O Dicionário Biográfico de Cinema#88: Louise Brooks

 


Louise Brooks (Mary Louise Brooks) (1906-85), n. Cherryvale, Kansas

Em seus últimos anos, Louise Brooks fez de tudo que uma mulher idosa, frequentementea acamada, podia fazer para assegurar sua reputação enigmática. Tornou-se reclusa em Rochester, Nova York, foi o que se disse. Suas paixões eram a artrite e a enfisema. Mas ela acabou lá em grande parte por causa do entusiasmo de James Card, curador da Eastman House. E ela ainda conseguia atrair homens para o interior do estado de Nova York: Kenneth Tynan esteve lá para escrever um ensaio apaixonado e bastante influente para The New Yorker; Richard Leacock foi lá para filmá-la. E houve outros. Antes dela morrer, Lulu in Hollywood foi publicado (com uma introdução de William Shawn). Aquela reunião de ensaios foi inteligente, fascinante, enigmática, fria, e certamente além do que a maioria das estrelas pensaria tentar. Mas fidedigna, completa, honesta? Ela havia escrito uma autobiografia, assim foi defendido - Naked On My Goat - mas somente pedaços sobreviveram após o livro ter sido jogado em um incinerador - por sua autora, naturalmente. 

Após sua morte, Barry Paris escreveu uma biografia cuidadosa e bastante útil, cujas lacunas foram maravilhosamente preenchidas por fotos de tirar o fôlego (Brooks fez stills que estavam trinta anos adiante de seu tempo). Mas Paris estava tentando enlaçar uma borboleta bastante ardilosa, assim como uma mulher que possuía instintos brilhantes sobre publicidade moderna e obsessão pelo culto. Atriz? meteórica. Farsante? Completamente. Foi também uma das primeiras atrizes cuja criatividade foi mórbida, ou auto-destrutiva: teve um palpite que poderia durar melhor que o simples sucesso. 

Em The Parade's Gone By, Kevin Brownlow nos conta uma deliciosa história de como Louise Brooks lastimava a forma que Lotte Eisner havia esclarecido uma descrição anterior dela. Em sua primeira edição de A Tela Demoníaca, Eisner havia escrito: "Louise Brooks foi uma grande artista ou somente uma criatura deslumbrante cuja beleza levava o espectador a dotá-la com complexidades das quais ela própria era inconsciente?" Anos depois, Eisner alterou essa passagem para: "Sabemos hoje que Brooks é uma atriz espantosa, dotada de uma inteligência fora de série, e não somente uma criatura deslumbrante." No entanto, Brooks havia preferido o mistério anterior.

Ela se encontrava por então em Rochester, citando Proust para ansisosos entrevistadores, ainda sedutora, ainda difícil, uma esnobe e uma fofoqueira, e uma conhecedora de sua própria mística. Ela existe em fragmentos que não compõem um todo coeso. Assim como fez poucos filmes, muitos dos quais raramente vistos, transformou sua vida em base para especulação e encantamento. Por exemplo, por anos alegou que ocultou  William Paley como seu ex-amante e posterior patrão - ainda que o alegremente vaidoso Pailey adorou ter sido citado como uma de suas conquistas. O homem demasiado rico foi magicamente o criado da senhora perdida. 

Aos 15 anos se tornou dançarina, primeiro com Ruth St. Denis, depois em Scandals, de George White e do Ziegfield Follies. A Paramount a viu e lhe deu uma pequena parte em The Street of Forgotten Men [O Mendigo Elegante (25, Herbert Brenon). Realizou um bocado de comédias, nas quais era uma caprichosa femme fatale, interpretando com uma reserva que inescapavalmente chamava a atenção, em meio a tanto exagero: The American Venus [A Vênus Americana] (26, Frank Tuttle); A Social Celebrity [Desfrutando a Alta Sociedade] (26, Malcolm St. Clair; It's the Old Army Game [Risos e Tristezas], um filme de W.C. Fields dirigido por Edward Sutherland, com quem ela foi brevemente casada; The Show-Off [O Fanfarrão] (26, St. Clair); Just Another Blonde [Entre a Loura e a Morena] (26, Alfred Santell); Love'Em and Leave'Em [Amá-las e Deixá-las] (26, Tuttle); Evening Clothes [De Casaca e Luva Branca] (27, Luther Reed); Rolled Stockings [Meias Indiscretas] (27, Richard Rossen); The City Gone Wild [A Cidade Buliçosa] (27, James Cruze); Now We're in the Air [Dois Águais do Ar] (27, Frank Strayer); A Girl in Every Port [Uma Noiva em Cada Porto] (28, Howard Hawks); e Beggars of Life [Mendigos da Vida] (28, William Wellman).

