Filme do Dia: Os Fabelmans (2022), Steven Spielberg
Os Fabelmans (The Fabelmans, EUA,
2022). Direção Steven Spielberg. Rot. Original Steven Spielberg & Tony
Kushner. Fotografia Janusz Kaminski. Música John Williams. Montagem Sarah
Broshar & Michael Kahn. Dir. de arte Rick Carter & Andrew Max Cahn.
Cenografia Karen O’Hara. Figurinos Mark Bridges. Com Gabriel LaBelle, Michelle
Williams, Paul Dano, Seth Rogen, Mateo Zoryan, Keeley Karsten, Alina Brace,
Julia Butters, Judd Hirsch, David Lynch, Sam Rechner, Isabelle Kusman, Oakes
Fegley, Chloe East.
Sammy Fabelman (LaBelle) é um garoto
que fica com uma impressão duradoura de uma cena a simular um desastre de trem
em O Maior Espetáculo da Terra, filme assistido com o pai, Burt (Dano) e
a mãe, Mitzi (Williams). Ele a reproduzirá inúmeras vezes quando o pai o
presenteia com um trem de brinquedo. A família viaja para um acampamento, com a
presença do inseparável amigo de Burt, Bennie (Rogen) e Sammy filma vários
momentos. A mãe de Mitzi falece, deixando-a emocionalmente descompensada. Um
irmão da falecida, Boris (Hirsch), conta de suas experiências no cinema, quando
trabalhou em um filme mudo, em 1927. O
pai pressiona-o para efetuar a edição das imagens do acampamento o mais rápido
possível, pensando poder amenizar a dor e desorientação de Mitzi. Sammy, no
entanto, encontra nas imagens uma comprovação de uma relação amorosa da mãe com
Bennie, o que o deixa furioso com ela, posteriormente fazendo com que somente
ela veja as imagens, devidamente extraídas do filme apresentado à família. Com
a promoção no emprego de Burt, a família se muda para a Califórnia. Pouco antes
da partida, Bennie presenteia Sammy com uma câmera, que este somente aceita com
muita reticência. É uma fase na qual se afasta das filmagens. Já na Califórnia,
Sammy se torna vítima preferencial dos abusos dos colegas, por ser judeu,
sobretudo por dois garotos, Logan (Rechner) e Chad (Fegley). Ele possui um
namoro com a fervorosa cristã, Monica (East), rompido no dia do baile de
formatura da turma e da exibição do filme realizado com a turma na praia. Mitzi
havia anunciado pouco antes sua decisão de retornar ao Arizona e para Bennie, o
que provoca um descalabro emocional na família, não impedindo Sammy de concluir
a montagem de seu filme. No ano seguinte, vivendo com Burt, Sammy recebe uma
correspondência convidando-o a trabalhar em uma série de filmagens para a tv
CBS. Lá, seu patrão lhe indica a possibilidade de conhecer um vizinho de escritório,
ninguém menos que John Ford (Lynch).
Spielberg adere ao ciclo de memórias
de forte cunho autobiográfico seguido por vários realizadores recentemente, a
gerar obras como Roma, Apollo 10 e ½, Belfast, Armageddon
Time, Licorice Pizza ou A Mão de Deus. E o resultado é não
apenas seu filme mais pessoal, como faz questão de comentar, no seu
agradecimento aos espectadores que foram assisti-lo na tela grande de um cinema
(ironicamente passível de ser reproduzida em arquivos digitais
contemporaneamente ao seu lançamento nas salas), como talvez seu único filme
verdadeiramente pessoal até o momento. Há uma carga tributária aos mestres do
cinema clássico das gerações precedentes, observado do início, com esta
mensagem, típica de alguns filmes-sensação dos tempos do cinema clássico, ao
final, com o nervoso encontro com John Ford, mas felizmente sem cair apenas nas
aborrecidas e autoindulgentes reconstituições de suas primeiras filmagens
amadoras, a ocuparem boa parte de um trecho inicial do filme, fazendo-nos crer
se assistir mais uma vez ao padrão róseo spielberguiano de reproduzir o mundo,
algo disneyano até quando seus temas são mais espinhosos (caso de Louca
Perseguição). E também este prólogo mais açucarado servirá como “escada”
perfeita para o momento no qual um Sammy adolescente irá, através dos indícios
das imagens dos home movies (tal como o protagonista de Blow Up)
encontrar algo que não fazia parte de sua intenção original, lá um cadáver,
aqui a vinculação amorosa da mãe com Bennie. É o momento que o filme mais
cresce e mais se distancia do que habitualmente observamos como família nos
filmes do realizador, e do próprio universo dele como um todo, como se uma lupa
se entranhasse a perfurar a superfície de felicidade. E o cinema fosse a
válvula de escape para a realidade dos dramas familiares, marcados pela
sensibilidade alucinada de uma mãe, provavelmente agravados com a inexistência
de uma carreira profissional ao piano, como lembrado pelo tio não menos
aloprado. E há momentos de suspiro cômico não menos bem efetivados, como os da
namoradinha cristã, sem sublimar o desejo religioso do sexual, misturando
homilia religiosa com sexual com a mesma desenvoltura da quantidade de imagens
de Cristo compartilhadas com astros pop em evidência. Michelle Williams talvez vivencie sua
interpretação mais luminosa até então na sua carreira. Para um filme que
prometia mais frutos de outros filmes que de sua experiência de vida, Spielberg
não se esquivou em apresentar aspectos dolorosos e constrangedores de uma mãe a
dançar com roupa transparente e sem calcinha para o grupo reunido e o filho a
filmar, e um pai demasiado auto-centrado e que parece fazer vista grossa a
relação extraconjugal da esposa. Este último vivido com mais descrição, mas não
menos bravura por Paul Dano – sua elaboração visual parece tributária de
representações do homem médio americano nas animações da UPA dos anos 50, ou
mesmo de Hanna-Barbera na década seguinte. Spielberg consegue concatenar os
episódios sem que se fique com a impressão de se assistir esquetes mais ou
menos soltos, como os do filme de Paul Thomas Anderson. E os faz em chave mais
potencialmente popular, em termos de apelo ao público, que qualquer dos filmes
supracitados. O que não é pouco. E ainda contando com belos resultados de seus
longevos colaboradores, seja Kaminski na fotografia ou até mesmo John Williams
na trilha musical, evitando temas triunfalistas ou demasiado sentimentais.
|Amblin Ent./Amblin Partners/Reliance Ent./Universal Pictures para Universal
Pictures. 151 minutos.![]()

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