Filme do Dia: Anatomia de uma Queda (2023), Justine Triet
Anatomia de uma Queda (Anatomie d’une Chute, França, 2023). Direção Justine Triet. Rot. Original Justine Triet & Arthur Harari. Fotografia Simon Beaufils. Montagem Laurent Sénéchal. Dir. de arte Emannuelle Duplay. Cenografia Cécile Deleu. Figurinos Isabelle Pannetier. Maquiagem e Cabelos Aurélie Cerveau & Aude Thomas. Com Sandra Hüller, Swann Arlaud, Milo Machado Graner, Antoine Reinartz, Samuel Theis, Jehnny Beth, Saadia Bentaïeb, Camille Rutherford, Anne Rotger.
Em montanhas encobertas por neve, próximas a Grenoble, a escritora Sandra (Hüller) tenta proporcionar uma entrevista/conversa com a estudante Zoé (Rutherford), mas desiste após a crescente explosão sonora proporcionada pelo marido dela, o professor Samuel (Theis). O filho do casal, Daniel (Graner), cego, vai passear com o cachorro Snoop. Quando retorna do passeio, encontra o pai morto, próximo da casa, em meio a uma poça de sangue. Sandra chama para advogar em sua defesa o amigo/amante Renzi (Arlaud). Uma acusação formal é feita contra Sandra, romancista de relativo sucesso, e a mídia acompanha o caso com forte interesse, sobretudo depois que um julgamento é iniciado, contando com um promotor raivoso e cheio de insinuações (Reinartz) e é comandado por uma juíza (Rotger)
Poderia ser considerado como uma versão autoral europeia finalmente à altura
dos dramas de tribunal hollywoodianos, inclusive com um título que remeteria um dos mais interessantes deles (Anatomia de um Crime). Mais
que propriamente se fixar em se
desvendar um crime ou se equivaler o veredito de um julgamento como
consecução/consagração de uma posição justa diante do ocorrido, o que em última
instância ficará insolúvel, embora se possa até ameaçar uma resposta, parece
mais preocupado em afundar nas várias camadas de real, que parecem fazer voltas
sobre si próprias. Inclusive das fraquezas e fissuras humanas, como a troca de
acusações entre Sandra e Samuel parecem fazer crer. Ele a acusando de furtar
sua ideia. Ela, de simplesmente conseguir dar consecução a algo que
provavelmente não teria uma finalização de sua parte, como muitos outros
projetos e tampouco deixando de lembrar que ela construiu algo muito diverso do
miolo do texto dele, e teria contado com o seu assentimento. E a criança de
ambos, cujo comentário em um tribunal sem público pode ter sido fundamental
para o veredito final, parece tão oscilante quanto qualquer um dos envolvidos.
E se há uma perspectiva feminista na obra de Triet, ela passa a quilômetros de
distância do populismo simplório dos filmes de Emerald Fennel. Ela se encontra
em observar como normalidade o que poderia se por na conta de uma antecipação
de vilania, quando se observa que advogado e ré são amantes. E riem à socapa
após o resultado. Despidas da hipocrisia do rito jurídico, completamente
necessária para sua consecução aliás, elas são apenas humanas e nada mais.
Apenas as explicações técnicas seriam a chave para o desvelamento do caso? Não
parece ser o caso, como demonstra a brilhante sequência sobre o arrazoado em
torno do que seriam provas em áudio definitivas contra Sandra. E da qual temos
acesso visual (como uma espécie de certificado de validade) apenas do início do
entrevero do casal. Ao mesmo tempo servindo como argumento/comentário sobre os
tempos que seguem quando de seu lançamento, marcados pelo desejo de se
acreditar apenas em narrativas. Relativamente discreto em termos formais, chama
a atenção em momentos como o que a câmera faz um pequeno salto panorâmico para
o lado e é acessado um zoom a destacar alguma figura em meio a sala do tribunal
– mesmo recurso utilizado em um popular clipe do R.E.M. para a música Imitation
of Life; e que tem sido usado com alguma frequencia na produção
contemporânea, geralmente de forma menos interessante e inócua (como demonstra Remando para o Ouro). Mesmo a
coincidência do nome do casal com os atores que os vivenciam, ela é parcial,
pois vale para Hüller, aliás excelente, densa, múltipla e de um talento
impressionante, pois o papel foi escrito diretamente para ela, mas não no caso
de Samuel, mera coincidência. Palma de Ouro em Cannes. |Les Films Pélleas/Les
Films de Pierre/France 2 Cinéma. 141 minutos.![]()

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