoker's Dracula [Drácula de Bram Stoker]. 1996: Jack. 1997: The Rainmaker [O Homem Que Fazia Chover]. 2000: Supernova (não creditado). 2001: Apocalipse Now Redux. 2007: Youth Without Youth [Velha Juventude]. 2009: Tetro. 2011: Twixt [Virgínia].
Ele é multitudes: Coppola, Francis Ford Coppola, "Francis", um Don para aspirantes a diretor, homem da Renascença, fazedor de vinhos, visionário do cinema eletrônico e, algumas vezes, São Francisco dos Problemáticos. Tentou tudo por todos; no entanto, este esforço furioso pode mascarar algum vazio interior. Pois ele é muito gregário e muito retraído, a vida e a alma de algumas festas, e um depressivo. Ele é Sonny e Michael Corleone, certamente, mas há traços de Fredo igualmente - e está no seu melhor quando conta secretamente uma parte de sua própria história - a execução de suas fantasias mais temíveis. Sua reputação tem caído, em grande quantidade, como realizador nos anos desde Apocalipse Now (um caos de ideias e esperanças, alijado pela indecisão e o desejo de voar em cenas mortais). Mas nenhuma carreira americana foi tão infinita, uma turbulência divertida, ou diz tanto sobre realizar filmes na América hoje. Ninguém retém tantos traços de júbilo do garoto realizador de filmes, ou inspirado para comentários sombrios. Robert Evans, seu colega em O Poderoso Chefão e The Cotton Club, disse recentemente de Coppola: "É uma pessoa má (...) um descendente direto do Príncipe de Maquiavel. Tão sedutor, tão brilhante em trazer você [para] sua rede, faz Elmer Gantry parecer Don Knotts."
Coppola foi o filho do flautista de Toscanini, um compositor bastante ambicioso, e frequentemente frustrado, cuja música seria muito carinhosamente entregue aos filmes do filho. Mas a família foi sempre a base mais rica e a maior pressão para Coppola. Cresceu como o caseiro e não muito brilhante filho mais jovem, à sombra de seu irmão, August; sua irmã foi Talia, posteriormente Talia Shire e Connie Corleone. Francis teve períodos enfermo e se tornou um mestrando em drama na Universidade Hofstra. De lá fez sua trajetória de aprendizado na fábrica exploradora de Roger Corman, e conquistou uma reputação sólida como roteirista. Como estudante de cinema da UCLA, seu roteiro Pilma Pilma ganhou o Prêmio Samuel Goldwyn em 1962.
Os filmes iniciais não foram muito bons. Coppola era mais estimado como roteirista: fez contribuições significativas para Is Paris Burning? [Paris Está em Chamas?] (66, René Clement) e This Property is Condemned [Esta Mulher é Proibida] (66, Sydney Pollack). Foi grandemente elogiado por sua contibuição para Patton [Patton: Rebelde ou Herói?] (70, Franklin J. Schaffner] - ele e Edmund H. North compartilharam o Oscar de roteiro adaptado. Que nada tenha conseguido salvar The Great Gatsby [O Grande Gatsby] (73, Jack Clayton), não foi sua falha.
Mas então, realizou O Poderoso Chefão, sua verdadeira estreia como artista e confessor familiar. O Poderoso Chefão merece todo o seu sucesso porque tem que se ter coragem para levar seus 175 minutos lentamente. Para um jovem diretor, sem um sucesso, e com a Paramount, Mario Puzo, Robert Evans, e Brando, respirando em seu pescoço - para não mencionar a atenção dos verdadeiros Corleones - foi uma conquista a persuadir aquele vulnerável dinossauro de uma propriedade em uma vida tão flexível e furtiva. (Ainda há histórias de como Coppola precisou de ajuda para organizar o que filmava; mas O Poderoso Chefão terminou tão compreensivelmente organizado que foi o maior testamento ao poder e autoridade criminais).
O Poderoso Chefão é um feitio - você sai dele ansiando por lasanha e molho de carne. Possui uma fé calma no controle narrativo que não havia sido comum em Hollywood por vinte anos. Foi como um filme dos anos 40 em seu cenários nostálgicos; na audaz exploração de Gordon Willis de um filme noir em cores; e em sua fascinação com a maldade. A trama é enraizada no sinistro charme da ação prevista, explicitada e finalmente entregue: o uso das armas de Michael contra Sollozo e McCloskey é o exemplo perfeito disto, e é um assassinato do qual nos tornamos cúmplices.
