Filme do Dia: Kuxa Kanema, Episódio ? (1978), Fernando Silva
Kuxa
Kanema: Episódio ? (Moçambique, 1978). Direção: Fernando Silva. Texto: Luís
Patraquim. Fotografia: Fernando Silva & José João. Montagem: Ophera Hallis.
São
raros os curtas que sejam protagonizados por elementos do povo como esse, do
cinejornal produzido ao longo de meia década, ainda que coletivamente, quando
se aborda o Festival Nacional de Música Popular. Mesmo que esse venha a ocorrer
no feriado da independência, o que trai certa dimensão utilitarista ao regime
no poder, encontra-se a anos-luz do engessamento não apenas ideológico, mas
igualmente formal que o cinejornal se submeterá após a mudança de seus quadros
técnicos. Aqui, por exemplo, ouve-se algo a respeito da timbila, instrumento de
percussão ao estilo do xilofone, de um
dos povos que compõe a nação, assim como trechos de uma apresentação musical.
Segue-se uma dança tradicional, exclusiva dos homens, pois faz parte dos rituais
de circuncisão, o mapico – e é extraordinário que aqui se observe algo que não
encontra atrelado à engrenagem ideológica do partido, indo até mesmo contra
essa, pois poderia ser observado como valorização de uma cultura tribalista e
não dentro dos cânones do nacional (leia-se: orientada pela FRELIMO) ao qual se
pretende subsumir às culturas diversas do país. Também é um dos raros momentos
nos quais se escuta uma língua que não a portuguesa em toda a série. Há um que
de documentário nesse interesse em aprofundar um tema, saber algo sobre a origem
de uma determinada dança, que vai contra os protocolos da informação imediata,
que tornar-se-á o padrão recorrente, talvez por isso mesmo – esse modelo fosse
de mais difícil instrumentalização. Porém, lá pela metade do cinejornal, não
faltava um comentário sobre uma determinada tradição musical, que afirma-se já
transformada e que a letra era um agradecimento a Samora Machel, que nos poucos
jornais em que não aparece sua imagem, muitas vezes vem a ser citado, como
aqui, o então presidente e líder do país por cerca de uma década. Também se
percebe a descentralização e o movimento em direção a filmar realidades
distintas das da província de Maputo, nesse caso Inhabane, ainda que igualmente
no Sul. E a criatividade dos ângulos – como o que filme rente a uma timbila –
ou a duração sem pressa de alguns planos se tornarão futuramente praticamente
apenas ilustrações do texto falado. Porém, nem tudo são flores e ao momento
final se resolve contrapor tudo até então visto à noite e à prostituição, sendo
a voz de Roberto Carlos (As Flores do
Jardim da Nossa Casa), assim como fachadas luminosas e danças em cabarés
que são consideradas “cultura assimilada”. Associa-se tal “corrupção” ao
fascismo do Império. Próximo ao final, vem-se o recibo da FRELIMO, com um
dirigente explicando sobre o festival de dança. A resistência do realizador,
que preferiu sintetizar aqui ao final o que se encontra presente em
praticamente o corpo inteiro dos cinejornais futuros, é deslocar a câmera da
fala do dirigente para os artistas e suas timbilas. Sabiamente se encerra com
artistas e populares dançando e fazendo música, de dia e à noite. Música essa
que alegremente se espraia aos créditos finais.
INC. 17 minutos e 50 segundos.

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