Então aconteceu um dos poucos exemplos de uma americana indo à Europa descobrir a si mesma. G.W. Pabst viu Uma Noiva em Cada Porto e se fixou em Brooks para interpretar Lulu de Wedekind em Die Büchse der Pandora [A Caixa de Pandora] (29). A Paramount objetou e, no entanto, destemida, Brooks abandonou seu contrato e foi à Alemanha. Ela descreveu o modo como Pabst protegeu-a da xenofobia e obteve uma performance tão animada dela. Seu (de Pabst) palpite de que essa garota americana (tinha somente vinte e três anos) poderia compreender as verdades psicológicas de alerta sexual foi realizado - ainda que se tenha levado vinte e cinco anos antes que a interpretação dela fosse plenamente apreciada. Hoje, Brooks em primeiro plano dá uma sensação de vivacidade, de intimidade fatal que enriquece enormemente  a tragédia de Lulu. A Caixa de Pandora é ainda um dos filmes mais eróticos jamais feitos - e foi mais do que Pabst jamais ousaria de novo. Imediatamente, atuou em Tagebuch einer Verlorenen [Diário de uma Garota Perdida] (29), e então retornou à América. 

Ela havia ofendido a Paramount, mas a excursão iria provocar efeitos mais sérios nela. O estúdio pediu-lhe para dublar The Canary Murder Case [O Drama de uma Noite] (29, Tuttle e St. Clair), que havia sido realizado antes de sua partida. Ela rejeitou e foi à França para atuar em Prix de Beauté [Miss Europa] (30, Augusto Genina). De volta a Hollywood, sua posição estava tão deteriorada que interpretou em Windy Riley Goes to Hollywood, filme de dois rolos dirigido por Fatty Arbuckle. Não é exatamente claro como  caiu em desgraça, mas em 1931 somente conseguiu gerir papéis coadjuvantes em It Pays to Advertise (Tuttle) e God's Gift to Women (Michael Curtiz).

Retomou sua carreira de dançarina, somente para realizar um arruinante retorno, no final dos anos 30, desperdiçada em pequenos papéis: Empty Saddles [O Rancho das Feitiçarias] (36, Lesley Selander); When You're in Love [Prelúdio de Amor] (37, Robert Riskin); King of Gamblers [O Amor é como um Jogo] (37, Robert Florey); e Overland Stage Riders [Bandidos Encobertos] (38, George Sherman).

Não faria mais filmes e gradualmente foi se aposentando, de onde foi redescoberta duas décadas após, por entusiastas do cinema, seus próprios artigos em revistas de cinema, e um tributo que lhe foi feito por Godard e Anna Karina em Vivre sa Vie [Viver a Vida]. Por que ela ainda exerce tanta influência? Em parte, um culto soberbamente manipulado pela própria senhora - muito mais engenhosa que a tentativa de Norma Desmond feita em Sunset Boulevard [Crepúsculo dos Deuses]. Mas, mais que isso, ela foi uma das primeiras intérpretes a penetrar o coração  da interpretação nas telas. Essa dúvida original de Lotte Eisner aplica-se não somente a Louise Brooks, mas a todos os grandes intérpretes do cinema. Muito simplesmente, ela apreciava que o poder da atriz na tela residisse não na incorporação ou na interpretação, na cuidadosamente elaborada narrativa pessoal da atuação no palco, "mas nos movimentos do pensamento e da alma transmitidos numa forma de isolamento intenso." Uma atriz tem que imaginar totalmente os sentimentos de um personagem. E talvez tenha sido ao imaginar o auto-consumido sequestro de Lulu que Louise Brooks pôs à venda seu próprio subsequente isolamento.

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. Nova York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 337-40. 

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