Além do que, O Poderoso Chefão é profundamente tranquilizador em sua rejeição do caos e da desordem, e em sua insistência paranóica na família como uma casa sombria e misteriosa, onde todos os estranhos são inimigos. Quando a família é tão forte, tão adorável, então os Corleones parecem estar defendendo uma velha e boa ordem, não importa o quão carniceiros e corruptos sejam seus negócios. Há uma gravidade benevolente no modo como o Don Vito de Brando alerta contra os narcóticos como algo demasiado perigoso de ser comercializado. Nenhum filme americano, em anos, havia sido tão oposto à destruição, declínio, entropia ou mudança - ou tão esquizofrenicamente estático na sangria e assassinatos a tiros tão lindamente cronometrados. A mise-en-scène mesclada com a delicada fineza dos homens atingidos.
Quando O Poderoso Chefão mensurou seu grand finale do assassinato contraposto à liturgia do batismo, Coppola parecia mesmerizado pelo truque, e seu niilismo. Um Buñuel, ao contrário, teria tornado a sequência irônica e hilariante. Mas Coppola não vai muito longe nestas qualidades e não pode desprender-se da engenharia das cenas. A identificação com Michael foi completa e arrasadora.
Coppola subitamente se tornara poderoso. Falava de inovações na produção, de um pequeno estúdio tão benevolente quanto familiar. Produziu o delicioso American Grafitti [Loucuras de Verão] (73, George Lucas), fazendo um favor para um de seus afilhados, e deste modo lançando uma carreira que iria diminuir a sua própria e faria um pequeno e rico reino de cinema em San Francisco e Marin. O próprio Coppola não possuía um personagem claramente criativo que o do estudante versátil, adepto, mas desumano.
Realizou The Conversation [A Conversação] com os frutos ganhos de O Poderoso Chefão, enquanto um filme mais pessoal e expressivo. E parece, à princípio, mais difícil e minucioso; e é tão denso em sua trama e em suas camadas sonoras, que requer diversas assistidas - Walter Murch foi o desenhista de som e comandou a pós-produção quando Coppola teve que se concentrar em O Poderoso Chefão II.
O pensamento ávido pode defender que A Conversação é uma análise da América nixoniana, que é um intrincado thriller. Parece-me que o filme é mais uma gloficação do que o filme pode com o som (como mágica e astúcia, e uma visão desamparada e em colapso do solipsismo, paranóia e auto-piedade da depressão). Harry Caul é abandonado sozinho, e solidão é a terrível magnificência na mente de Coppola - veja como ela se apodera de Michael Corleone, e Kurtz em Apocalipse Now. Há uma figura mais mórbida e anal no cinema americano que Harry Caul? Ou alguém que domina e reprime seu próprio filme?
O Poderoso Chefão II foi um desconto natural que fez de Coppola um empresário (algo que teria peso nos dez anos seguintes de sua vida); permitiu Robert De Niro a imaginar uma vida prévia para Vito Corleone; exibiu um domínio de tantos períodos e locais como ser fascinante; e procurou de alguma forma redimir a alegada glamorização da Máfia no filme original. Certamente o Michael da parte II é inequivocamente cruel: ele vira-se contra sua própria família. Porém, ainda assim Coppola não pode desonrar a autoridade adolescente, a atuação dura dos gangsters; e não pode se descolar ele próprio de Michael. Não há horror na parte II, nem indignação moral. Há, ao contrário, a entorpecida e passiva aceitação de que tais coisas são feitas em nome da ordem.
Fui duro com Coppola, pela mesma razão que fui duro com em relação a Capra e Ford. Estes são três homens de notável talento e habilidade. Eles realizaram filmes fascinantes, arrebatadores; são muito bons com atores (ainda que Coppola seja tímido com as mulheres em seus filmes); são narradores capazes de...bem, "gênio" é a palavra que Hollywood usaria. Mas gênio não é suficiente. Há talento em filmes americanos que é feito para atitudes adolescentes, fascismo velado, e uma obra que leva alguém a reconhecer a proximidade do talento e mágica meretrícia. Em todos os três, a obra eventualmente busca esconder sua profunda embrulhada no gesto histérico e na asserção demagógica. Há algo no melhor do cinema americano que não é bom o suficiente, e que é perigoso. A desordem facilmente parece visionária. Apocalipse Now foi concebido como um grande filme e uma grande afirmação: foi destruído na dimensão de sua esperança, pelos caprichos de uma locação difícil, por uma derradeira imprecisão de intenções, e pela megalomania de Brando e Coppola. Não se engane, é uma bagunça - ou uma guerra, iluminada pelas belas explosões que ninguém pode esquecer.
Suspeito que a experiência de Apocalipse Now fez coisas terríveis a moral de Coppola e sua constituição. O risco de racha familiar foi bastante público no livro Notes, de sua esposa Eleanor. Mas tão gritante quanto, foi sua própria indecisão crônica sobre o filme, uma profunda perda de confiança. Em 1982, sua companhia Zoetrope foi um desastre: o bastante delicado O Fundo do Coração foi um fracasso retumbante, o sonho do estúdio de Los Angeles estava acabado e Coppola enfrentou a bancarrota pessoal e financeira. Pela maior parte dos anos 80 trabalhou em encomendas para evitar a ruína. Se ele não colapsou, não significa que a depressão e desalento não tenham provocado estragos. Ele e sua mulher perderam um filho, igualmente, em um acidente próximo aos cenários de Jardins de Pedra. Então, quando elencou sua filha Sofia em O Poderoso Chefão III, parecia capturado em uma mescla de generosidade e imprudência. A família permanece o enigma infinito em sua vida e obra.
Uma série de seus filmes recentes me parece tão destituídos de interesse, sentido ou envolvimento pessoal, quanto são longos enquanto espetáculo: Cotton Club, Tucker e, particularmente, Dracula. Mas O Fundo do Coração é encantador e tocante - mesmo tendo custado demasiado. O Selvagem da Motocicleta é uma história lastimável de um pai e irmãos. E então houve O Poderoso Chefão III. Quando vi este filme no cinema fiquei terrivelmente desapontado: Pacino parece ter perdido o papel; a política papal parecia inapropriada; Sofia Coppola é surpreendente, mas não capta a ressonância clássica de seu papel; e a coisa toda parecia sem rumo e incerta. Como poderia O Poderoso Chefão funcionar com um Michael rehabilitado? Se o diretor buscava redenção, então não seria melhor ter ido a outros lugares - em Kay, em momento prévio da história, ou nos filhos de Michael? Conclamo os leitores a projetarem a versão revisada da parte III, agora disponível em edição de vídeo das três partes de O Poderoso Chefão. Walter Murch fez a montagem, e continuou a prática de montar a terceira parte, que havia sido finalizada pela pressão do lançamento em dezembro. Esta versão revisada não é tão boa quanto as duas primeiras partes, mas é bastante superior ao lançamento nos cinemas. O novo Michael é mais claro e mais tocante. Connie se torna uma figura dominante. Ainda ficaria sem o Vaticano: a nêmese apropriada de Michael seria Washington. Ainda assim, a terceira parte é outonal, triste e repleta de confissões. E muito mais válida que a opinião geral sugere, e é um dos filmes mais cândidos de Coppola.
Há um outro Coppola, ainda - o empresário, o produtor executivo em projetos tão misturados quanto os seus. Porém, sem dúvida, há creditos em tão surpreendente variedade: The Black Stallion [O Corcel Negro] (79, Carroll Ballard); The Escape Artist [O Pequeno Mágico] (82, Caleb Deschanel); Hammet [Hammet: Mistério em Chinatown] (82, Wim Wenders); The Black Stalion Returns [O Regresso do Corcel Negro] (83, Robert Dalva); Mishima: A Life in Four Chapters [Mishima: Uma Vida em Quatro Tempos] (85, Paul Schrader); Tough Guys Don't Dance [A Marca do Passado] (87, Norman Mailer); Wind (92, Ballard); e The Secret Garden [O Jardim Secreto] (93, Agniezka Holland).
Ao longo dos anos 90, Coppola desenvolveu sua vinícola em Napa Valley, fundou uma revista, Zoetrope, para contos, e também ajudou a produzir o longa de estreia de sua filha, The Virgin Suicides [As Virgens Suicidas] (00). Teve um interesse próximo nos negócios em disputa na MGM/UA, o que representa seu apoio na montagem de Supernova (00, Thomas Lee). Também trabalha em um projeto a ser chamado Megalopolis, ao menos há vinte anos em realização. De seus próprios filmes, Jack foi um dos piores e O Homem Que Fazia Chover foi completamente antiquado e divertido. Mas o verdadeiro evento cinematográfico foi como o reclame de uma criança - Apocalipse Now Redux foi um fascinante retratamento de um material antigo, com 53 minutos de material cortado restaurados. Parece-me alterar o filme enormemente e torná-lo uma obra-prima que deixa a paisagens dos filmes contemprâneos, em 2001, ainda mais surrada. Se Coppola ainda realizará outro grande filme é algo a ser visto. Que ele tem sido um grande realizador, e uma inspiração para a ideia do norte da Califórnia, é fora de questão.
Ao chegar aos 70, Coppola retornou a filmes pequenos e pessoais (com Walter Murch como um valoroso associado): Velha Juventude e Tetro foram filmes de um bastante talentoso estudante de literatura comparada. Foram artísticos, graves e profundamente pessoais. A grande tempestade Francis e seu gênio americano - a identificação de Michael Corleone - parece ter passado.
Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 539-44.
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